Abril da barbárie em Campos dos Goytacazes

 

“O grito” de Edvard Munch e Campos dos Goytacazes (Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

 

Barbárie no abril goitacá

Infelizmente, os casos de violência têm se tornado rotina em Campos. E ganham contornos cada vez mais bárbaros. Na segunda (24), uma bebê de 28 dias foi levada para o Hospital Ferreira Machado (HFM), com diversas fraturas, inclusive no crânio. Foi arremessada pela própria mãe contra a parede da casa onde moram, na Tapera. A autora, de 25 anos, foi presa no final da tarde do mesmo dia por agentes da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam), onde o caso foi registrado. Segunda a avó da bebê, a mãe estava alcoolizada. E, após uma discussão com o padrasto, pegou a criança do colo da avó e a arremessou.

 

Terror de Blumenau a Campos

A violência contra menores e entre eles aterrorizaram o município neste mês de abril. Tudo começou com o massacre numa creche de Blumenau, em Santa Catarina, no dia 5. No qual três meninos e uma menina, entre 4 e 7 anos, foram barbaramente assassinados a golpes de machadinha por um sociopata. No dia 12, fruto da disseminação do ódio a partir das redes sociais, o episódio teve seu primeiro reflexo em Campos. Quando seis menores foram apreendidos e encaminhados à 134ª DP, por agentes da Guarda Civil Municipal (GCM). Eles entraram na Escola Municipal Amaro Prata Tavares, no Centro, com uma réplica de arma.

 

Facão, machado e coquetel molotov

No dia 13, a coisa foi um pouco pior. Um estudante de 13 anos foi apreendido no final da manhã daquela quinta-feira com um facão, um machado e um coquetel molotov, em Guarus. O adolescente e os pais estiveram na 146ª DP de Guarus, acompanhados por um advogado. De acordo com pessoas ligadas à família, o estudante teria se arrependido da atitude e não chegou a promover a ação. Que chegou a planejar para realizar em uma escola. Por orientação da secretaria estadual de Segurança, com medo ao aumento de casos análogos em território fluminense, a Polícia Civil não se pronunciou sobre o caso.

 

Frequência escolar ferida

Com a propagação dos casos e de notícias na internet, com ameaças de ataques a unidades escolares do município no dia 20, o movimento naquele dia foi relativamente tranquilo. Muito também por conta da mobilização da Polícia Militar e da GCM nas escolas de Campos. Mas o medo causou danos. Uma as escolas que recebeu atendimento das Forças de Segurança Pública, o Ciep 144 Carmem Carneiro, no Parque Eldorado em Guarus, recebeu naquele dia menos da metade do seu fluxo médio de 450 alunos, do ensino infantil ao 9º ano, no período da manhã. A mesma queda na frequência se reproduziu em quase todas as escolas da cidade.

 

Apreensões e prisões

Na segunda (24) um desses disseminadores de terror foi identificado e apreendido. Era um adolescente de 14 anos do município vizinho de Cambuci, de onde difundida ameaças na internet às escolas da sua cidade e municípios vizinhos. Policiais do 36º BPM, de Santo Antônio de Pádua, apreenderam com o menor um notebook, um celular, um tablet e um cartão de memória. Após a onda de ameaças de ataques, uma força-tarefa do governo do Estado do Rio identificou e derrubou 123 perfis de redes sociais que propagavam ameaças, realizou 27 buscas e apreensões, apreendeu 21 menores e prendeu quatro maiores.

 

Contra o ódio, a lei

A violência, infelizmente, é inerente ao ser humano. Manifesta-se numa mãe que fez o que nenhum outro animal seria capaz de fazer: atirar a própria cria recém-nascida contra a parede. Ou num psicopata que entra uma creche e mata quatro crianças a golpes de machadinha. Os dois casos reacenderam no debate popular a adoção da pena capital, que a Constituição do Brasil só prevê em casos de guerra. Curioso é que aqueles que pregam matar para provar que matar é errado são os mesmos que abraçaram a cultura de ódio no país. E agora são contrários à guerra contra esse mesmo ódio, que urge ser travada na regulação das redes sociais pela lei.

