Crônica do domingo — Papo de boteco no país de Neymar e Marta

 

Adega Pérola, melhor botequim carioca, na Siqueira Campos, em Copacabana

 

— E o Neymar, hein?! Que furada! — Paulo abriu os trabalhos sem preliminares na mesa do boteco, após a primeira talagada que consumiu metade do copo de cerveja

— Era previsível. Se não fosse isso, seria outra coisa. Neymar é desperdício de talento por falta de caráter — respondeu Aníbal, após gole menor e com menos entusiasmo, aparentemente conformado.

— Falta de caráter dele? E da tal da Najila?

— Essa mulher parece ser aquilo que Chico Buarque diz num daqueles quatro DVDs sobre sua obra separada em temas: “é capaz das coisas mais baixas, exatamente como os homens”.

— Então para você não há diferença?

— Somos todos da mesma espécie: macaco com polegar opositor, sem rabo, de pouco pelo e metido à besta. Somos capazes das mesmas coisas que os chimpanzés, nossos parentes mais próximos. São os únicos na natureza, além de nós, capazes de matar não só para comer e se defender. Nos humanos, a diferença de gêneros talvez seja só hormonal, muscular e cultural. Se as mulheres são mais identificadas ao sentimento de posse, todas as estatísticas revelam que são os homens que matam bem mais por não aceitarem o fim de uma relação amorosa.

 

 

— Mas o vídeo mostrou que foi ela quem bateu nele. Aliás, foi o primeiro VAR de Maria Chuteira.

Empresário Elaine Caparroz após quatro horas de agressão física

— Não se discute com as imagens. Mas repare nas reações desde o início. Alguém condenou Neymar de ser culpado por se encontrar em quarto de hotel com uma mulher praticamente desconhecida? Porque foi isso que fizeram com a empresária Elaine Caparroz, agredida por quatro horas pelo jovem que também mal conhecia e levou ao seu apartamento. Lembra?

— Eita! Tá virando politicamente correto agora, é? — questionou Paulo, em meio a gargalhadas de desdém umedecidas por outro gole largo de cerveja.

Ensaísta e crítica social dos EUA Camille Paglia

— Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Não caio no segregacionismo da pauta identitária. Que é abertamente criticada por pensadores progressistas como o cientista político Mark Lilla, ou o filósofo Slavoj Zizek. Serve só para dividir, não unir para chegar ao poder. No que se refere ao feminismo misândrico dessa pauta, é como definiu a Camille Paglia: “um bando de mulheres burguesas que pensam poder fazer do mundo a sua sala de estar”. Querem crucificar o tal “macho hétero opressor” por todos os pecados da história e acham o quê? Que ele não vai reagir? Foi o que elegeu Trump nos EUA, Salvini na Itália, Orbán na Hungria, Bolsonaro no Brasil e até o “ex-gay” Duterte, nas Filipinas. Isso é uma bola de ferro acorrentada ao pé da esquerda!

— A resenha era sobre Neymar e você vem com papo-cabeça para tentar abrir na ponta esquerda da política. Menas, como diria o Lula.

 

Neymar e o pai, parasita pecuniário do talento do filho

 

— O problema de Neymar, eu já te disse, é de caráter. Ele não tem, não desenvolveu. E, à esta altura, nem vai mais. Nasceu com um talento enorme para futebol e, desde criança, foi tratado como príncipe mimado pelo Santos. Como é agora, mesmo aos 27 anos, pelo xeique do petróleo do Catar que arrendou o Paris Saint-Germain. Até aí, faz parte do mercantilismo que tomou conta do esporte. O problema é quando o pai do Neymar, parasita pecuniário do futebol do filho, passa a circular livremente na concentração da seleção brasileira, que deveria representar o país.

 

 

— Isso é verdade. Aliás, foi assim na Copa do Mundo de 2018. O resultado? O incrível jogador que virou meme, sinônimo de simulação de queda às crianças do mundo. E estava sendo assim agora, na preparação da Copa América.

 

 

— Essa Copa América só terá valor para definir a permanência ou não de Tite como técnico do Brasil. Tanto que ele abriu mão da renovação para a Copa do Mundo de 2022 e convocou veteranos agora para tentar se segurar no cargo. Ao jogar fora todo o belo trabalho que fez no Corinthians e se submeter aos mandos e desmandos de Neymar, seu pai e “parças” no comando da seleção, Tite deveria mesmo sair.

