Bolsonaro não bate a meta no dia de Haddad

 

Adversários no segundo turno presidencial de 2018, Fernando Haddad e Jair Bolsonaro na última quinta-feira (Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

O Lula 3 dará certo? No Brasil, é lugar comum dizer que o ano só começa, de fato, após a quarta-feira de cinzas. Que este ano foi em 22 de fevereiro. No mundo, a partir da sentença de James Carville, estrategista do ex-presidente dos EUA Bill Clinton, virou lugar comum a receita para o sucesso ou fracasso de um governo: “é a economia, estúpido”.

Na junção dos dois lugares comuns, é correto dizer que o novo governo Lula começou, de fato, na última quarta, 29 de março. Naquele dia, o ministro da Fazenda Fernando Haddad apresentou e teve de Lula o sinal verde para a sua proposta de “arcabouço fiscal”. Que, no mesmo dia e em ato contínuo, Haddad levou ao presidente da Câmara dos Deputados, Artur Lira (PP/AL). De quem busca apoio para a aprovação da sua proposta no Congresso.

Da quarta de cinzas à quarta desta semana, foi mais de um mês. O atraso se deu pelas divisões internas do PT e do governo Lula, sobre o que e como substituir o teto de gastos. Que foi instituído em 2016 no governo Michel Temer. E foi arrombado no governo Jair Bolsonaro, sob o “liberalismo” de Paulo Guedes, na tentativa de compra de voto mais escandalosa da História do Brasil. Que, fracassada nas urnas, deixou o rombo de R$ 300 bilhões nas contas públicas.

O que determinou o sucesso de Lula 1 e Lula 2, entre 2003 e 2010, foi a economia. Assim como o fracasso de Dilma 1 e Dilma 1 e ½, entre 2011 e 2016. E o que elegeu o Lula 3 em 2022, na resiliência do eleitor com renda até 2 salários mínimos, foi a sua lembrança econômica: o carrinho de compras. Na comparação com o que cabia nele mais de uma década antes, o brasileiro pobre ignorou o Auxílio Brasil anabolizado de R$ 600,00 e o empréstimo consignado de Bolsonaro/Guedes. Tomou esse dinheiro com uma mão, votou e elegeu Lula com a outra.

Para os eleitores de classe média (2 a 5 salários mínimos), classe média alta (5 a 10 salários) e alta (acima de 10), sobretudo se da iniciativa privada, “a cervejinha e a picanha” de Lula podem parecer populismo demagógico. Por quê? Podem bancar sua cerveja e churrasco no final de semana com as coisas como estão.

E há contrapartida em setores tradicionalmente petistas. Por exemplo, os servidores públicos. Têm vida econômica ativa e seguridade garantidas, com opção a cerveja e churrasco no final de semana, a partir da meritocracia do concurso. Mas, não raro, consideram que o ressentimento dos empresários obrigados a demitir, diminuir ou fechar seus negócios na condução do país por Dilma à maior recessão econômica da sua História, ou na pandemia da Covid-19, é só populismo demagógico do “deus mercado”.

Os dois nichos estão errados ao não compreender o outro como semelhantes em condições econômicas distintas. Mas se assemelham, para garantir sua cerveja e seu churrasco, no mesmo “farinha pouca, meu pirão primeiro”.

O fracasso do governo Dilma foi fruto da “nova matriz econômica” do seu ministro da Fazenda, Guido Mantega. Esticaram até estourar a política anticíclica de Lula para enfrentar a crise econômica mundial de 2008, chamada pelo então presidente de “marolinha”. Na sua sucessão, Dilma e Mantega superdimensionaram o papel do Estado na economia, para fazer da exceção a regra. Como a nossa última ditadura militar (1964/1985), que legou aos civis a hiperinflação dos anos 1980 e 1990. Foi a ressaca do “Milagre Econômico” de 1968 a 1973.

Antes de Dilma repetir os erros econômicos de uma ditadura que tomou em armas para combater, para instalar no Brasil outra ditadura de viés ideológico oposto, a ressaca só parou de latejar à têmpora com o Plano Real. Estabilizou a economia do país em 1994 no governo Itamar Franco, capitaneado por seu ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso. E elegeu este presidente duas vezes em primeiro turno. Feito que nem Lula conseguiu repetir, ao se eleger três vezes, sempre em dois turnos. Literalmente, foi “a economia, estúpido”!

O Real, no entanto, tinha problemas. Que se agravaram com a crise econômica de países emergentes como o Brasil. A dos Tigres Asiáticos em 1997; a da Rússia, em 1998. A solução só viria após o economista Armínio Fraga assumir o Banco Central em 1999. Ao introduzir o câmbio flutuante com o dólar à busca da meta de inflação, ele adicionou a ela um novo instrumento, compondo o tripé macroeconômico: as metas fiscais. No que todo gestor do seu orçamento pessoal sabe de cor e salteado: não gaste mais do que arrecada.

É isso que Haddad promete fazer com seu projeto de “arcabouço fiscal”. E deveria, pois foi a receita do bolo de FHC 1 e 2, chamada de “neoliberal” e “herança maldita” pelo PT, que gerou o sucesso econômico a Lula 1 e Lula 2. Quando Dilma e Bolsonaro se afastaram do tripé meta de inflação/câmbio flutuante/meta fiscal, o resultado foi igualmente desastroso. Sempre lembrada pelos bolsonaristas como desculpa, a pandemia da Covid não serve. Entre 24 países emergentes, o Brasil ficou em 18º em desempenho de PIB no período da gestão do capitão.

Além do Congresso de maioria conservadora, o maior problema do Lula 3 é que a proposta do seu ministro da Fazenda vincula as despesas ao aumento da receita. Todavia, na coletiva de quinta (30), Haddad disse também que não vai aumentar impostos. Quando se prega que gastos em saúde, educação, assistência social e infraestrutura não são gastos, mas investimento, o discurso ecoa. Mas, sobre questão semântica, sempre haverá a econômica: de onde sairá o dinheiro? Quando ninguém diz, a conta no final é sempre paga pelos mais pobres.

Um dia antes do 31 de março dos 59 anos do golpe civil-militar de 1964, dois do 1º de abril, a piada da eleição presidencial de 2018 se inverteu. O poeta advertiria: “ainda é cedo”. Mas, pelo menos na quinta da volta de Bolsonaro ao Brasil, onde foi recebido no aeroporto e na sede do PL em Brasília por um público muito longe de bater a meta, o dia foi de Haddad.

 

Publicado hoje na Folha da Manhã.

 

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Este post tem 2 comentários

  1. Luciana Soares marques

    Só porque você quer e acredita, mas esse Hadadd é pífio a insignificante como Ministro da Economia. Afirmo que não ficará um ano. Quem viver verá!

    1. Aluysio Abreu Barbosa

      Cara Luciana Soares Marques,

      Por favor, tente ler antes de tentar escrever. Lesse o que se presta a comentar, constataria que o artigo traz críticas também ao PT, sobreudo à desastrosa condução econômica do país no governo Dilma. Cuja incompetência flagrante, com outros agravantes, se repetiu com Bolsonaro/Guedes.

      Grato pela chance da dica!

      Aluysio

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