Altura lança no 3º FDP! seu segundo livro de poesia, “Provocações e Silêncios…”
Parte do 3º Festival Doces Palavras (FDP!), às 19h de hoje o professor e poeta Luiz Antonio Cosmelli, o Altura lança seu segundo livro de poesia: “Provocações e Silêncios”. Será na Santa Paciência Casa Criativa, na Barão de Miracema, nº 81, com entrada franca. Segundo o autor: “Esse novo trabalho se apresenta como um diário de bordo, onde, entre refugiados e desvalidos, vasculho os horizontes dos silêncios e das provocações que alimentam e denunciam minhas viagens afetivas, políticas, sociais, num eterno bem-me-quer, mal-me-quer… Navego não em busca de informação, mas de clareza… Não quero respostas prontas, quero perguntar o que há de novo, rasgar o peito, não me poupar, provocar os possíveis leitores pelos caminhos do mundo, da solidão, da morte… Na verdade, esse trabalho é fruto de encontros às escondidas com poetas/poetisas do mundo e desta terra goitacá… Todos destemidos(as) e atrevidos(as), como o mundo detesta e precisa…”.
Diretor teatral e poeta, Antonio Roberto de Gois Cavalcanti, o Kapi, foi talvez o maior artista que viveu nesta terra de planície parida e cortada pelo rio Paraíba do Sul. Ele dizia: “Eu não acredito em artista humilde”. Embora não seja conhecido pela vaidade, nas páginas de “Provocações e Silêncios…”, a confirmar Kapi, entre os poemas estão as fotos do rosto de Altura, de perfil e frontal, com brinco na orelha esquerda.
Há na obra poemas sociais, como o “provocações…”, na página 63, que batiza o livro. Na bifurcação entre pessoal e coletivo “a resistência dos meus versos/ pelas juras de amor/ pela luta contra todos os tipos de opressão”, os dois caminhos são trilhados. O segundo, a despeito da opressão ambidestra da história, tem seu adversário político desnudado no poema “no terceiro dia…”, na pág. 75: “sob a direita poderosa/ que julga e executa/ os vivos e os mortos”.
Menos político, o primeiro caminho revela a face das “mãos carinhosas…” na pág. 53, outro poema social. Mas onde esta característica é eclipsada pela sensibilidade “incontrolável” como “o desejo de amanhã/ brotando por entre os dedos/ como raízes em direção ao sol”. Poeta irlandês e ganhador do Nobel de Literatura, William Butler Yeats ressalvava: “Dos questionamentos do homem com o mundo, surge a retórica. Dos questionamentos do homem consigo mesmo, nasce a poesia”.
Logo à pág. 19, em “a primeira flor de setembro…” Altura sinaliza que, nessa encruzilhada entre pessoal e coletivo, no primeiro está a maior virtude dos seus versos: “ao acordar já não estavas mais/ apenas a camisola negra que te fazia tão linda…/ outras dores outras culpas outras saudades…/ na última hora na hora precisa do encantamento/ não soube dizer que te amava/ dizer amor é sempre ter medo de perder…/ e o tempo perdeu-se no lado escuro/ da lua…/ (…) meus olhos guardam o gosto do teu batom vermelho/ (…) e uma lágrima colorida como arco-íris sem pote de ouro”.
Há influências possíveis, como do diálogo tenso sobre o rei, o verme e o mendigo, que se dá entre Hamlet e Cláudio, após o príncipe matar Polônio. Seja ou não influência da maior tragédia de William Shakespeare, é poderosa a imagem de Altura em “delírios…”. Na pág. 49: “dos que se fingem de mortos/ e se banqueteiam com os próprios vermes”. É antes do poema se fechar com a expiação lunar pela sedução de meninas armadas: “e quando a lua surgir fervendo/ anunciarei o rosário de mentiras/ com as quais iludi meninas/ amadas e armadas com dentes serrilhados”.
Das figuras de linguagem, com sua associação de contrários para reforçar uma ideia, o oxímoro está entre as mais refinadas na língua portuguesa. Estão aí o “Hércules-Quasímodo” do prosista Euclides da Cunha e o “Narciso Cego”, do poeta Thiago de Mello, para não deixarem ninguém mentir. Nem o Altura de “cotidiano…”, na pág. 47: “o mito da força da imortalidade/ guardado a sete palmos de terra…”. Ou em outro guardado de sete, em “espumas…”, na pág. 103: “guardado a sete chaves numa gaveta arrombada”.
Para além das provocações do animal político aristotélico, este livro guarda as solidões do seu autor. Em “aquele seu vestido azul…”, na pág. 93: “num oásis do coração guardo sementes e gentes/ alimentando as fomes e sedes da minha solidão”. Ou nas interrogações “???” na pág. 31: “a solidão é um sonho de cimento armado?/ ou o prazer da masturbação?/ para que serve a minha poesia?”. Resposta dada nas “lembranças torrenciais” que desaguam nas páginas 35 e 36: “…sou um cais sem embarcação/ (…) minha solidão me protege/ (…) … só me resta embrulhar meu coração/ afogado em amargurada chuva de novembro/ transbordando de lembranças torrenciais/ para sempre…”.
Das influências possíveis, há aquelas certas. O “Meu tempo é quando!” de Vinicius de Moraes é cozido em “fogo brando…” na pág. 105: “me falta o verso do tempo do quando”. Na confluência entre literatura e música do Poetinha, Altura também toma benção a Nelson Motta e Dori Caymmi. Em “De onde vens”, a música dos dois canta: “Dor de amor quando não passa/ É porque o amor valeu”. E “a história…” se repete na pág. 17 deste livro: “explosão do argumento definitivo/ de que o amor valeu/ porque doeu”.
Assumidas como grandes influências do autor, dois mestres da literatura universal batem ponto nos “Mundos…” da pág. 45. Criador do verso livre, que ainda no século 19 libertaria a poesia da rima e da métrica, Walt Whitman sentenciou: “I believe in you my soul, the other I am” (“Eu acredito em você minha alma, eu sou o outro”). Com o que Altura dialoga, na tradição de chamado e resposta tão cara ao maior poeta dos EUA: “O meu humor/ ácido/ é minha/ vingança/ contra/ o que não sou/ no outro…”.
Para roçar sua língua na língua de Luís de Camões, como cantou Caetano, é na “Tabacaria” do poeta português Fernando Pessoa, em sua face mais modernista de Álvaro de Campos, que Altura fila um cigarro: “Pessoando:/ não sou tudo/ nunca serei tudo/ não posso querer ser tudo/ à parte isso tenho em mim/ todos os nadas do mundo…”.
Publicado hoje (29) na Folha da Manhã