 

 

— Sim, os caprichos de Neymar violentaram a seleção. Só não dá para dizer que fez o mesmo com a tal Najila.

— Quem tem que definir isso é a Justiça. O fato é que Neymar e Najila são mais parecidos do que se pensa. Ambos foram agraciados com dons naturais, que se esforçaram para aprimorar em academias: um, a habilidade para jogar bola; a outra, a beleza física. Só que são atributos-laticínio: têm prazo de validade. Malhação nenhuma impedirá que se percam com o tempo. E sobrará apenas o caráter que não construíram. O problema está na sociedade que produz tantos Neymares, Ronaldinhos Gaúchos, Adrianos Imperadores, sob a marcação cerrada de tantas Najilas.

 

Variações do mesmo tema entre futebol e vida na sociedade brasileira: Ronaldinho Gaúcho, Neymar e Adriano

 

Zico, exemplo dentro e fora de campo

— Mas foi a mesma sociedade que produziu Zico. Até eu, que sou botafoguense, tenho que reconhecer o que ele foi como jogador e é como homem.

Biografia de Marcos Eduardo Neves sobre Heleno de Freitas, “antepassado” de Neymar

— O Botafogo tem como maiores ídolos dois “antepassados” de Neymar. Vindos de classes sociais bem distintas, é só olhar as vidas trágicas muito parecidas de Heleno de Freitas e Garrincha. Mesmo sendo carioca da gema da periferia de Quintino, Zico é uma exceção. Filho de um português e de uma filha de portugueses, teve uma criação modesta, mas de certo modo europeia. E, ironicamente, foi o maior ídolo do clube mais popular do Brasil.

— Ser europeu não quer dizer nada. Isso é “complexo de vira-latas”, Aníbal. Basta ver os exemplos do irlandês George Best, considerado o melhor jogador britânico da história, e do sueco Zlatan Ibrahimovic, ainda na ativa, descolando uns trocados no futebol dos EUA.

Geroge Best, maior craque britânico e hedonista consciente

— Bom ponto. Mas o caso de Best foi de hedonismo consciente, não falta de caráter. Ele dizia: “Gastei muito dinheiro em bebida, mulheres e carros rápidos. O resto eu desperdicei”. Tanto que teve uma carreira consistente no Manchester United. Em Copa do Mundo, pela Irlanda do Norte, não dava. É diferente de Ibrahimovic, que sempre foi desagregador e nunca se firmou em clube nenhum. Na Copa da Rússia, até a seleção da Suécia, sem ninguém do mesmo nível, dispensou ele. Neymar teve uma chande no Barcelona de Messi, a quem se submeteu para jogar seu melhor futebol. E fez o quê? Desperdiçou para tentar brilhar sozinho como estrela cadente da Torre Eifel.

— Já que você agora virou feminista, e a Copa do Mundo feminina de futebol? — provocou Paulo.

— Olha, vou torcer. Mais do que pra os marmanjos da Copa América. Mas, aos 33 anos de idade, pode ser que Marta termine a carreira sem ganhar uma Copa do Mundo. O que seria uma injustiça tão grande quanto foi com Zico. Mas vale ao casal o que o Fernando Calazans escreveu: “Zico não ganhou Copa? Azar da Copa!”. No meu tempo de vida, vi três grandes camisas 10 na seleção brasileira de futebol: Zico, Rivaldo e Marta.

 

Marta foi eleita seis vezes pela Fifa como a maior craque de futebol do mundo, feito inédito para qualquer homem

 

— Mas Ronaldinho Gaúcho ganhou a Copa do Mundo de 2002. E Neymar, a inédita medalha de ouro olímpica em 2016. E os dois usavam a 10.

— Pois é. Daí você tira o que eu vi dos três primeiros — emendou Aníbal, antes de pedir outra Original ao garçom.

 

Publicado hoje (09) na Folha da Manhã

 

Pausa até o início de julho. Inté!

 

 

O dia de ontem foi muito produtivo no blog. No movimentado noticiário político da planície, sua lida se prestou aos versos “roceiros” de Manoel de Barros (1916/2014): “No clarear do dia vou para o roçado/ A capinar./ Até de tarde tiro o meu eito: arranco inços tranqueiras,/ joás e bosta de bugiu que não serve nem pra esterco”.