 

Da estupidez à arte (I)

Em meio à estupidez que marcou Campos neste mês de abril, nem tudo está perdido. Um dos caminhos para uma sociedade perdida se achar é através da arte. Professor do IFF, o campista Adriano Moura foi um dos 20 autores fluminenses premiados no concurso de contos “Um olhar sobre o amanhã”, promovido pela secretaria estadual de Cultura. O tema foi inspirado na obra do escritor francês Marcel Proust, “Em busca do tempo perdido” e no conceito de escrevivência da escritora brasileira Conceição Evaristo. Além da premiação em dinheiro, o conto “Cheiro de passado”, de Adriano, será publicado numa antologia impressa com os textos vencedores.

 

Da estupidez à arte (II)

Outra prova da pujança cultural do município, o Sarau Cultural será promovido às 19h desta sexta (28), no Museu Histórico de Campos, com entrada franca. Promovido pelo poeta Artur Gomes, com a participação do músico e ator sanjoanense Saullo de Oliveira, terá como objetivo de estar reverenciar no Museu a memória de artistas que marcaram sua passagem em vida pela cidade de forma singular, no teatro, na música, e na poesia, tais como: Kapi, Félix Carneiro, Maria Helena Gomes, Lucia Miners e Yve Carvalho. “É uma honra poder homenagear dois mestres da arte campista, que são o Antônio Roberto Kapi e o Yve Carvalho”, reforçou Saullo.

 

Publicado hoje na Folha da Manhã.

 

Por que Lula e seu governo vêm perdendo aprovação?

 

Ao slogan do Lula 3, “O Brasil voltou”, quem voltou foram as pesquisas. Perto do fim do quarto mês do país sob nova direção, não mais para medir intenções de voto, mas de avaliação de governo e do comportamento do presidente. Que revelam uma tendência talvez precoce de perda de popularidade. Inclusive na região Nordeste e entre o brasileiro pobre, com renda familiar mensal até 2 salários mínimos. Foram os dois nichos do eleitorado que deram a vitória apertada, por 1,8 ponto, do petista sobre Jair Bolsonaro (PL) no segundo turno de 2022

Ontem (19), o instituto Quaest divulgou sua pesquisa, feita entre 13 e 16 de abril, com 2.015 eleitores de todo o país e margem de erro de 2,2 pontos para mais ou menos. Que (confira aqui) confirmou a tendência de perda de popularidade de Lula retratada antes nas pesquisas Ipec (antigo Ibope) também de abril e Datafolha de março. Ela sofreu o mesmo processo de análise objetiva que, neste blog e na Folha da Manhã, permitiu antecipar em 2022 o favoritismo de Lula, de Cláudio Castro (PL) a governador e de Romário (PL), a senador. Todos confirmados nas urnas de outubro.

As pesquisas sofreram muitos ataques no processo eleitoral do ano passado, inclusive ameaças de criminalização e censura do Congresso Nacional comandado por Arthur Lira (PP/AL). Que se reproduziram na acefalia das redes sociais e até em alguns analistas mais experimentados da mídia tradicional, que envelheceram para trocar a razão pelo negacionismo. Como a perda de aprovação popular de Lula e seu governo, registrada ontem na Quaest, sofreu ataques vindos da paixão lulopetista, tão mitificadora quanto a produzida pelo bolsonarismo.

Dos “mitos” e a acefalia dos seus crentes à luz da razão, a análise inicial da pesquisa Quaest, feita em parceria com William Passos, geógrafo com especialização doutoral em Estatística pelo IBGE, buscou outros analistas também qualificados. E, para saber como e por que anda este início do Lula 3, colheu as impressões da historiadora Guiomar Valdez, do economista Roberto Rosendo, do sociólogo José Luis Vianna da Cruz, do cientista político Marcelo Viana, do jornalista Cilênio Tavares, da advogada Sana Gimenes, do blogueiro Edmundo Siqueira, do articulador político Luciano D’Ângelo, do ex-prefeito Sérgio Mendes, do reitor do IFF, Jefferson Manhães de Azevedo; do sociólogo Brand Arenari e do radialista José Vitor Silva.

