Filme de brucutu no Século XXI
Por Felipe Fernandes
O mestre Alfred Hitchcock em uma certa oportunidade destacou que quando buscava obras literárias para adaptar para o cinema, geralmente procurava por obras que tivessem uma natureza imagética, mas também que pudessem ganhar um diferencial ao ser adaptado para outro tipo de arte. Em alguns casos, até melhorando obras que ele entendia ter potencial, mas que na opinião dele eram falhas enquanto narrativa.
Quando eu penso na realização de um remake, eu penso de forma muito parecida. Porque fazer um remake de um clássico reverenciado como Psicose? Não faz sentido. Mas realizar um remake de um filme menos lembrado ou até mesmo problemático, me parece uma aposta mais arriscada financeiramente, mas do ponto de vista artístico, muito mais interessante.
Essa foi a sensação que tive ao saber do lançamento de “Matador de aluguel”. Um remake de um longa do final da década de 80 que trazia Patrick Swayze como um segurança de bar. A julgar pela sinopse, um típico filme daquela época. A nova versão traz Jake Gyllenhaal no mesmo personagem, mas em uma versão moderna como um ex-lutador de MMA, que precisa lidar com um trauma do passado e ganha um propósito como segurança do bar de uma pequena cidade costeira da Flórida.
Abrindo com uma sequência em uma espécie de clube de luta clandestina, já somos apresentados ao protagonista como uma espécie de lenda, antes mesmo dele desferir um único soco. Esse é um elemento importante na composição do personagem, que justifica sua fama posteriormente. Desde essa primeira cena o longa vai desconstruindo qualquer senso de realidade, resgatando muito dos exageros do cinema de ação da década de 80.
O filme traz uma história típica dos westerns que ressoa nesse universo violento e masculino do longa. Um forasteiro solitário e misterioso, de passado violento, que chega em uma pequena cidade dominada por gente poderosa e vai lidar com essa situação, enquanto aos poucos vai se tornando parte daquela comunidade. O próprio filme brinca com essa ideia, em alguns dos momentos de metalinguagem que fazem parte do humor do longa.
Nesse sentido, o filme é anacrônico. É um filme de brucutu da década de 80, com algumas atualizações narrativas, feito com a estética de luta de hoje, que traz cenas mais coreografadas e intensas, com uma dose equilibrada de violência. Essas cenas são o ponto alto do filme, mesmo que não sejam inovadoras e surpreendentes, tornam os personagens daquele universo figuras realmente perigosas.
Jake Gyllenhaal mais uma vez prova sua versatilidade e surge muito forte, convencendo como lutador e agregando um carisma ao personagem que faz diferença. O ator traz um ar cansado que funciona, apesar do roteiro insistir em criar um suspense sobre um trauma vivido por ele no passado, que não agrega muito ao personagem.
Ao abandonar qualquer senso de realidade, apostando nos exageros e no carisma de Gyllenhaal, o filme cresce. Tem um humor surpreendente, que funciona melhor quando lida de forma consciente com os absurdos desse tipo de filme e o timing cômico de Gyllenhaal, contrastando com a figura cansada e séria do protagonista, torna tudo mais divertido.
Assim como todo western, surge um adversário à altura, em que basicamente eles vão duelar (aqui na base do soco) por aquele território. O adversário é interpretado pelo lutador de MMA Conor McGregor, que basicamente interpreta o mesmo personagem que fez sua fama no octógono. São dois personagens que são dois extremos em termos de personalidade, mas de uma certa forma, eles se identificam.
Com esse título nacional sem sentido, “Matador de aluguel” é um filme que exige que o espectador embarque em sua proposta. Traz uma dinâmica de western para fazer uma homenagem/paródia do cinema de ação oitentista, com um humor consciente que rivaliza com a ação. É o cinema de brucutu no século XXI.
Publicado hoje na Folha da Manhã.
Assista ao trailer do filme: