Monoteísmo e Brasil pela História no Folha no Ar desta 4ª

 

(Arte: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

Ao vivo, a partir das 7 da manhã desta quarta (1º), o convidado do Folha no Ar, na Folha FM 98,3, é o historiador, professor e escritor Arthur Soffiati. No tempo de Quaresma, ele falará sobre as três grandes religiões monoteístas — judaísmo, cristianismo e islamismo — pelos olhos da História.

Soffiati também analisará o Brasil pós-Jair Bolsonaro (PL), após os dois primeiros meses do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Quem quiser participar ao vivo do Folha no Ar desta quarta poderá fazê-lo com comentários em tempo real, no streaming do programa. Seu link será disponibilizado alguns minutos antes do início, na página da Folha FM 98,3 no Facebook.

 

Política em Campos, RJ e Brasil no Folha no Ar desta 3ª

 

(Arte: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

O radialista Cláudio Nogueira e os jornalistas Aluysio Abreu Barbosa e Rodrigo Gonçalves têm um bate papo sobre política na manhã desta terça (28), ao vivo a partir das 7h da manhã, na Folha FM 98,3. Os três falarão sobre a política de Campos entre a Prefeitura e a Câmara Municipal, com a presidência de oposição e acordo com o governo.

Cláudio, Aluysio e Rodrigo também falarão do panorama político fluminense, com a eleição do deputado estadual campista Rodrigo Bacellar (PL) à presidência da Assembleia Legislativa. E da nacional, com o novo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Quem quiser participar ao vivo do Folha no Ar desta terça poderá fazê-lo com comentários em tempo real, no streaming do programa. Seu link será disponibilizado alguns minutos antes do início, na página da Folha FM 98,3 no Facebook.

 

Do Monte Sinai à planície goitacá no tempo da Quaresma

 

Do Monte Sinai ao tempo da Quaresma

 

Cume do Monte Sinai, 25 de janeiro de 2023 (Foto: Ícaro Barbosa)

Noite de 24 de janeiro, balneário de Sharm el-Sheik, sul da Península do Sinai. Que compõe a porção asiática do Egito, país cuja maior parte do território, população e principais cidades está no nordeste da África. Esta deixada para trás, já diante das águas azuis do Mar Vermelho, o sol do dia era um presente a pai e filho. Seus corpos estavam saudosos do trópico naquela peregrinação, no inverno rigoroso do Hemisfério Norte, pela História das três grandes religiões monoteístas — judaísmo, cristianismo e islamismo — por três continentes.

Como a francesa Marie bem definira numa das noites frias de Saqqara, no Baixo Egito magrebino de 15 dias antes, entre os hóspedes europeus e sul-americanos reunidos com os anfitriões egípcios na varanda da pousada, em busca universal pelo calor da fogueira de madeira sobre o tonel de ferro cortado: “Alexandria é o balneário marinho do Egito para os egípcios; Sharm el-Sheik é para os europeus”. Como confeririam depois, é uma espécie de Búzios deles, tão ao gosto aqui dos argentinos e campistas.

Como o Brasil desnudo na tragédia das chuvas no litoral norte de São Paulo no último domingo (19), com o perigo das suas encostas reservado aos pobres, o Egito não é para amadores. Sobretudo a quem encara suas complexidades por conta e risco próprios, sem a proteção de uma excursão. É um país com passado sem par, o presente muito complicado e sem boa perspectiva de futuro. Que convulsiona economicamente, no anticlímax de mais de uma década após a Primavera Árabe de 2011. Chamada pelos egípcios de “Revolução”, redundou na ditadura militar na qual são governados há nove anos pelo general/presidente Abdel Fattah el-Sisi. Desde que este derrubou seu antecessor eleito democraticamente, Mohamed Morsi.

O Egito de hoje projeta o que o Brasil poderia se tornar se Bolsonaro tivesse sido reeleito em outubro. Ou se a tentativa esquizofrênica de golpe dos seus apoiadores, em 8 de janeiro, tivesse algum efeito prático além de dar outro vexame verde e amarelo ao mundo.

Após cruzarem de carro, barco e avião o Egito de verdade, da África, do Mar Mediterrâneo ao norte, diante de Alexandria, até Aswan, perto da fronteira com o Sudão ao sul, pai e filho não estavam em Sharm el-Sheik pela condição de “ilha europeia” que lhe é atribuída. Mas por sua proximidade com o Monte Sinai. Esperavam na noite de 24 de janeiro por um ônibus ou van. Chegou um táxi, que os levou nos 211 km de estrada, enquanto caíam no sono boa parte da viagem.

Após chegarem, antes de ir ao banheiro, seguido por um beduíno para lhe cobrar pelo uso, o pai entregou ao motorista do táxi os passaportes brasileiros pedidos para autorizar a subida com as autoridades policiais. O filho, atento, seguiu os passaportes. Quando todos voltaram a se encontrar, o motorista apresentou o guia. Era um beduíno gentil, que se apresentou: Jamil. O nome relativamente comum ao Norte Fluminense, por sua grande migração sírio-libanesa, foi dado com a explicação em riso de orgulho contido: “Em árabe, Jamil significa ‘belo’”.

