Assassinato no parque de diversões
Por Arthur Soffiati
Entre os filmes que marcaram o jovem Quentin Tarantino entre 1968 e 1981, figuram “Bullit”, “Perseguidor implacável”, “Amargo pesadelo”, “Os implacáveis”, “A quadrilha”, “Irmãs diabólicas”, “Daisy Miller”, “Taxi driver”, “A outra face da violência”, “A taberna do inferno”, “Alcatraz: fuga impossível”, “Hardcore: no submundo do sexo” e “Pague para entrar e reze para sair”.
Quero me deter no último, dirigido por Tobe Hooper e com lançamento em 1981. Ele já tinha lançado “O massacre da serra elétrica” (1974), que Tarantino considerou um filme perfeito, sem explicar seu conceito de perfeição, e “Devorado vivo”, de 1976, que também mereceu elogio do diretor de “Cães de aluguel” em seu livro “Especulações cinematográficas” (Rio de Janeiro: Intrínseca, 2023). Para ele, o roteiro é excelente, mas a direção de Hooper merece rasgados elogios.
Já nos créditos iniciais, Hooper desfila as figuras que costumavam ilustrar os parques de diversões antigamente. São figuras canhestras, primárias, mas, ao mesmo tempo, assustadoras. O início é marcado por um quarto com instrumentos de tortura e a exibição de “A noiva de Frankenstein”, de 1935, filme que surfou na onda de sucesso de “Frankenstein” (1931). Então, uma jovem entra no banheiro, tira a roupa e se prepara para o banho. Em termos de sexo, parece que seios femininos são a obsessão dos homens dos Estados Unidos. Hooper não exibiu seios nus em “O massacre”, mas não os economizou em “Devorado vivo”. Enquanto ela se banha, um mascarado invade o banheiro com uma faca e avança para ela tentando atingi-la. É a cena famosa do chuveiro de “Psicose”. Hitchcock está sendo homenageado. A moça consegue segurar o pulso do esfaqueador, mas ele alcança a barriga dela. A faca, de borracha, se curva. Era seu irmãozinho desejando assustá-la.
É motivo suficiente para ela não levar mais o irmão ao parque. Na verdade, ela pretendia mesmo ir ao cinema com o namorado e um casal amigo. Mas acabam todos no parque. O irmão foge de casa e também vai ao parque. O filme mostra as diversões: roda gigante, carrossel, carrinhos que trombam, trem fantasma, vidente, animais com deformação, teste de força etc.
Eles se divertem e decidem passar a noite escondidos naquele parque mambembe de última categoria, onde duas moças tinham sido assassinadas anteriormente sem que o assassino tivesse sido encontrado. No meu entendimento, este é o senão maior do roteiro. Uma coisa é os dois casais ficarem presos nos domínios do parque. Outra é escolher dormir num lugar escondido para se divertirem à noite, fumando maconha e transando. Novamente, seios aparecem. Mas os quatro acabam sendo também testemunhas de um assassinato. O simpático Frankenstein mascarado paga à vidente por um sexo rápido que se resume a uma masturbação. Por baixo da máscara, escondia-se uma aberração humana assustadora.
O irmão da moça é salvo por um funcionário do parque, que telefona para seus pais. Mas os dois casais são perseguidos pelo “monstro” assassino a mando de seu pai. Os quatro vivem uma noite alucinante, em que um por um é assassinado sempre de forma bizarra. A gente já espera o final: todos morrerão, salvando-se apenas a mocinha, que deixa o parque de manhã, espandongada e descalça. A cena contrasta com a paz dos empregados desmontando o parque. O final pedia a moça chamando a polícia.
“Pague para entrar em reze para sair” (“Funhouse”) é um típico filme B: baixo orçamento, artistas inexperientes, efeitos especiais não convincentes, fotografia meio desbotada. É um típico filme norte-americano para público pouco exigente. O que não significa que não tenha qualidades. Tobe Hooper trabalhava com baixo orçamento propositalmente. Ele foi reconhecido por seus pares como um grande diretor. Assisti a quase todos os seus filmes. Só gostaria de saber qual seria a reação de uma pessoa que eu convidasse a assistir a ele. Ou qual seria a postura de um admirador de Tarantino diante desse filme. Admiramos Tarantino, mas não o seu gosto.
Publicado hoje na Folha da Manhã.
Confira o trailer do filme: