Soffiati e seus 10 livros em campo às 17h de hoje, na ACL

 

Você está em Campos hoje, 30 de abril de 2022? Tem programa para o final da tarde? Se as respectivas respostas forem “sim” e “não”, aqui vai uma bola rolada: Arthur Aristides Soffiati Netto, maior intelectual de Campos entre os vivos, fará às 17h de hoje um super-lançamento de 10 livros seus, de variados temas, publicados desde antes da pandemia da Covid-19. O campo não poderia ser mais apropriado: a Academia Campista de Letras (ACL), no coração do Jardim São Benedito. E a entrada é franca.

Antes de passar à matéria do jornalista Matheus Berriel sobre o evento, publicada hoje na capa da Folha Dois, uma tabela nela inspirada.

HDI Arena, Hannover, 27 de junho de 2006, oitavas de final da Copa do Mundo na Alemanha. Camisa 10 e gênio da França, Zinédine Zidane já tinha anunciado, antes do Mundial, que nele se aposentaria como jogador. Após marcar o último gol da França, aos 90 minutos, com um drible desconcertante no zagueiro Puyol, para bater com classe no contrapé do goleiro Casillas e despachar, na virada de 3 a 1, a Espanha ainda jovem que amadureceria para conquistar o Mundial seguinte, Zidane já estava descendo o túnel.

Repórter brasileiro de campo da Globo, Marcos Uchôa foi atrás do craque francês. Seu jogo seguinte, pelas quartas de final, seria contra o Brasil dos Ronaldos Fenômeno e Gaúcho. Que horas antes do mesmo dia tinha passado fácil, por 3 a 0, pela talentosa, mas ingênua taticamente, seleção de Gana. Para os brasileiros, o jogo seguinte seria a desforra da final do Mundial de 1998, na França. Quando a dona da casa passeou sobre o favoritismo do Brasil, nos 3 a 0 com dois gols de Zidane. Oito anos depois, na descida do túnel, Marcos Uchôa fez em francês uma pergunta e provocação ao algoz brasileiro:

Zidane, le prochain match contre le Brésil sera-t-il celui de votre retraite? (“Zidane, o próximo jogo, contra o Brasil, será o da sua aposentadoria?”).

Ao ouvir, de costas, o camisa 10 francês retesou os ombros. Parou um instante, se virou e, pisando forte, subiu de volta alguns degraus do túnel em Hannover. Com determinação na retina, encarou a câmera que tinha do outro lado o Brasil. E fez questão de responder em bom português:

— Nós vamos ver!

Quatro dias depois, 1º de julho no Deutsche Bank Park, em Frankfurt, Zidane aposentou o Brasil daquele Mundial. Cobrou falta em passe ao gol do atacante Thierry Henry e selou a vitória da França por 1 a 0. Com direito a um lençol em cada Ronaldo, entre uma série de outras jogadas de pura arte. Diante da seleção nacional que até então arrogava monopólio do futebol arte, o maestro francês teve uma das maiores atuações individuais da história das Copas.

No campo das letras e da cultura de Campos, apesar do nome italiano, o carioca goitacá Soffiati lembra, sem favor, o francês de origem argelina. Abaixo, a boa matéria do Matheus sobre um craque muito distante da aposentadoria.

 

Soffiati entre os 10 livros que lançará às 17h de hoje, na Academia Campista de Letras (ACL), no Jardim São Benedito (Foto: Rodrigo Silveira/Folha da Manhã)

 

Mais 10 livros do incansável Soffiati

Por Matehus Berriel

 

Um dos maiores intelectuais da história da planície goitacá, embora nascido no Rio de Janeiro, Aristides Arthur Soffiati Netto é bastante conhecido por sua contribuição bibliográfica referente ao meio ambiente e à memória de Campos e região. Porém, sua vasta produção estende-se também a outros temas. Prova disso é o super-lançamento que fará neste sábado (30), com 10 livros publicados desde pouco antes do início da pandemia da Covid-19. Há, sim, obras que são frutos da versão ambientalista do autor, mas há também as que (re)apresentam aos leitores um Soffiati contista, poeta e muito interessado pelas artes. O evento está marcado para as 17h, na sede da Academia Campista de Letras.

— As pessoas se habituaram a me ver como ambientalista e historiador ambiental. Elas pensam que só escrevo sobre esses temas. Agora, nesse grande lançamento, há um livro de poesia (o quinto da minha produção), um de contos (todo ele escrito durante a pandemia e versando sobre ela), e o mais recente deles versando sobre os primórdios do modernismo no Brasil. Tenho interesse pelo modernismo desde 1965, quando descobri, maravilhado, os autores relacionados à Semana de Arte Moderna (de 1922). O livro é uma homenagem ao centenário deste evento — conta Soffiati.

O autor se refere a “Primórdios do modernismo no Brasil”, obra escrita de forma sistemática do princípio ao fim. Nela, o “Velho Soffi” visita autores que foram importantes na primeira fase do movimento modernista e que atualmente caíram no esquecimento. Também serão lançados “Introdução de espécies exóticas no norte do Rio de Janeiro”, “Em meio à pandemia”, “O norte do Rio de Janeiro no século XVI à luz da história e da eco-história”, “O dourado e a piabanha: impressões sobre a pesca de um eco-historiador ativista”, “Intervalo”, “Os quatro elementos: Água e fogo num mundo em mutação (2019-2020), “O ano da pandemia”, “O manguezal e a humanidade” e “Dez anos de enchentes e estiagens: 2007-2016 – Norte-Noroeste Fluminense e outros lugares”, todos pela editora Autografia.

— A reclusão imposta pela pandemia não me permitiu fazer lançamentos por quase três anos. No entanto, não me impediu de continuar escrevendo e publicando. Os livros foram se acumulando. Agora que a pandemia deu uma trégua, permitindo reuniões presenciais, a Academia Campista de Letras, por seu presidente, Christiano Fagundes, abriu suas portas para esse super-lançamento, que parece ser um evento inédito em Campos e região. Dois livros foram editados no final de 2019. Não pude lançá-los presencialmente porque a pandemia não permitiu. Durante os anos de 2020 e 2021, publiquei sete livros. Na verdade, publiquei oito. Um deles, que não está incluído no super-lançamento, foi lançado presencialmente em Búzios, em outubro de 2021, por se referir à Região dos Lagos. O mais recente foi editado em fevereiro de 2022 — complementa.

Em fevereiro e no início de março, Soffiati publicou na Folha da Manhã e no Folha1 artigos contando episódios dos seus recém-completados 75 anos de vida. Só na Folha são 44 anos como articulista, desde a fundação no jornal. Como professor, atuou durante quatro décadas. Enganou-se quem pensava que ele fosse abandonar as letras após a aposentadoria, ocorrida em 2011:

— Eu tinha muitos projetos de livros guardados. Por melhor que seja o magistério, há nele uma parte burocrática que me impedia de levar adiante esses projetos. No geral, as pessoas se aposentam e querem fazer coisas diferentes do trabalho. Passei 40 anos em sala de aula. Eu poderia também esquecer a atividade intelectual, mas me dediquei aos meus projetos engavetados. Passei a reler os esboços, a atualizá-los e a organizá-los. Assim, livros começaram a ser publicados. Fiquei triste com a pandemia por conta das pessoas atingidas por ela. Temi que pessoas próximas de mim fossem contaminadas pelo vírus. Quanto a mim, também tive esse medo e fui atingido. No geral, porém, a reclusão imposta pela pandemia não produziu em mim estresse, ansiedade e depressão. Meu trabalho intelectual me manteve em paz e até me ajudou a atravessar a crise. Daí tanto livro publicado. A reclusão explica esta produção intensa — afirma.

Se antes da pandemia eram 23 livros publicados e lançados por Soffiati, a partir deste sábado serão 34. O 35º está a caminho, intitulado “Holoceno”, já em finalização na editora. Outro, ainda sem nome, é planejado para ser escrito em breve, com relatos sobre a trajetória do próprio autor nos últimos 30 anos, desde a Conferência Rio-92. E mais alguns devem vir posteriormente, com intervalos entre os lançamentos para não “afastar o leitor por excesso de produção”.

— Tenho 75 anos. Sinto que meu corpo mudou. Não tenho mais a mesma mobilidade. Mas, minha vida mental é intensa. Há dois tipos de morte: a cerebral e a corporal. Rezo para não ter nenhuma forma de demência e para viver muito. Por mim, eu escreveria até o final dos meus dias. Mas, devo pensar noutra questão: parece que o livro físico está perdendo terreno. As pessoas não estão lendo como antes. Muitas que leem, preferem livros virtuais. Se não houver mais espaço para os livros físicos, continuarei escrevendo e publicando livros eletrônicos. Não me imagino vivo sem escrever. Não desejo essa aposentadoria — finaliza Soffiati.

 

Capa da Folha Dois de hoje

 

André Ceciliano — Futuro do RJ pelo Norte Fluminense

 

(Arte: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

André Ceciliano, Presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio (Alerj) e pré-candidato do PT a senador

Futuro do Estado do Rio passa pelo Norte Fluminense

Por André Ceciliano

 

Sabe aquela brincadeira que a gente faz quando pergunta para a pessoa se ela prefere ouvir primeiro a notícia boa ou a ruim? Vamos começar aqui pela ruim: desde que a capital federal foi transferida pra Brasília, nos anos 1960, a economia do Rio se lascou. Agora, a notícia boa: temos hoje a faca e o queijo na mão para virar essa chave.

Nosso histórico, em números: desde os anos 1970, o Rio foi a economia do país com menor dinamismo econômico, entre todas as 27 unidades federativas. Entre 1985 e 2020, geramos mais 40,9% de empregos formais, porém o crescimento médio do Brasil foi de 125,6%. Éramos o segundo lugar em número de empregos industriais. Hoje, estamos em sexto, atrás de São Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul.

Continuamos sendo segundo maior PIB do Brasil, por causa da extração de petróleo, mas essa riqueza nos gera ICMS apenas sobre a gasolina, o gás e derivados que consumimos, não pelo que produzimos, pois assim determinou a Constituição, em seu artigo 155. É uma exceção à regra tributária geral do Brasil, onde o ICMS sobre todos os bens e serviços, exceto eletricidade e petróleo, cobrado no estado de origem, não no destino.

Por isso, apesar de toda a riqueza do petróleo, estamos apenas no 13º lugar do ranking de arrecadação de ICMS per capta no Brasil, o que nos causa um grave problema de receita. Sim, temos os royalties, mas quando o humor do mercado internacional e do câmbio mudam ou a produção cai, o Rio fica sujeito a terremotos, como o que vivemos em 2016. Por isso, precisamos diversificar a nossa economia, ampliar a base de arrecadação, ser menos dependentes do petróleo.

Agora, as boas notícias: com o Fundo Soberano que aprovamos na Alerj, o Estado hoje tem condições de co-financiar, por exemplo, a instalação de uma fábrica de fertilizantes no Norte Fluminense. É uma atividade que vai ser indutora para o crescimento da região e até mesmo do país!

Hoje, o Brasil tem 27% do PIB ligado ao agronegócio, mas importa 85% do fertilizante que é usado nas lavouras. E, vejam só, a matéria prima dos fertilizantes hidrogenados é justamente o gás natural, um dos principais produtos do nosso estado. E que hoje tem 53% da produção jogada fora pela falta de dutos para transportá-lo. No ano passado, segundo a Embrapa, foram R$ 10 bilhões gastos com a importação de fertilizantes, um dinheiro que poderia estar sendo aplicado no desenvolvimento econômico da região.

Investir na região é investir no desenvolvimento do estado como um todo, porque o Norte Fluminense tem a infraestrutura necessária para dar sinergia às nossas diversas atividades econômicas.  Vale lembrar que fica aqui o Porto do Açu, o segundo maior porto do país em transporte de cargas, com 16 empresas instaladas e mais de 7 mil fluminenses empregados. Com a previsão de construção de ligação da BR-101 ao terminal, por onde podem passar até 1.500 caminhões diariamente, nossos potenciais ficarão ainda mais aflorados.

Esse será o debate, de alto nível, que pretendemos fazer hoje, dia 30, quando reuniremos na Baixada Fluminense lideranças de todo o estado, de todos os partidos, vertentes e religiões, com o objetivo de pensar o estado que queremos e sobre os caminhos que temos para virar dar a volta por cima. Eu estou convencido de que esse novo momento é factível, desde que haja união de todos; se buscarmos os pontos que nos unem e não os que nos dividem. Ou seja, se trabalharmos juntos por um objetivo comum. Com diálogo, pelo bem do Estado do Rio.

 

Publicado hoje na Folha da Manhã.

 

Na falta que faz a Campos, Makhoul hoje faria 77 anos

 

Médico neurologista de brilho, responsável pela consolidação da Unimed em Campos e do Hospital Escola Álvaro Alvim, Makhoul Mossallem foi também o candidato a prefeito do município mais votado na história do PT, partido ao qual nunca se furtou a críticas. Estimado amigo, ele hoje completaria 77 anos. Em meu nome e, creio, de todos que o conheceram, é saudosa a memória desse libanês goitacá. Cuja falta é ainda mais sentida nestes tristes dias atuais de indigência de espírito público na política da cidade que ele tanto amou.

Makhoul morreu em 1º de julho de 2020, por complicações da Covid-19. No dia seguinte, publiquei um artigo sobre um pouco da sua história, que se entrelaça com a de Campos e a minha própria. Assim como outro, publicado à época por meu filho, o jornalista Ícaro Barbosa, que também foi um ex-paciente do grande médico humanista.

Reproduzo os dois textos abaixo, em homenagem a Makhoul. Assim como um seu vídeo, onde ele estabelece, do árabe materno ao português da sua adoção brasileira, uma ponte entre as duas culturas da qual foi fruto. E que faz parte do documentário “Memórias da Imigração”, do Arquivo Público Municipal de Campos em parceria com a TV Câmara, dirigido por Fred Parente.

 

“Desde que chegaste ao mundo do ser,

uma escada foi posta diante de ti, para que escapasses.

Primeiro, foste mineral;

depois, te tornaste planta,

e mais tarde, animal.

Como pode isto ser segredo para ti?

 

Finalmente, foste feito homem,

com conhecimento, razão e fé.

Contempla teu corpo — um punhado de pó —

vê quão perfeito se tornou!

 

Quando tiveres cumprido tua jornada,

decerto hás de regressar como anjo;

depois disso, terás terminado de vez com a terra,

e tua estação há de ser o céu.”

 

(Jalal al-Din Rumi, século XIII)

 

Makhoul foi três vezes candidato a prefeito de Campos pelo PT, mas nunca deixou de ser crítico ao partido e lideranças nacionais como os ex-presidentes Lula e Dilma (Foto: Folha da Manhã)

 

 

Histórias de Makhoul

 

Era uma tarde quente campista, na Santa Casa de Misericórdia, no verão de 1992. E o neurocirurgião Makhoul Moussallem bateu o martelo: “Eu te dou meia hora para decidir se vai levar ele ao Rio, para operar com Paulo Niemayer. Não discuto competência, mas a técnica é a mesma. Com a hemorragia comprimindo o cérebro, o problema dele é tempo. Se você não decidir, eu abro a cabeça dele e opero sem a sua autorização. E a responsabilidade deixa de ser sua e passa a ser minha”.

Assertivo, sincero e corajoso, características que sempre o distinguiram entre os homens, foi o que Makhoul disse ao jornalista Aluysio Barbosa sobre o filho homônimo deste, então com 19 anos, inconsciente e moribundo sobre uma maca. Horas antes, subira em um telhado de Grussaí para pegar uma bola de frescobol, escorregara a caíra de uma altura de três metros. Sem um galo por fora, a fronte do seu crânio arrebentara por dentro. Se morresse, o faria conhecendo pouco o calor de uma mulher, sem ter um filho ou plantar uma árvore.

Entre lapsos rápidos de semiconsciência, a última coisa que se lembrava, antes de entrar na sala de cirurgia, foi virar a cabeça ao lado, agonizando, para ver seu pai sentado em uma cadeira, chorando em prantos e amparado pela mãe, mulher de têmpera mais forte, de pé ao seu lado. Após as horas de cirurgia, quando os pais foram levados para ver o resultado, diante da incerteza da mãe em saber se aquele corpo inerte ainda era seu filho, Makhoul deu uns tapas no rosto do paciente. Que foram se tornando mais fortes em busca de reação.

Mesmo de olhos fechados e ainda sob efeito da anestesia, o recém-operado finalmente reagiu. Ergueu lentamente o punho direito cerrado, ameaçando o murro contra quem acabara de salvar a sua vida. E, naquele hiato entre dois mundos, vociferou na direção de quem não conseguia enxergar, nem distinguir entre salvador ou agressor: “Para, seu filho da puta!”. Foi a senha para que, em meio ao riso aliviado do médico do pai, a mãe finalmente caísse em prantos por reconhecer quem sobrevivera: “É o meu filho!”.

Na manhã seguinte, o médico foi ter com o paciente, já desperto, na UTI da Santa Casa. A quem perguntou: “Você sabe quem sou eu?”. E teve como resposta estranhamente consciente: “Sei. Você é Makhoul. E me operou”. Dali, durante o processo de recuperação e nos anos seguintes, nasceu daquela beira de morte uma amizade sólida para a vida inteira. Na qual o libanês adotado por Campos, ciente e cioso da história milenar do seu povo, abriu a cabeça do jovem curioso também à cultura do Oriente Médio, berço da civilização. Que faria dela um dos seus pilares na formação como homem.

Foi Makhoul quem introduziu o ex-paciente na história dos cananeus, ou fenícios, como os gregos antigos chamaram os libaneses de hoje. Vizinhos e primos semitas dos hebreus, foram os arquitetos do Templo de Salomão. Na Idade do Bronze, legaram ao mundo as navegações marítimas, do Mediterrâneo até o Atlântico, o comércio e um tal de alfabeto. Foram dominados por assírios, babilônios, persas e pelos gregos de Alexandre. Ainda assim, fundaram Cartago no Norte da África, rival de Roma como a grande potência da Idade do Ferro. Com o Islã, seriam dominados pelos árabes, luz do mundo na Idade Média, cuja língua passaram a adotar. Mas nunca deixaram de praticar também o cristianismo, legado romano cuja versão maronita era a religião do médico de Campos, como de grande parte dos libaneses.

Uma coisa é ler sobre isso nos livros. Outra é ouvir da boca de um personagem vivo desse caldeirão da história humana, cônscio da visão, tato, cheiro e sabor de cada ingrediente. Como uma coisa é assistir nos telejornais sobre a questão da Palestina. E outra era ouvir de Makhoul o testemunho adulto da criança que acompanhava o avô, quando este ia correr os campos da sua propriedade rural nas colinas do Líbano, durante a primavera. E topavam com os corpos de crianças palestinas abraçadas às suas mães, degelando com a neve.

Foram essas raízes profundas de cedro do Líbano, árvore símbolo daquele país, que Makhoul fincou no barro massapê de Campos, ainda criança, acompanhado da família, para crescer entre ipês amarelos. E deixar frutos. Além dos seus filhos Luana, Felipe, Camila e Diego, dos seus netos Jonas, Maria Luiza, Eva e Makhoul Neto, da sua enteada Isadora, as tantas vidas que salvou em sua brilhante carreira na medicina. Talvez não tenha sido a todas que ele tenha podido ensinar a saborear tomates cortados com azeite e sal como isca para cerveja, whisky ou vinho. Ou os versos do persa Jalal al-Din Rumi, poeta medieval que nada fica a dever ao seu contemporâneo italiano Dante Alighieri. O que é uma pena, pois conhecer Rumi é como ter a vida salva de novo: “Você não é só uma gota no oceano,/ Você é o próprio oceano dentro de uma gota”.

Era uma tarde quente asiática em Konya, no verão de 2009, no coração espiritual da Turquia, pulsante no peito do planalto da Anatólia. Bem diferente do que quem só conhece o país por suas capitais antiga e atual, Istambul e Ancara, ou a grande cidade portuária de Ismir — a Esmirna bíblica, onde nasceu o grego Homero, pai de todos os poetas — e supõe que o antigo Império Otomano sobrevive apenas nos seus maiores centros urbanos ocidentalizados de hoje.

Dois ex-pacientes de Makhoul, o homem de 37 anos e seu filho de apenas 9 tinham a vantagem de se parecerem fisicamente com turcos, a despeito das suas roupas ocidentais modernas, em meio a mulheres cobertas com burcas. Visitavam o Museu Mevlâna, instalado em um antigo monastério dervixe, da corrente sufista. Mais mística que o islamismo tradicional, foi fundada com base nos ensinamentos teológicos de Rumi, na pregação do amor, da tolerância e da misericórdia. E se caracteriza por homens que entram em estado de adoração, enquanto dançam rodopiando com saias longas e chapéus cônicos. É um local sagrado de peregrinação aos muçulmanos.

Embora não exista a figura dos santos no islamismo, na analogia com o cristianismo, é como se Rumi fosse. O acesso ao interior do seu Mausoléu de mármore, onde fotos são proibidas, se dá por um túnel em forma de “U”, com o túmulo do poeta na base da “letra”. Embora largo e alto, o caminho se estreita pela presença de devotos, como a entrada do Maracanã em jogo de final de campeonato. O único percurso permitido é da direita para a esquerda, como escrevem árabes e judeus, herdeiros do alfabeto consonantal fenício. “Nós ciscamos para dentro e vocês (ocidentais) para fora”, como ironizava Makhoul.

A sensação claustrofóbica no interior do Mausoléu era reforçada não só pelos corpos humanos apertados uns contra os outros. Mas também pelas mulheres, em êxtase religioso, ecoando aqueles sons agudos no movimento intermitente da língua entre os lábios e o palato. Alguns homens batiam as mãos espalmadas às próprias faces. O homem ocidental estava assustado, mas tentava manter a calma. Seja porque não havia retorno possível, seja porque seu filho, criança que segurava firme pela mão e havia metido naquela celebração de fé no meio da Ásia, estava ainda mais.

Até que finalmente tiveram acesso à base mais larga do “U”, no coração do Mausoléu. Nele, o túmulo de Rumi e o epitáfio que o poeta deixou para si: “Quando estivermos mortos,/ Não procure nosso túmulo na terra,/ Mas o encontre no coração dos homens”. Em busca do que Makhoul ensinou sobre sua cultura, dois seus ex-pacientes foram curados de qualquer medo. E, irmanados a mulheres e homens antes diferentes, pai e filho saíram à luz do sol.

Makhoul nunca fez concessões em seus 75 anos de vida. Após vencer dois infartos e um câncer, nem à Covid que o matou na manhã de quarta (01). Mas quis levá-lo na segunda (29), quando lhe causou uma parada cardíaca e a família foi chamada para se despedir. Só para o libanês provar que, como todo campeão, ainda tinha mais um round guardado para lutar.

Makhoul não chegou a governar a cidade que o adotou, como tentou três vezes. Fez e foi muito mais que isso.

Vá em paz, meu irmão fenício e goitacá!

 

Ícaro Barbosa, jornalista

Por Ícaro Barbosa

Makhoul, vou tentar escrever um pouco sobre o senhor. Não posso deixar a única pessoa que viu dentro da minha cabeça, literalmente, partir sem deixar registradas algumas palavras. Na ocasião que o senhor me operou, eu não sabia nem falar, andar ou coisa do gênero, mas acho que não vem ao caso. Tua partida me deixa muito triste. Uma pessoa que eu sempre respeitei e soube que era honesto e íntegro. Tirei meu título aos 16 anos, especificamente para votar no senhor; primeira e última vez que votei no PT (repito, tirei para votar no senhor).

Da última vez que te vi, em Grussaí, em uma festa de aniversário, sentamos juntos na mesa. Brincamos e o senhor zoou da costeleta que eu usava na época. Eu ri. Apesar de não termos tido conversas muito longas ou coisa do tipo, sempre tive e nutri muita simpatia pelo senhor, falando sempre que nos víamos. Não poderia deixar o dia acabar sem registrar em palavras minha admiração e agradecimento ao senhor.

Meus pêsames aos filhos, netos e doutora Vera. Abraços, Makhoul! Vá em paz!

 

 

 

Eremildo, o Idiota, e o discurso de Gabriel Monteiro

 

Eremildo, o Idiota

Eremildo, como explica o jornalista Elio Gaspari que o criou, é um Idiota. Diz, e quer ser levado a sério, que no caos que rachou a Casa do Povo de Campos, só há erros em um lado: o outro. Mesmo que este, até o bolso de ontem, fosse o seu. Além do Telhado de Vidro como gênese, ex-funcionários contam que herdou também a propensão a surtos. Que tendem a piorar quando muda do chá ao café, misturados a secos mais fortes, desde os tempos do risca faca. Sob seus efeitos mágicos de pirlimpimpim, delira conjugar democracia com o discurso do vereador carioca Gabriel Monteiro. Com quem comunga o apreço por Wendy Darling. Após ser enxotado publicamente como moleque, só Eremildo, o Idiota, faria beicinho e bateria pezinho como moleque.

 

Após OAB e MP, Câmara acalma os nervos. Falta Mesa Diretora

 

Campos dos Goytacazes, Wladimir Garotinho, Fábio Ribeiro e Marquinho Bacellar (Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

 

Enquanto a Mesa Diretora não vem…

Após mais de dois meses de confusão generalizada na Câmara de Campos, com galerias vazias, troca de empurrões e ofensas, além de PMs armados de fuzil para garantir que uma tragédia não acontecesse, a sessão de ontem (26) na “Casa do Povo” foi um passo para tentar resgatar o mínimo respeito a este povo. Cuja condição é de miséria para mais de um entre cada quatro dos mais de meio milhão de campistas. Para os quais seus 25 vereadores, de governo e oposição, estavam muito mal na foto. Ainda faltam muitos outros passos no resgate da normalidade legislativa. E o principal será a eleição da Mesa Diretora.

 

OAB-Campos reage (I)

Até chegar lá, os vereadores não abaixaram por livre e espontânea vontade a corda que esticaram ao esgarçamento, entre os grupos políticos dos Garotinho e dos Bacellar. Com a judicialização da disputa, foi importante a nota pública na segunda (25) da OAB-Campos, gerada por demanda da Folha: “a OAB tem profunda preocupação com o caos político instaurado em Campos. Defendemos sempre a ampla defesa e o contraditório, mas também o bom funcionamento das instituições em prol da sociedade. Agentes políticos não são um fim em si mesmos, mas servidores da sociedade. E à esta devem contas”.

 

OAB-Campos reage (II)

Seguiu a nota da OAB, no puxão de orelhas necessário ao caos criado pelos 25 integrantes do Legislativo de Campos: “Esperamos que a Câmara dos Vereadores volte a ser o que a Constituição Federal determina: uma Casa de Leis e de políticas públicas voltadas ao bem-estar da população, capaz de discutir, aprovar e fiscalizar projetos de Lei que fomentem o desenvolvimento econômico e social, bem como a geração de empregos e oportunidades aos cidadãos. Enfim, necessário que prevaleça a vontade da maioria dentro das leis e do devido processo legal”.

 

Filho feio e pais

Antecipada para 15 de fevereiro, mesmo podendo marcá-la até dezembro, o presidente Fábio Ribeiro (PSD) perdeu a reeleição por 13 a 12 para Marquinho Bacellar (SD), mais oposicionista dos 25 edis. E anulou a eleição sob alegação de que o voto de Nildo Cardoso (União), que até a estátua de Nilo Peçanha sabe ser de oposição, não ocorreu. Fábio errou ao pautar a eleição contabilizando o mínimo de 13 votos que não teve. E o fez a despeito do conselho do ex-governador Anthony Garotinho (União), de só marcar o pleito com 15 votos. Mas custa crer que tenha feito sem o consentimento do prefeito Wladimir Garotinho (sem partido).

 

Bora trabalhar?

Slogan de Wladimir, o “bora trabalhar” é bom para as redes sociais em que ele faz sua interlocução direta com a população. E trabalho é tudo que Campos precisa para se recuperar do desperdício dos bilhões de royalties recebidos nos governos Arnaldo Vianna (PDT), Alexandre Mocaiber (sem partido) e Rosinha Garotinho (hoje, União), seguidos das “vacas magras” que condenaram a gestão Rafael Diniz (Cidadania), junto com os seus próprios erros. Se quiser destino diferente, Wladimir precisa assumir os seus. Como assumir que faz parte da democracia se também tiver que governar com o Legislativo presidido pela oposição.

 

Parecer do MP

Na quarta-feira passada (20) esta coluna projetou o insucesso da tática kamikaze do governo, de tentar retirar os mandatos dos 13 vereadores da oposição. Ao final da nota “Eremildo, o Idiota (II)”, personagem do jornalista Elio Gaspari, foi antecipado: “o Judiciário vai agir se 13 edis, investidos pelo voto popular, forem deste subtraídos”. O Ministério Público (MP) não é o Judiciário. Mas o aguardado parecer do MP, na mesmo dia da nota da OAB, foi pela suspensão do processo da perda de mandatos da oposição. E, até aos leigos, soou como pá de cal na pretensão governista de alterar no tapetão o placar desfavorável de 15 de fevereiro.

 

“Perdeu, playboy”

O MP deixou pouca margem à dúvida do naufrágio da manobra governista: “o princípio da autonomia e a capacidade de auto-organização dos municípios não autorizam que a hipótese de extinção do mandato de vereador, bem como seu processo e julgamento, sejam definidos no âmbito local. Se as hipóteses de extinção do mandato de vereador, bem como as definições das infrações político-administrativas fossem consideradas como matérias de interesse local, tendo o Brasil dimensão continental, com milhares de municípios, estaria desvirtuado o sistema federativo concebido pela Constituição”. Um leigo traduziria: “perdeu, playboy”.

 

Alturas do muro

Se a eleição de 15 de fevereiro for realmente anulada, terá que ser remarcada até dezembro. Se for depois das urnas de outubro, seu resultado interferirá diretamente. Neste final de abril, o que dá para dizer é que o muro aos vereadores hoje parece mais baixo dos Garotinho aos Bacellar, do que no sentido oposto. Indicativo disso foi dado na sessão do último dia 16, nove dias antes do parecer do MP, quando os vereadores governistas Dandinho de Rio Preto (PSD), Marcione da Farmácia (União) e Thiago Rangel (Podemos) também assinaram o manifesto contra a abertura do processo de perda de mandato dos 13 colegas da oposição.

 

Publicado hoje na Folha da Manhã.

 

OAB sobre Câmara: “Políticos não são um fim em si mesmos”

 

O povo de Campos, representado no menino do conjunto habitacional de Donana, na situação de vulnerabilidade em que vivem mais de um entre cada quatro campistas, e a “Casa do Povo” alheia a quem deveria representar, em suas brigas do poder pelo poder (Fotos: Genilson Pessanha e Rodrigo Silveira/montagem: Eliabe de Souza o Cássio Jr.)

 

O caos instalado há mais de dois meses na Câmara Municipal de Campos, cujas últimas sessões têm ocorrido com galerias esvaziadas e sob proteção de policiais militares armados de fuzis, ultrapassou qualquer limite. À exceção do envolvidos na contenda entre os grupos políticos dos Garotinho e dos Bacellar, qualquer cidadão é capaz de ver os erros, muitos primários, cometidos dos dois lados. Que começou com a eleição do oposicionista Marquinho Bacellar (SD) como presidente, adiantada pelo atual presidente, Fábio Ribeiro (PSD), seguida da anulação do pleito e da ameaça de perda do mandato dos 13 vereadores da oposição.

 

 

Na “Casa do Povo” hoje todo mundo grita e ninguém tem razão. Mas, diferente do dito popular, não é por falta de pão a nenhum dos 25 edis. Que deveriam arder a cara de vergonha pelo que estão fazendo. Enquanto, como mostrou a Folha no último dia 16, em matéria do jornalista Ícaro Barbosa: “Em Campos, a miséria é cada vez mais evidente em cada esquina, em cada rua. Estatisticamente, 28,9% dos campistas — pouco mais de uma a cada quatro pessoas — vivem na pobreza ou extrema-pobreza, com uma renda per capita que varia entre R$89,00 e R$178,00. A visão de pessoas catando comida nas lixeiras é cada vez mais comum”.

Ciente do seu papel institucional diante da grave crise institucional do município, a OAB-Campos soltou hoje uma nota. Em que reafirma o óbvio aos 25 nobres edis: “Agentes políticos não são um fim em si mesmos, mas servidores da sociedade. E à esta deve contas. Esperamos que a Câmara dos Vereadores volte a ser o que a Constituição Federal determina: uma Casa de Leis e de políticas públicas voltadas ao bem estar da população”.

Abaixo, a íntegra da nota da OAB sobre o caos na Câmara de Campos:

 

 

 

Nota Pública da 12a Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil/RJ

 

Ao lado da defesa intransigente das prerrogativas dos profissionais da advocacia, a OAB tem outra missão institucional fundamental: a defesa da ordem constitucional e democrática, dos direitos humanos, da boa administração da Justiça e da paz social. Isso não é doutrina ou filosofia: é regra explícita do Estatuto da OAB, que é lei vigente.

Assim, a OAB tem profunda preocupação com o caos político instaurado em Campos. Defendemos sempre a ampla defesa e o contraditório, mas também o bom funcionamento das instituições em prol da sociedade. Agentes políticos não são um fim em si mesmos, mas servidores da sociedade. E à esta deve contas. Esperamos que a Câmara dos Vereadores volte a ser o que a Constituição Federal determina: uma Casa de Leis e de políticas públicas voltadas ao bem estar da população, capaz de discutir, aprovar e fiscalizar projetos de Lei que fomentem o desenvolvimento econômico e social, bem como a geração de empregos e oportunidades aos cidadãos. Enfim, necessário que prevaleça a vontade da maioria dentro das leis e do devido processo legal.

 

Casa do Povo na briga pelo poder e o povo com fome

 

O povo de Campos, representado no menino do conjunto habitacional de Donana, na situação de vulnerabilidade em que vivem mais de um entre cada quatro campistas, e a “Casa do Povo” alheia a quem deveria representar, em suas brigas do poder pelo poder (Fotos: Genilson Pessanha e Rodrigo Silveira/montagem: Eliabe de Souza o Cássio Jr.)

 

 

Folha adiantou crise da Câmara

Em matéria de 29 de maio de 2021, a Folha advertiu: “Era 13 de dezembro de 2019, quando oito vereadores decidiram romper com o governo Rafael Diniz (Cidadania) e barraram seus oito projetos de austeridade. Na semana até aqui mais tensa do governo Wladimir Garotinho (hoje, sem partido), este conseguiu aprovar 12 dos 13 projetos de austeridade. Mas teve que tirar da pauta a alteração do Código Tributário, porque perderia os votos dos vereadores Fred Machado (Cidadania), Raphael Thuin (PTB) e Bruno Vianna (hoje, PSD). O que com Rafael demorou quase três anos para acontecer, não esperou cinco meses com Wladimir”.

 

 

Da eleição aos fuzis

Pouco mais de 10 meses depois, o que era já lembrava os piores momentos de Rafael, se tornou ainda mais grave. Dividida entre os grupos dos Garotinho e dos Bacellar, a Câmara hoje está há dois meses paralisada. Em suas sessões, tem recorrido a galerias vazias e ao reforço de PMs armados de fuzil para que algo ainda pior não aconteça. Político já experiente, o atual presidente da Câmara, Fábio Ribeiro (PSD), cometeu erro primário. Marcou a eleição da nova Mesa Diretora para 15 de fevereiro, que tinha até dezembro para pautar. E perdeu de saída. Mais oposicionista dos 25 edis, Marquinho Bacellar se elegeu presidente por 13 votos a 12.

 

Traição após “depuração da base”

Fábio chegou a anunciar o resultado. Desastroso ao governo porque o presidente ignorou um político ainda mais experiente, o ex-governador Anthony Garotinho (União). Ele aconselhou a só marcar a eleição com 15 votos. Fábio arriscou com o mínimo de 13. Foi traído por Maicon Cruz (PSC), que assinou termo de compromisso pela reeleição do presidente, mas votou em Marquinho. Na hora, partiram para cima o vereador Juninho Virgílio (atual União) e seu primo, o ex-vereador Thiago Virgílio. Foram os mesmos que lá atrás cobraram “depuração da base”. Para perderem os votos de Fred, Thuin e Bruno.

 

Eremildo, o Idiota, personagem do jornalista Elio Gaspari

Eremildo, o Idiota (I)

Quem conhece um pouco da política goitacá, sabe que Fábio e os Virgílio sempre foram mais ligados a Garotinho do que a Wladimir. Só Eremildo, o Idiota criado pelo jornalista Elio Gaspari, é capaz de acreditar que, após ter seu conselho ignorado, Garotinho não esteja fungando no cangote de Fábio, para parir alternativas à derrota. A discussão do voto do edil Nildo Cardoso (União), da anulação da eleição a presidente e da mais recente ameaça de perda de mandato, por falta, dos 13 vereadores de oposição, pertence aos juristas. Mas, entre os leigos, só o Eremildo não enxerga a causa real. Como o método: aos amigos, tudo; aos inimigos, a lei.

 

Eremildo, o Idiota (II)

O governo está longe de ser o único culpado. A oposição errou ao esticar a corda. Só o Eremildo levaria a sério a tentativa de tentar impor a voz na Câmara com um megafone. Falando sério, sem precisar gritar, há juristas que apontam erros técnicos também nos dois mandados de segurança da oposição recusados pela Justiça. Como qualquer leigo é capaz de ver o erro, primário como o de Fábio, de quem só agora, com o mandato ameaçado, alega obstrução legal às faltas que antes tentou justificar. Uma coisa é certa: até aqui fora dessa celeuma, o Judiciário vai agir se 13 edis, investidos pelo voto popular, forem deste subtraídos.

 

Cientista políticos George Gomes Coutinho, Hugo Borsani, Hamilton Garcia e o historiador Marcelo Gantos (Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

Reprovação da academia

Doutores com doutorado, quatro professores da academia goitacá, um da UFF, três da Uenf, analisaram no Folha no Ar de quinta (14) a crise da Câmara: “É uma bomba atômica”, definiu o cientista político George Gomes Coutinho a ameaça aos mandatos da oposição. “Está se olhando o umbigo nesse conflito”, focou o cientista político Hugo Borsani. “Enquanto alguns legislativos locais (de Rio das Ostras e Macaé) dão mostras de responsabilidade social, de democracia, aqui a gente se perde na luta pelo poder”, comparou o cientista político Hamilton Garcia. “Já não é uma novela, é uma tragédia”, classificou o historiador Marcelo Gantos.

 

Edmundo Siqueira, servidor federal e blogueiro do Folha1

Casa da Vergonha

No domingo (17), em seu blog hospedado no Folha1, o servidor federal Edmundo Siqueira, que tem acompanhado de perto o caso, usou os bustos de grandes personalidades históricas da cidade, reunidos no corredor cultural da Câmara, em metáfora que hoje a resume: “os vultos campistas, que estão posicionados de forma a olhar para o Parlamento, se envergonham do momento que a Casa atravessa (…) Difícil é conseguir definir qual dos lados — situação ou oposição — tem mais responsabilidade pela guerra que se tornou a Casa de Leis. Talvez seja mais justo dizer que estão errados os dois — ou os 25 vereadores”.