Apresentações feitas, o pai explicou ao guia que tivera uma crise de hérnia de disco na lombar, a dois dias de deixar o Brasil. Cujos sintomas, com dor aguda e travamento do corpo, tinham dado trégua após uma semana de tratamento com anti-inflamatórios e analgésicos fortes, receitados por seu clínico e levados na bagagem, além de sessões diárias de alongamento da coluna, para espaçar as vértebras. Mas aquela viagem, pela Holanda e o Egito, tinha sido de caminhadas intensas. Como seria depois, por Israel, Palestina e França. O ritmo de subida e descida, portanto, teria que ser lento, com a possibilidade de a hérnia voltar a travar o corpo.

Já era o início da madrugada de 25 de janeiro quando iniciaram do Mosteiro de Santa Catarina, templo cristão em atividade mais antigo do mundo, o tracking de 6 km de subida ao maciço de granito de 2.285 metros. Monte Sinai no nome grego dos cristãos, Monte Horebe (“Monte de Deus”) dos judeus e Jebel Muça (“Monte de Moisés”) dos árabes. É igualmente sagrado em sua força ainda viva de Big-Bang às três religiões. De seu cume, Moisés teria descido com os 10 Mandamentos dados por Deus, para guiar o povo israelita do cativeiro no Egito à Canaã (a “Terra Prometida”), em peregrinação de 40 anos pelo Deserto do Sinai.

Narrada no segundo capítulo do Velho Testamento, a aventura do Êxodo, de certa maneira, era a bússola à viagem de pai e filho. Entre os contornos de rochas e camelos na penumbra de 3.300 anos depois, alugados por condutores beduínos para quem não aguentasse subir em pernas próprias. E sob um céu cada mais estrelado à medida em que se subia. Lindo com a Polar a apontar o Norte, mas alienígena ao nosso Hemisfério sem o Cruzeiro do Sul.

Após os olhos se acostumarem a ela, a ausência de luz incomodava menos que sua presença nas lâmpadas dos pontos de parada espaçados no caminho. Ao longe, cegavam mais que a escuridão. Pararam em dois deles, onde beduínos vendiam café, chá e chocolate quente. Como tinham levado água, pai e filho não quiseram beber mais nada. Pelo passo mais lento do primeiro, preocupado em não forçar a lombar, Jamil se ofereceu para levar sua mochila. Oferta que foi cordialmente recusada: “shkran!” (“obrigado”).

Após passarem vários pontos com neve, chegaram um pouco antes de 3h da manhã ao último ponto de parada antes do cume. Antes dele, ainda restavam os 750 íngremes degraus escavados no granito do Sinai, para chegar onde Moisés chegou e tentar ver o que ele viu. Com Jamil, entraram em uma tenda beduína. Como não havia mais ninguém, além deles e do dono do local, o pai pediu licença para tirar seu infalível casaco Face North e a camisa de malha, ensopada da subida. Limpou o suor do torso nu com a toalha que a experiência brasileira da subida do Pico da Bandeira lecionara levar. E vestiu a outra camisa de malha seca que também levou, para evitar a hipotermia pela umidade, tão logo o corpo esfriasse.

Como havia recomendado muito que o filho fizesse o mesmo, o pai lhe passou a toalha. Vestiu novamente o casaco e aceitou a sugestão para alugar um cobertor pesado de lã de camelo e repousar um pouco, antes do sol nascer, em uma tenda dormitório ao lado. Quando lá deitou, com a mochila de travesseiro, estava sozinho na escuridão. Dormiu um pouco, acordou e viu que ainda era noite. Mas já contava uma dezena de vultos deitados ao seu lado. Retomou o sono até ser acordado pelo guia, que lhe informou que o filho estava em crise de hipotermia. Da boca da tenda, já vazia de outras pessoas, entrava o rubro ainda esmaecido do dia em trabalho de parto.

Foi rápido de uma tenda à outra, levando suas coisas e o cobertor beduíno. Encontrou seu filho enrolado em outro, sentado. Já parara de tremer e bebia um chocolate quente, mas estava pálido e assustado, pela reação do corpo aos 5 °C negativos, ao cansaço da subida sem descanso e ao enxugamento do torso talvez aquém do necessário. O pai disse que levaria os dois cobertores grossos para lhe esquentar no cume. E que, para chegar lá, “só” faltavam 750 degraus. Que teriam que encarar sem demora, pois o sol já ia nascer.

Com o filho ainda baqueado e o pai desequilibrado pelo peso dos cobertores, deram a arremetida final desajeitados entre os degraus altos escavados na pedra, mas subiram. Estava frio no cume, mas felizmente não ventava muito. O pai achou um lugar ainda vazio de ocupantes e com uma boa vista. Colocou seu filho numa fenda, protegido em ângulo de 90° de pedra, envolvido nos cobertores grossos de lã de camelo.

Afastou-se para ficar fisicamente sozinho, se ajoelhou, rezou e agradeceu. Acima das nuvens e dos outros cumes da cordilheira Sinai Mountain Range. Tinha à sua frente o precipício e o sol que nascia no horizonte, como todo homem diante de Deus.

 

Publicado hoje na Folha da Manhã.