Faltaram respeito à Constituição e vergonha na cara em novo Código Tributário

Ponto final

 

 

Inconstitucionalidades

O novo Código Tributário Municipal, aprovado a mando dos Garotinho, na conturbada sessão da Câmara da última segunda-feira, “tem vários pontos de inconstitucionalidade”. A afirmação foi feita ainda na manhã de ontem, na democracia irrefreável das redes sociais, pelo jurista Carlos Alexandre de Azevedo Campos. Campista e advogado tributarista respeitado nacionalmente, ele era até pouco tempo assessor do ministro Marco Aurélio de Mello no Supremo Tribunal Federal (STF).

 

Quando o IPTU caiu

Para quem tem um pouco de memória, foi Carlos Alexandre quem declarou à Folha, há quase seis anos, que iria cair a proposta de IPTU do governo Rosinha, feita em 2009 para valer em 2010. Não porque eram extorsivos os aumentos que os rosáceos, desde a época das “vacas gordas”, queriam impor à população, mas simplesmente por ser inconstitucional. Pouco depois, cairia não só o novo IPTU, como o próprio secretário de Finanças que o elaborou, Francisco Esqueff, publicamente constrangido pela prefeita.

 

Prefeita perdulária

Agora, o novo Código quer aumentar em 11% a Ufica repassada como indexador não só do ITPU, mas também do ITBI e ISS, além de criar novas taxas e majorar as já existentes em mais de 100%. Ao que Carlos Alexandre questionou: “O governo Rosinha teve sete anos para fazer um novo Código Tributário, e apenas o faz agora, em meio a uma crise econômica grave e ainda aumentando a carga tributária? Outra coisa: o governo Rosinha usou muito mal o dinheiro do contribuinte por sete anos, e agora acha que a solução para a crise é aumentar tributos e, consequentemente, aumentar a quantidade de dinheiro transferido da sociedade para suas mãos? Para usar mal uma quantidade ainda maior de dinheiro?”.

 

Desprezo à democracia

O ex-assessor do Supremo terminou condenando o desprezo do governo Rosinha pela democracia por um Legislativo ainda submisso por margem mínima: “submeter uma lei tão importante a uma votação tão atropelada, a jato, não é só violar o devido processo legislativo. É mostrar que esse grupo político não tem mesmo nenhum apreço pelo papel dos representantes do povo campista, os vereadores, e nem pela democracia. O Código tem vários pontos de inconstitucionalidade e a judicialização será inevitável e necessária”.

 

Vergonha na cara

Firme e elucidativa, a posição do advogado que saiu de Campos para trabalhar na mais alta corte da República não é oportunista. Pena que o mesmo não possa ser dito não só dos 13 vereadores governistas que aprovaram o novo Código Tributário a toque de caixa (esvaziada pelos Garotinho), como também de algumas lideranças dos comerciantes e camelôs presentes na sessão da Câmara para finalmente protestar. Quem só o fez após oferecer a face, sua e da categoria, em apoio público à “venda do futuro” do município, deveria saber de antemão que vergonha na cara não é artigo de comércio.

 

Publicado hoje na Folha da Manhã

 

Seu bolso, a mando dos Garotinho, “na porrada”

Ponto final

 

 

Agressão ao contribuinte

A sessão de ontem na Câmara teve de tudo: gritos, palavras de baixo calão e dedos em riste. Ao final, o agredido foi o contribuinte, de cujo bolso sairão os 11% de reajuste da Ufica que serão repassados em 2016 a impostos como IPTU, ITBI e ISS. Isto fora a criação de novas taxas e aumento de mais de 100% nas já existentes, como de localização das empresas, de profissionais autônomos (ou liberais), ou de licença para todos os ambulantes e feirantes do município. Enquanto isso, aparentemente alheia, a prefeita Rosinha cantava na Fundação Municipal dos Esportes, para um público próximo aos seus 1.400 cargos comissionados de DAS.

 

Categorias dos rosáceos

Difícil saber como se explicarão, dentro de suas próprias categorias, médicos como Adbu Neme (PR) e Paulo Hirano (PR), ou empresários como Altamir Bárbara (PSB) e Cecília Ribeiro Gomes (PT do B). Todos vereadores que votaram a mando dos Garotinho pela aprovação do novo Código Tributário do Município, assim como fizeram os servidores aposentados Miguelito (PP) e Álvaro César (PMN), a dona de casa Dona Penha (DEM), o técnico eletrônico Ozéias (PTC), a professora Auxiliadora Freitas (PHS), o jornalista Mauro Silva (PT do B) e Kelinho (PR) — cuja ocupação registrada do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) é “curso superior”.

 

Coragem

Como na condição de presidente da Câmara, Edson Batista (PTB) só votaria no caso do empate que não houve — e, se houvesse, ninguém tem dúvida de como o faria —, os dois outros votos que selaram a tunga no bolso do contribuinte goitacá foram talvez os mais emblemáticos. Tanto quanto foi corajoso o voto contrário do vereador e empresário Luiz Alberto Neném (PTB), a favor da sua consciência, sua categoria e sua população, contra a conta que os Garotinho mais uma vez acabaram empurrando goela abaixo da cidade.