Hoje, por motivo pessoal, é o momento de fazer uma pausa. O blog ainda publicará o artigo da edição de domingo (09) da Folha. Depois, se Deus quiser, nos veremos no início de julho. Inté!

 

Após PV e Magal, Rodrigo Bacellar consegue apoio do PMB e vai nesta sexta à Folha FM

 

Presidente nacional do PMB, Suêd Haidar Nogueira, com o novo vice-presidente do partido em Campos, Evandro Louback, assessor de Rodrigo Bacellar (Foto: Divulgação)

 

Ontem, foi anunciado aqui que o deputado estadual Rodrigo Bacellar (SD) conseguiu o apoio do PV e do ex-vereador Jorge Magal (PSD) para sua pré-candidatura a prefeito de Campos em 2020. Hoje, ele conseguiu outro reforço à sua pretensão: o PMB no município passará a ser presididido por Beatriz Bacellar, prima do deputado, com Evandro Louback, assessor de Rodrigo, como vice-presidente. Este último esteve hoje no Rio para selar a aliança com a presidente nacional do PMB, Suêd Haidar Nogueira.

Sobre o apoio do PV, o vice-presidente estadual da legenda, Roberto Rocco disse que o acordo com Rodrigo “é um namoro avançado, mas ainda precisa esperar pelo noivado e o casamento das convenções no ano que vem”. Após o partido ter apoiado a eleição a prefeito de Rafael Diniz (PPS) em 2016, Rocco explicou que a renovação da aliança ficou difícil após o presidente dos verdes em Campos, Gustavo Matheus, romper com o governo municipal. Após ser secretário do Trabalho e Renda de Rafael, Gustavo saiu para se candidatar a deputado estadual e teve 2.364 votos.

Rodrigo Bacellar é o convidado desta sexta (07) do programa Folha no Ar, em entrevista ao vivo na Folha FM 98,3, a partir das 7h da manhã. Lá o deputado falará sobre suas alianças, sobre um acordo para 2020 que diz ter com os também pré-candidatos a prefeito Caio Vianna (PDT) e Gil Vianna (PSL), e sobre os ataque que ele e seu pai, o ex-vereador Marcos Bacellar (PDT), sofreram recentemente (aqui) do ex-governador Anthony Garotinho (sem partido) nas redes sociais de Campos.

 

Em vídeo, Flávio Bolsonaro nomeia Gil Vianna “comandante” do PSL em Campos e região

 

Flávio Bolsonaro e Gil Vianna hoje à tarde em Brasília (Foto: Divulgação)

 

Pré-candidato a prefeito de Campos em 2020, o deputado estadual Gil Vianna vai coordenar o PSL em todo o Norte e Noroeste Fluminense nas eleições municipais do próximo ano. O acordo foi selado há alguns momentos em uma reunião em Brasília, com o senador Flávio Bolsonaro. Filho 01 do presidente Jair Bolsonaro, ele chamou o deputado de “nosso comandante da região de Campos dos Goytacazes, pessoa da nossa confiança”.

Confira abaixo o vídeo gravado agora há pouco entre o senador e o deputado:

 

 

Garotinho ataca Rafael, Caio, Rodrigo, Gil e vereadores. Só Rosinha e Wladimir prestam

 

Garotinho e Wladimir contra Rafael, Caio, Rodrigo e Gil? (Arte: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

“(Na eleição a prefeito de Campos em 2020) Quem quer Rafael Diniz (PPS) abraçado com Ilsan (Vianna, PDT), vota em Caio Vianna (PDT). Quem quer Rafael Diniz de braços dados com (Marcos) Bacellar (PDT), vota em Rodrigo (Bacellar, SD). Todo mundo lembra o que Bacellar fez na Prefeitura na época de (Alexandre) Mocaiber. E quem quer Rafael Diniz de braços dados com Zé Carlos (DC) e com os vereadores (de Campos), vota em Gil Vianna (PSL), que é da mesma panelinha. A única composição verdadeira de Campos (…)  é a candidatura do nosso grupo, que será representada por Rosinha (Patri), ou por Wladimir (PSD)”.

Sumido no noticário desde que perdeu o poder em Campos após 28 anos, perdeu junto seu grupo de comunicação e foi preso três vezes, duas na operação Chequinho e uma na Caixa d’Água, o ex-governador Anthony Garotinho (sem partido) deu a declaração acima nas redes sociais locais do último dia 31. Como a ex-prefeita Rosinha está inelegível até 2026, pela reprovação das suas contas de 2016 no Tribunal de Contas do Estado (TCE) e na Câmara de Campos, o deputado federal Wladimir é única candidatura viável do garotismo para tentar reassumir as rédeas da cidade.

Em se tratando de Garotinho, a cantilena “ninguém presta, além de quem eu disser” é mais antiga que vento sul. Há anos teve qualquer poder de convencimento consumido. Mas como tudo indica que a eleição a prefeito de Campos do próximo ano será em dois turnos, atacar todos os possíveis adversários no primeiro parece péssima tática. Que já deu errado nas eleições a governador de 2014, quando Garotinho não foi nem ao turno final, e de 2018, quando a Justiça Eleitoral confirmou sua inelegibilidade — que, como ocorre agora com Rosinha, todos sabiam existir.

Qualquer chance de sucesso de Wladimir em 2020 reside na sua capacidade de se libertar dos seguidos erros do pai.

 

Hamilton Garcia — Pacto oligárquico se tornou insustentável à sociedade e ao Estado

 

 

 

Hamilton Garcia de Lima, cientista político e professor da Uenf

Clientelismo, cargos e voto — Como as oligarquias erodem a democracia

Por Hamilton Garcia de Lima

 

Em artigo de setembro do ano passado (Os candidatos e suas estratégias para superação da crise política), eu dizia: “Até que ponto e em qual momento a ingovernabilidade sistêmica, contratada pela ausência de reforma político-eleitoral, vai se apresentar ao candidato vitorioso, não é possível determinar, mas é certo que o fará em algum momento (…); naturalmente, a depender do grau de resistência que seu programa encontre na sociedade e no Estado”.

O problema da disfunção eleitoral do nosso sistema político foi discutido em outro artigo (Accountability e Reforma Política), onde argumento que o sistema proporcional de lista aberta agrava e amplifica a dificuldade histórica em instituir um governo representativo. Em perspectiva diversa, a escola institucional-formalista[i] desloca a tensão para o plano das escolhas políticas, considerando que o sistema eleitoral atual “gera incentivos para o multipartidarismo” diminuindo as chances “de o partido do presidente alcançar sozinho a maioria (…) do Congresso”. Sendo assim, a escolha mais eficiente seria a de “montar e gerenciar coalizões pós-eleitorais” ofertando “recursos políticos e financeiros (…) (aos) potenciais parceiros em troca de apoio político”, processo que, em tese, requereria “negociação, não necessariamente corrupção”.

Que tal tese se tornou marginal em face do desenvolvimento mais recente de nossa tradição política, frente aos problemas estruturais conhecidos, e da puerilidade do quadro partidário, avesso ao etos programático das poliarquias estáveis, restam poucas dúvidas.

Por isso mesmo, a descrição dinâmica do modelo, de que lançam mão os formalistas, aparece sob a forma fotográfica ideal da Nova República sob FHC, como se as “escolhas do presidente” hoje estivessem postas nos mesmos termos dos anos 1995-1998, quando a crise de representatividade estava em seu início e sua solução aparentava estar no eixo paulistano do PSDB-PT: “Coalizões com um menor número de parceiros (…) ideologicamente homogêneos”, compartilhando “poder e recursos de forma proporcional com os aliados”, que espelhem “a preferência mediana do Legislativo”, produziriam “um governo de coalizão eficiente, com uma taxa de sucesso legislativo muito alta e um custo de governabilidade muito baixo”.

Como as preferências medianas do Legislativo, todavia, sofreram sensível agravamento depois de 13 anos de governos petistas e do aprofundamento da fragmentação partidária — dos 20 partidos com representação congressual em 1998 (FHC), passamos a 30 em 2018 (Bolsonaro) —, depois que o STF, em 2006, considerou inconstitucional qualquer restrição ao Fundo Partidário e ao tempo de propaganda dos partidos, é crível que os resultados da “melhor escolha”, garantidos pelo modelo, podem não ser mais satisfatórios.

O problema dessa abordagem é, precisamente, seu déficit de concretude, que permite ao analista não só desconsiderar os elementos sincrônicos da complexidade histórico-estrutural, como os diacrônicos do seu contínuo desenvolvimento, tornando, assim, sua análise pouco efetiva. Como frisava Montesquieu (1689-1755)[ii], as leis políticas (e da política) são forjadas em meio ao “gênero de vida dos povos”, vale dizer, suas relações econômicas, espirituais e costumeiras, que ele considerava o “espírito das leis” — que “consiste nas diversas relações que as leis podem ter com diversas coisas”.

