Por Ronaldo Junior, os vikings na poesia de Aluysio Abreu

 

Cidade de York, no Norte da Inglaterra, entre as duas margens do rio Ouse

 

Ronaldo Junior, poeta, professor de Letras e presidente da Academia Campista de Letras (ACL)

Do cotidiano maior que as sagas

Por Ronaldo Junior

 

A lembrança retorna às retinas como se as ruas as sarjetas os odores os ruídos o arfar do marceneiro a manusear sua ferramenta fossem agora. E são, pois saem do poema e recriam — cena por cena — as passagens e descobertas de anos atrás.

A palavra, em começo, fez o estopim do verso. Ela, que traduz a textura e a rudeza das muralhas e pessoas que compõem a cidade, também é peça guardada no museu para lembrar quase um século de dominação Viking sobre a chamada Jorvik.

E o poeta, ao acompanhar a — contrastante — velha cidade, faz relato do que alcança suas narinas e do que fricciona a sola dos seus calçados. Tudo ao redor é camada a ser recortada com a lâmina da palavra, até alcançar o cerne — do rio Ouse aos portões que recontam Ricardo III.

As ruas, por sua vez, exalam os ébrios que vivenciam a cidade feito piratas escandinavos, trajados de violência e impulsividade a compor a cena que o cineasta-poeta vivencia com suas lentes lacrimais, sendo cada verso um frame que atravessa lentamente o segundo-instante, que passa num tempo próprio.

Entre as ocorrências cruas que se entrecruzam, os crânios vazados ainda guardam, na sobrevivência despropositada daquilo que um dia foram, versos questionadores que ecoam pelos séculos, mesmo antes de terem sido escritos: “Know’st thou not, there is but one theme for ever-enduring bards? / And that is the theme of War, the fortune of battles, / The making of perfect soldiers?”i

E, das batalhas expostas no museu, surgiu a palavra que originou o verso, matizado de sangue etílico escorrendo dos conflitos cotidianos, num poema que floresceu apenas dias depois, já em Edimburgo, quando o poeta seguia viagem.

 

i “Não sabes que há senão um tema para bardos sempiternos? / E que esse é o tema da Guerra, a fortuna das batalhas, / A feitura de soldados perfeitos?” — trecho do poema “As I Ponder’d in Silence” (“Enquanto eu Ponderava em Silêncio”), de Walt Whitman. Tradução de Adriano Scandolara.

 

Na Coppergate Street, 19, o Museu Viking de York , cidade fundada pela 9ª Legião da Antiga Roma em  71 d.C. e  invadida em 866 pelos filhos do mítico líder Ragnar Lodbrok, batalha retratada na série “Vikings”

 

 

Poema de Aluysio Abreu Barbosa(*)

 

old york

(a silvana)

 

vikings no museu são cheiros

respiração do entalhe impressa no ato

que não sopra dentro dos crânios vazados

— digitais rudes na morte e na cerca

sobrevivem ao tempo no cerco do barro

 

fedem as férteis lembranças de lodo

do cotidiano maior que as sagas

por lázaro, estórias da lama do ouse

recortam york, a velha, em camadas

 

são cores nas ruas os vikings de hoje

são loucas inglesas de louros cabelos

no agudo tingido à luta dos ébrios

rosados de sangue, à flor da pele

 

edimburgo, 12/09/07

 

 

(*)Poeta, jornalista e membro da ACL

 

Folha Letras da edição de hoje da Folha da Manhã

 

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