 

Casa do Povo?

Na “Casa do Povo”, hoje todo mundo grita e ninguém tem razão. Mas, diferente do dito popular, não é por falta de pão a nenhum dos 25 edis. Que deveriam arder a cara de vergonha pelo que estão fazendo. Enquanto, como mostrou a Folha no último sábado (16), em matéria do jornalista Ícaro Barbosa: “Em Campos, a miséria é cada vez mais evidente em cada esquina, em cada rua. Estatisticamente, 28,9% dos campistas — pouco mais de uma a cada quatro pessoas — vivem na pobreza ou extrema-pobreza, com uma renda per capita que varia entre R$89,00 e R$178,00. A visão de pessoas catando comida nas lixeiras é cada vez mais comum”.

 

Publicado hoje (20) na Folha da Manhã.

 

Apoio a Cláudio Castro e críticas a Marcelo Freixo

 

É um aprendizado (…) para a minha geração não repetir esses erros; para a gente construir de uma outra forma”. Foi como o ex-deputado federal Marco Antônio Cabral (MDB), pré-candidato a tentar reconquistar o cargo em outubro, se posicionou como cidadão e jovem político sobre os erros que levaram seu pai, o ex-governador Sérgio Cabral Filho, a ser condenado a mais de 300 anos de prisão pela Lava Jato no Rio. No entanto, não poupou de críticas o juiz federal Marcelo Bretas: “Ele dá sentença para ficar famoso. Não estou falando aqui da questão do mérito. Estou falando de questão de dosimetria da condenação”.

Marco Antônio elencou o legado positivo dos governos do pai, como nas UPAs 24 horas. E, em Campos, na conclusão da Ponte Leonel Brizola, na construção da Policlínica da PM e na reforma do Liceu. Ele também defendeu o companheiro de partido Washington Reis, ex-prefeito de Duque de Caxias, como vice na chapa à reeleição do governador Cláudio Castro (PL). Cuja vitória em outubro disse acreditar “muito”. E teceu críticas ácidas ao deputado federal Marcelo Freixo (PSB), líder até aqui nas pesquisas a governador. Quando à eleição presidencial, na qual disse não crer mais nas chances da chamada terceira via, ele destacou sua boa relação pessoal com o ex-presidente Lula (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL). Mas preferiu não tomar o partido de nenhum, numa disputa que projetou “muito acirrada”.

 

Marco Antônio Cabral, ex-deputado federal e pré-candidato a candidato federal (Foto: Divulgação)

 

 

Atuação como deputado federal –  A minha atuação parlamentar foi de ajudar principalmente os prefeitos do interior do estado. Muitas vezes, os prefeitos, em Brasília, demoram muito a conseguir projetos nos ministérios. Então, muito tempo do meu mandato era percorrendo os ministérios com os prefeitos, era destinando emendas parlamentares. É só entrar no Portal de Transparência e você vai ver: a maioria delas para o interior, para a área da saúde principalmente. E alguns projetos de lei que foram apresentados por mim, alguns foram aprovados, e outros, eu quero voltar para lutar para que sejam aprovados. Por exemplo, tem um projeto de lei que está hoje tramitando na Câmara, eu até fiz um vídeo recentemente sobre ele nas minhas redes sociais. Na época, eu fiz uma pesquisa, e o gás de cozinha não estava caro do jeito que está. Ele devia estar uns R$ 70. Hoje, está R$ 100 e tanto, R$ 130, chega a R$ 150 em alguns lugares. É o seguinte: em vários lugares do mundo, as pessoas recarregam o seu botijão de gás em posto de gasolina. Aqui no Brasil, a população fica refém de comprar o botijão cheio. Na época, fiz uma pesquisa em vários países em desenvolvimento: Chile, México, enfim, outros países da América do Sul, da América Latina. Então, a pessoa tem o valor X no bolso para pagar, ela vai ao posto de gasolina, bota aquele valor e vai para a sua casa cozinhar sua comida. Aqui no Brasil, você tem seis empresas que dominam a distribuição de gás, que fazem um lobby muito forte em Brasília e que não deixam nada diferente andar. E a população fica refém: R$ 130, R$ 140, R$ 150 num botijão de gás, o que é um absurdo.

Questão da inelegibilidade – É fruto de uma covardia, de uma perseguição absurda. Eu fui condenado por ter ido visitar o meu pai na cadeia como deputado. Vários outros deputados na ocasião foram, e há um artigo na lei estadual garantindo aos parlamentares acesso irrestrito em qualquer presídio do estado do Rio de Janeiro. Não estou falando do Ministério Público como instituição, de uma forma geral, mas um promotor afoito por me prejudicar, apresentou essa denúncia. É tão absurdo que, além de a condenação ter sido divulgada na véspera da eleição, mesmo sem ela estar na Justiça Eletrônica, só entrou uma semana depois da eleição. Você só tem questões de inelegibilidade quando você tem dano ao erário. Nesse caso, visita à cadeia, não tem nenhum. Segundo, com a nova lei de improbidade que foi votada no Congresso, além do dano, que inexiste nesse caso, você tem a questão do dolo. Então, essa condenação não se sustenta. Ela foi confirmada em segunda instância, na minha opinião, de forma completamente absurda. O meu advogado, ex-ministro do Tribunal de Contas do Distrito Federal, professor Jacoby (Fernandes), ficou estarrecido com o julgamento. Mas com certeza absoluta nós vamos reverter no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

MDB/RJ para outubro – A política é cíclica. Numa democracia, você tem períodos. O MDB, no período em que esteve à frente do Rio, realmente foi um período de hegemonia: prefeito da capital, governador, presidente da Assembleia. Esse período acabou. Agora, o MDB está coeso nessa eleição de 2022, forte, para a gente fazer uma bancada aí de pelo menos três deputados federais e quatro deputados estaduais. E eu sou o maior defensor de o MDB ter a vice-governadoria na figura do melhor prefeito hoje do Brasil. E não sou eu que falo, são os números que dizem: é o meu grande amigo Washington Reis (ex-prefeito de Duque de Caxias). Então, o MDB está se reconstruindo. Eu hoje presido o MDB aqui na capital, no município do Rio. Nesse papel (de hegemonia estadual) nessa eleição, pelo que eu estou vendo, estão o União Brasil e o PL. São partidos que estão aí com uma robustez muito grande do ponto de vista de candidatos. Mas o MDB vai fazer bonito nesse momento de reconstrução do Estado do Rio. No período em que o MDB esteve no poder do Rio, foi um período de pleno emprego no estado, de recorde de investimentos federais, recorde de investimentos privados.