Portanto, a aproximação com a realidade exige a agregação, aos modelos explicativos do funcionamento do “presidencialismo de coalizão”, dos elementos constitutivos de nossa difícil e irresoluta democratização (vide, A Democratização do Estado), calcada numa cidadania marcada pelas mazelas da disparidade moral e material deixadas pelo regime servil-escravocrata[iii] em seus 300 anos de dominação — mal superados por quase 100 anos de modernização sob a marcada do liberalismo de Casa-Grande. Mais especificamente, é preciso entender como o Parlamento, que, no momento, se arvora em antídoto ao autoritarismo bolsonarista, na verdade, consiste em um de seus importantes combustíveis — como outrora ocorreu, mesmo que por omissão, nos momentos críticos que antecederam a República (1889), a República Nova (1930) e a Revolução Redentora (1964). O DNA do nosso parlamento, associado a seu desenvolvimento, sobretudo na Primeira República (1889-1930), nos dá pistas preciosas da questão.

Entre nós, as Câmaras surgem no período colonial pela necessidade da Corte portuguesa de controlar o processo de ocupação do território, na prática levado a cabo por colonos privados escolhidos e apoiados pela Metrópole. Com o desenvolvimento da ocupação e da empresa agrário-exportadora, as Câmaras vão se transformando em aparelhos de dominação senhorial sem perderem suas características de ligação com o poder central, dando origem, na república, ao coronelismo, “sistema político (…) dominado por uma relação de compromisso entre o poder privado decadente e o poder público fortalecido”[iv].

É sob tal compromisso que os latifundiários renovam seu poder sobre a grande massa, utilizando o voto para captar recursos públicos que reforçariam a “sujeição de uma gigantesca massa de assalariados, parceiros, posseiros e ínfimos proprietários”, “quase sub-humanos (…) no trato de suas propriedades”. A “superposição de formas desenvolvidas do regime representativo (…)(a) uma estrutura econômica e social inadequada”, ao invés de produzir a emancipação dos indivíduos, como rezava a cartilha liberal, “havendo incorporado à cidadania ativa um volumoso contingente de eleitores incapacitados para o consciente desempenho de sua missão política, vinculou os detentores do poder (…) aos condutores daquele rebanho eleitoral. (…) Despejando seus votos nos candidatos governistas nas eleições estaduais e federais, os dirigentes políticos do interior fazem-se credores de especial recompensa, que consiste em ficarem com as mãos livres para consolidarem sua dominação no município”[v].

Foi por meio de tal sistema de “aparelhamento do Estado” que as oligarquias foram capazes de “conter qualquer rebeldia do poder privado”[vi], aprisionando nossas instituições e nossa cidadania nas velhas práticas coloniais-imperiais do favor. Tendo hoje caducado a necessidade de cabrestear a sociedade civil — papel desempenhado hoje pelo PT, em chave diversa (“correia de transmissão”) —, resta ainda à tradição, embora claudicante, a vital função de manter o controle sobre as instituições, impedindo-as de se republicanizar na dimensão exigida pelas modernas sociedades, ou seja, por meio do governo representativo, em oposição ao clientelismo forjado na fome de cargos e na sede de erário, que substituem o programa e o partido na livre competição pelas cadeiras legislativas.

Até aqui, conservadores, liberais, social-democratas e populistas, conseguiram manusear o modelo com maior ou menor eficiência, não importa, mas sempre apoiados numa carga disfuncional de impostos e de ordenamento burocrático-administrativo, cuja externalidade (o subdesenvolvimento) sufoca cíclica e continuamente nossa economia até a apoplexia, quando aí se faz necessário algum tipo de choque institucional para reverter a paralisia.

Os bolsonaristas estão convencidos de que este momento chegou, mas parecem presos a outro modelo que caducou: o velho autoritarismo de caserna, que, em seus vinte anos de plena vigência, não foi capaz de desatar o nó histórico, não obstante o tremendo avanço material obtido.

O viés autoritário do bolsonarismo, bafejado pelo neointegralismo olavista e suas invectivas anti-institucionais, todavia, não deveriam nos iludir quanto ao ponto nevrálgico da crise, que não está nas inclinações plebiscitárias do presidente — que são só a consequência —, mas no anacronismo de nosso sistema político, que alimenta um “pacto oligárquico” que se tornou insustentável pela sociedade e pelo Estado.

 

[i] Vide Carlos Pereira, Coalizão x presidencialismo plebiscitário, O Estado de S.Paulo, 02 de junho de 2019, in. <https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,coalizao-x-presidencialismo-plebiscitario,70002853544>.

[ii] Charles-Louis de Montesquieu, O Espírito das Leis, in. Francisco Weffort, “Os Clássicos da Política”, vol. 1, ed. Ática/SP, 1993, p. 126.

[iii] Vide Caio Prado Jr., Formação do Brasil Contemporâneo, ed. Publifolha/SP, 2000, p.4.

[iv] Víctor Nunes Leal, Coronelismo, Enxada e Voto o município e o regime representativo no Brasil, ed. Alfa-Omega/SP, 1975, p. 252.

[v] Idem, pp. 20/56/253.

[vi] Idem, p. 252.

 

Mãe de filho com paralisia cerebral trancada à luz do dia por carro, na praça São Salvador

 

Uma mãe que estaciona seu carro numa vaga reservada a portadores de necessidades especiais, tem que sair com seu filho acometido de paralisia cerebral, no horário da criança tomar o remédio, é impedida por um carro parado de maneira ilegal, procura o auxílio da Guarda Civil Municipal (GCM) e não encontra nenhum agente. Foi o que ocorreu no início da tarde de ontem (05), em plena praça São Salvador. A mãe filmou sua angústia e publicou em um grupo local de redes sociais, onde o vídeo viralizou e gerou vários comentários críticos.

Fruto da deseducação cotidiana do campista no trânsito, o caso seria passível de todo o rigor da lei. Mas está aparentemente isento, como tantos outros que se repetem diarimente na cidade, pela ausência do serviço público. Confira abaixo:

 

 

Atualização às 12h06 para incluir a resposta do poder público municipal: “A Guarda Civil Municipal informa que, diariamente, conta com quatro agentes de trânsito que atuam na praça São Salvador e nas ruas do Centro da cidade, sendo que os eles percorrem toda a área central e contam com o apoio de viaturas no combate às irregularidades. Nesse caso específico da reclamação, foi identificada ausência da Guarda no local devido à remanejamento para atuação em outro local dentro das necessidades de serviço. A Guarda Municipal conta com agentes de trânsito nas ruas das 07h às 19h. A Guarda Municipal volta a orientar motoristas para que respeitem a sinalização de trânsito e todos os espaços destinados à estacionamento. Situações como esta prejudicam o cidadãos e o motorista flagrado cometendo este tipo de infração recebe as sanções previstas em lei e acumula pontos na carteira de habilitação”.

 

Wladimir questiona ação do Psol que pede seu mandato, critica Rafael e rebate Rodrigo

 

O deputado federal Wladimir Garotinho (PSD) voltou a classificar como “politiqueira” e “ridícula” a ação movida pelo Psol que pede a cassação do seu mandato e do deputado estadual Bruno Dauaire (PSC) por abuso de poder. A denúncia cita, ainda, uma suposta ligação (aqui) entre um cabo eleitoral e o chefe do tráfico no Parque Eldorado, que favoreceria a eles. O parlamentar de primeiro mandato classifica o fato como “outra inverdade”. Para ele, é uma “suposição” por ter sido o mais votado na região, junto com seu aliado. Wladimir diz que não há nenhuma menção ao seu nome ou ao de Bruno em interceptações. Negou ter levado denúncias sobre a Saúde de Campos (aqui) para a Câmara no mesmo dia da movimentação do processo como forma de tentar encobrir (aqui) a notícia negativa. Já sobre o deputado Rodrigo Bacellar (SD), que o chamou (aqui) de “plano B do pai”, o ex-pai governador Anthony Garotinho (sem partido), para eleição a prefeito de Campos, Wladimir insistiu no discurso de que não é candidato: “Meu foco é o meu mandato de deputado federal”.

 

(Foto: Genilson Pessanha – Folha da Manhã)

 

Folha da Manhã — Você chamou a ação do diretório estadual do Psol que pede a cassação do seu mandato e de Bruno por compra de voto de “politiqueira” e “ridícula”. Poderia dizer por que com mais substantivo e menos adjetivo?

Wladimir Garotinho — É ação insuflada pelo candidato derrotado do governo à Câmara Federal, disse isso desde o primeiro dia. O advogado da ação do Psol é o mesmo que defende o PR no caso da perda de mandato dele. Continuo afirmando que é politiqueira e ridícula, fui às ruas e ganhei no voto, pela vontade popular.

 

Folha — A denúncia fala de uma ligação grampeada entre o cabo eleitoral Juninho Jubiraca e “Cotó”, preso e apontado pela Polícia como chefe do tráfico no Parque Eldorado, que comprovaria uma relação privilegiada para você e Bruno fazerem campanha naquele bairro. O que pode dizer?

Wladimir — Isso é outra inverdade. Eu não sou réu nesse processo, portanto, procurei me informar com alguns advogados que atuam nele e não existe nenhuma ligação em que apareça no áudio o nome do cabo eleitoral, muito menos o meu e o de Bruno. Estão “supondo” que seja ele porque eu e Bruno fomos os mais votados na região. Inclusive a Justiça de Campos já negou pedido de prisão dele por duas vezes, pois não existe nenhum fundamento. Deveriam se atentar ao fato e perguntar aos moradores quem foi que transformou a realidade de quem vivia na lama e hoje tem asfalto na porta, que vivia no esgoto e hoje tem um Bairro Legal. Nosso voto é consequência de trabalho e muitas realizações. Além do mais, diversos candidatos têm fotos fazendo campanha no Eldorado, o que prova que a tese da ação está errada. Só que o povo preferiu votar em quem já fez de verdade por eles.

 

Folha — O vice-presidente do TRE, desembargador Cláudio Brandão de Oliveira, determinou que você e Bruno revelem os endereços de três testemunhas de defesa apontadas como autores de compra de voto, e que Juninho Jubiraca preste depoimento. Como viu a decisão?

Wladimir — Trâmite normal de processo. Não tenho com o que me preocupar e tenho convicção que a ação não vai adiante. Falei o mesmo sobre uma outra ação ridícula, a do PRP, na qual já tive parecer favorável. Os derrotados e, talvez, desesperados, ficam criando ações judiciais para tentar me amedrontar e gerar confusão na opinião de alguns.

 

Folha — Na terça, no mesmo dia em que foram reveladas as determinações do TRE sobre seu caso, você usou a tribuna da Câmara Federal para ecoar denúncias de suposto desvio de dinheiro do SUS na Saúde de Campos. Por que não entender sua atitude como cortina de fumaça?

Wladimir — Em primeiro lugar eu não fiz as denúncias, eu apenas as li e pedi providências. Elas foram feitas por um membro do conselho que é presidente da comissão de licitação e contratos. Minha obrigação é essa. Fiz questão de frisar no discurso que todos são inocentes até que se prove ao contrário, mas as afirmações do conselheiro são gravíssimas e o caos na saúde de Campos corrobora com elas. Eu não sou homem de me esconder atrás de nada, sou do diálogo e do entendimento pela resolução de problemas, mas eu tenho posição.

 

Folha — Deputado estadual, Rodrigo Bacellar disse que você, ao cobrar investigação sobre a Saúde de Campos na Câmara Federal, apenas ecoou as palavras do seu pai. Conversou com o ex-governador Anthony Garotinho antes do seu pronunciamento?

Wladimir — Eu falei em defesa das pessoas que estão morrendo nos hospitais, que estão sem atendimento médico, sem remédio e sem esperança de conseguir um simples exame. Ele, como representante eleito, deveria fazer o mesmo, mas ele evita, pois o pai, Marcos Bacellar (PDT), é ligado ao prefeito e tem centenas de pessoas nomeadas em DAS ou contratadas por RPA.

 

Folha — Rodrigo também disse que Garotinho trabalha para tentar reverter a inelegibilidade de Rosinha (Patri) para tentar lançá-la a prefeita de Campos em 2020. E o chamou de “plano B” do seu pai. Como você mesmo já admitiu que sua mãe é o “plano A”, o deputado está correto? 

Wladimir — Eu não sou plano A e nem B, meu foco é o meu mandato de deputado federal e eu nunca disse diferente disso. Tenho muito a contribuir como único paramentar na Câmara Federal e já tenho trazido benefícios à região em apenas quatro meses de mandato. Estou em constate diálogo com muitos segmentos da sociedade, que ecoam uma voz uníssona de descrença em relação ao modelo de governo praticado pela atual administração.

 

Publicado hoje (06) na Folha da Manhã