 

Covardia?

Oposto a Neném, mesmo tendo apalavrado seguir o voto deste, quem definiu a vitória rosácea pela margem mínima foi Albertinho (Pros). Ex-vigia do Orla I, ele havia se comprometido com as bancadas de oposição e independente a seguir a decisão de Neném, sabidamente dividido entre a condição de governista e empresário. Mas como já havia feito antes, ao vestir a camisa “Não venda o meu futuro” e depois mudar seu voto para vender, Albertinho permaneceu sentado em sua cadeira quando se ergueram os contrários ao aumento nos tributos do povo campista.

 

Eleitor às lágrimas

Aos gritos de “levanta, Albertinho!” que vieram da galeria no momento da votação, um indiferente vereador não teve nenhuma reação. A frustração com a roída de corda foi tanta que um seu eleitor declarado, Sr. Cláudio, proprietário de quiosque e preocupado com o aumento das contas devido à omissão do representante parlamentar, caiu em prantos, sendo amparado pelos vereadores independentes Dayvison Miranda (PRB) e Gil Vianna (PSB).

 

Seu bolso, “na porrada”

Mas se Albertinho marcou pela frustração que causou em seus próprios eleitores, talvez ainda mais emblemática tenha sido a confissão involuntária, quando o microfone deu eco a uma declaração do vereador Thiago Virgílio (PTC). Sobretudo para quem acompanhava a sessão pela internet, depois que o vereador independente Genásio (PSC) impediu uma manobra de Virgílio para tentar antecipar a votação, foi possível ouvir este dizer claramente: “Vou rolar na porrada, já que não tem Código de Ética”. E foi assim mesmo, sem nenhuma de ética e com gente disposta a “rolar na porrada”, que os Garotinho enfiaram a mão no seu bolso, leitor.

 

Publicado hoje na Folha da Manhã

 

Poema do domingo — Nasço em nome da água

Rudá Sánchez no ponto alto do Sarau de Natal em Atafona, em 19 de dezembro de 2015 (foto de Diomarcelo Pessanha)
Rudá Sánchez aponta em direção ao Atlântico no ponto alto do Sarau de Natal em Atafona, em 19 de dezembro de 2015 (foto de Diomarcelo Pessanha)

 

 

No domingo passado, não publiquei nenhum poema no blog. Por contraditório que possa parecer, a poesia foi o motivo. Envolvido na noite de sábado com o Sarau de Natal em Atafona, junto de outros poetas já publicados aqui, como a Adriana Medeiros, o Martinho Santafé, o Artur Gomes e o Adriano Moura, mais o devido enterro dos ossos no dia seguinte, não tive tempo para manter no blog essa sua tradição dominical “de há séculos” — como versejaria o português Fernando Pessoa (1888/1935) pela pena do seu heterônimo Álvaro de Campos.

Capa da coletânea a poesia de Adonis pela Companhia das Letras
Capa da coletânea da poesia de Adonis pela Companhia das Letras

Num domingo ainda mais ao passado, em 22 de novembro, dia do inesquecível show do Pearl Jam no Maracanã, postei um texto extenso em prosa, em preâmbulo à poesia do sírio Adonis, nascido Ali Ahmad Said. A partir da contextualização da vida e obra daquele considerado o maior poeta moderno da língua árabe, o texto se alongou na tentativa de entender a Guerra Civil na Síria e seus reflexos diretos na morte do menino Aylan Kurdi (aqui), em 2 de setembro, e nos atentados dos facínoras do Exército Islâmico (EI) em Paris (aqui), em 13 de novembro.

No meio de tanta besteira dita e escrita sobre os dois lamentáveis fatos, por gente que ignora completamente história e presente da Civilização Islâmica, a tentativa talvez não tenha sido das piores. Se você ainda não leu, pode fazer juízo por conta própria aqui. Mas, independente do resultado, o fato é que a abertura em prosa ficou muito maior do que o curto poema “Canções para a morte”. Não por outro motivo, na reprodução da postagem do blog na democracia irrefreável das redes sociais, a Claudia Caetano observou aqui: “Ficou um gosto de quero mais”.

Assim, na desculpa pelo hiato do último domingo, sobretudo a você, leitor, que já se acostumou a buscar e encontrar poesia aqui neste dia da semana mais dado à contemplação, o blog mata duas dívidas. Em versos nascidos da água que nasceu em Adonis, traduzidos pelo também poeta Michel Sleiman, o pagamento se replica abaixo:

 

 

Vista da varanda em 25 de dezembro de 2015 (foto de Aluysio Abreu Barbosa)
Campos, vista da varanda em 25 de dezembro de 2015 (foto de Aluysio Abreu Barbosa)

 

 

Árvore do Oriente

 

Me fiz espelho

refleti tudo

mudei em teu fogo a cerimônia da água e da vegetação

mudei voz e apelo,

 

passei a te ver em dois

tu e esta pérola que nada em meus olhos

eu e a água nos fizemos amantes

nasço em nome da água

nasce em mim a água

eu

e a água

nos replicamos.