 

Marca do pai, o ex-governador Sérgio Cabral, condenado a mais de 300 anos de prisão – Esse número absurdo que esse senhor Marcelo Bretas (juiz federal) deu de condenações, é um troço completamente absurdo, são excelentes para manchetes de jornal. É o que, inclusive, ele almeja. Mas, do ponto de vista jurídico, não se sustentam. Eu não tenho dúvida de que, mais cedo ou mais tarde, essas condenações com números absurdos vão ser reformados nos tribunais superiores. Recentemente, o marechal da Marinha Otto Alencar, que foi condenado pelo mesmo juiz na operação que envolvia (a usina nuclear) Angra 3, a condenação dele caiu de 73 anos ou 43 anos, para quatro anos. Esse juiz, com todo respeito, não dá sentença nenhuma embasado na legalidade. Ele dá sentença para ficar famoso. Não estou falando aqui da questão do mérito. Estou falando de questão de dosimetria da condenação. A Lava Jato pegou, vamos dizer assim, políticos de vários partidos e vários estados. Apesar de o foco midiático a nível nacional ter sido no Rio de Janeiro, o Rio não era melhor nem pior do que qualquer outro estado da federação. A política era feita dessa forma no Brasil, infelizmente. Nessa questão da Lava Jato ficou muito claro como isso se deu ao longo de muitas décadas, não só agora, isso vem aí desde antes da ditadura militar (1964/1985). Então, não é algo inventado por ninguém, nem criado, só uma coisa que infelizmente era o sistema político brasileiro. São duas faces para mim. A primeira, como filho. Apesar de separado da minha mãe desde que eu tenho 5 anos de idade, meu pai sempre foi muito presente, muito amigo. Devo a ele tudo o que eu tive na minha vida. Então, no momento em que o mundo virou as costas para ele, eu jamais poderia ter virado as costas. Sempre vou estar ao lado dele, como filho. Agora, do ponto de vista de cidadão, eu pego o legado positivo. Vi nascerem com ele políticas públicas como as UPAs 24 horas. Quantas pessoas não tiveram agora, na pandemia da Covid, não tiveram as vidas salvas nas UPAs? Só em Campos, de cabeça, tivemos também a Ponte Rosinha (rebatizada Leonel Brizola) com o programa Somando Forças, a reforma do Liceu, a Policlínica da PM. E ter participado daquilo ali foi extraordinário. Agora, o que foi descoberto e que teve ali de erros do ponto de vista pessoal, também é um aprendizado. É um aprendizado não só no caso dele, como eu falei, mas de vários outros políticos que foram alvos naquele momento, para a minha geração não repetir esses erros; para a gente construir de uma outra forma.

Castro x Freixo a governador? – Eu acredito muito na vitória do Cláudio Castro, pelo trabalho que ele vem fazendo à frente do governo. Pegou um estado numa situação muito difícil e vem entregando bons resultados em todas as áreas; vem prestigiando o servidor público estadual e vem retomando importantes políticas públicas que estavam paradas. Eu dei o exemplo há pouco do Somando Forças, que ficou parado tanto tempo e retomou na gestão Cláudio Castro, entre outras políticas públicas. Em relação ao candidato Marcelo Freixo, sempre foi um político que nunca construiu nada, sempre partiu para o lado da destruição. Todos os aumentos, tudo o que foi dado aos servidores públicos na gestão Cabral ele era contra: as UPAS 24h ele foi contra; tudo na área da educação ele era contra, colocava ar-condicionado nas salas de aula, ele era contra. Na questão do Maracanã, o estado ia ter ali um excelente centro de esporte e lazer para a população, aí ele me vai para o Museu do Índio e diz que aquilo ali é a casa dos índios, sendo que está lá o elefante branco abandonado até hoje. Da mesma forma com as UPPs, que, com seus acertos e erros, foram a única política pública que trouxe um pouco de segurança efetiva para moradores de comunidades, que estão aí hoje, de novo, com 30, 40, 50, 100 fuzis na porta da sua casa. O trabalhador não quer isso, o trabalhador quer ordem e paz onde ele mora. Pelo que eu vejo nas pesquisas, há também uma rejeição muito alta quando se cita o nome do Freixo. Por isso eu acho que o Cláudio tem tudo para chegar, quem sabe até no primeiro turno. Porque os outros candidatos não estão pontuando muito nas pesquisas. Você vê ali o próprio Felipe Santa Cruz (PSD), que é um cara que adoro, já esteve filiado ao MDB, é um ser humano extraordinário, mas não está pontuando. O próprio Rodrigo Neves (PDT) também. Então, acho que vai ficar essa polarização. Vai ficar o Cláudio contra o Freixo. Talvez tenha um segundo turno entre os dois, que é o que está hoje nas pesquisas.

Lula x Bolsonaro a presidente? – O meu candidato a presidente da República, pelo governo que ele fez no período em que esteve como presidente, seria o (ex-presidente) Michel Temer, se eu pudesse escolher um candidato. Inclusive por ele ser um quadro do meu partido, do MDB. Mas, não acredito mais em terceira via. Acredito que vai ser o Lula contra o Bolsonaro. E vai ser realmente uma eleição com 52% a 48%, muito acirrada. No meu material de campanha, vou colocar o governador do estado, claro, mas não foi colocar o presidente da República. Se o MDB (tem como pré-candidata a senadora Simone Tebet) lançar, eu vou ter que colocar. Mas, se não lançar, vou deixar o eleitor muito à vontade. Você sabe as paixões que paixões que envolvem esse tema de Lula e Bolsonaro. Eu, particularmente, não tenho opinião formada ao meu voto a presidente da República. Se o MDB lançar candidato, eu vou votar no MDB no primeiro turno. Vamos ver o segundo. Mas, de coração, não tenho ainda uma preferência. Acho que os dois têm pontos positivos que podem ser abordados. Os dois têm pontos negativos. Eu, particularmente, tive relação com os dois: com o Lula dentro da casa do meu pai, vários eventos, várias vezes. Ele já passou, por exemplo, um final de semana na casa que o meu pai tinha em Mangaratiba. Eu já passei na casa dele algumas vezes. Então, é uma pessoa com quem eu tive muita relação, de quem eu gosto muito. Da mesma forma o Bolsonaro, que me acolheu super bem na Câmara (Federal). Comigo, particularmente, sempre foi uma pessoa muito educada. E, do ponto de vista político, eu vejo coisas interessantes no governo. Mas, como em qualquer governo, há críticas. Então, realmente é difícil fazer essa avaliação. Eu, hoje, de coração, não posso falar que em quem vou votar.

 

Página 2 da edição de hoje da Folha da Manhã