 

(Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

Guiomar Valdez, historiadora e professora

Guiomar Valdez — “Os resultados negativos nas pesquisas apresentadas dos quase quatro meses do governo Lula 3, incluindo o Nordeste e com o brasileiro pobre, envolveriam um conjunto de fatores, cujos os pesos para estes resultados, infelizmente não ouso apontar, por enquanto. São eles: a) a vitória eleitoral apertada, que chegou, em parte, devido aos ‘não petistas esclarecidos’ quanto à questão da democracia brasileira; b) efeito do 8 de janeiro de 2023, inesperado, mas, para o bem ou para o mal, ocupou um espaço prioritário de ações do governo, cujo efeito justificador já passou; c) reforma do arcabouço fiscal, muito alardeada, mas, sua construção diante dos diferentes atores para negociações e alinhamentos, em especial, na Câmara dos Deputados, onde o governo não tem maioria, alongou o processo de comunicação massiva de forma objetiva e positiva; d) viagem à China + declarações inadequadas + reação dos EUA + meios de comunicação uníssonos da condenação das declarações, soma que criou um ambiente como se estivéssemos nos tempos da Guerra Fria (1947/1991), sem nenhum espírito crítico apurado para apresentar aspectos da crise de hegemonia dos EUA, penso, às vezes, que se impõe um negacionismo ou uma fuga para frente deste fato, na geopolítica e geoeconomia do mundo atual. É mais cômodo resumir tudo numa guerra entre EUA x Rússia, democracia x ditadura, capitalismo x comunismo, aos moldes norte-americanos, do que enfrentar com todo cuidado, todo rigor, com autonomia e independência, essa questão; e) ‘é a economia, estúpido!’, afirmação com a qual concordo plenamente, porque é estrutural em qualquer análise social. E a economia não vai bem, economia é processo.

Em quatro meses, considerando o imbróglio do contexto político brasileiro em que se inicia este governo, não daria para se ter resultados positivos, em especial, para as frações de classes médias e para os brasileiros pobres e miseráveis. E, muito menos, para os eleitores não petistas que votaram em Lula no segundo turno de 2022.

Dessa maneira, compreendo um pouco os resultados negativos das pesquisas apresentadas sobre o governo Lula 3. Sendo honesta e responsável, não posso lacrar com sentenças. A História me impede e não me dá instrumentos de análises suficientes para lacrações em tão curto espaço de tempo. Não sei se o lulismo vai triunfar, não torço para o quanto pior melhor. Mas, que eles (o governo) têm que ter cuidado crítico, ah, isso têm que ter!”

 

Roberto Rosendo, economista e professor

Roberto Rosendo — “Também acho que algumas declarações do Lula têm sido muito inoportunas e infelizes. Também concordo que as expectativas com relação à sua eleição foram muito elevadas e geram frustrações. Já no terceiro mandato, os erros no trato político do Lula surpreendem”.

 

José Luis Vianna da Cruz, sociólogo e professor

José Luis Vianna da Cruz — “Eu não tinha nenhuma expectativa com relação ao início do governo. Porque não dá para dizer que o que está acontecendo é normal, ou natural, em relação a pesquisas anteriores, mandatos anteriores, até em relação ao próprio Bolsonaro ou aos outros mandatos de Lula. Porque é muito atípico, o mandato foi iniciado com uma questão crucial, que foi perspectiva de golpe. Isso absorveu, mobilizou não só as forças do governo, como do Congresso, do Judiciário, da oposição, reativamente; mídia. Foi um começo extremamente atípico, e nós só passamos três meses. Isso ainda está no centro da questão, não é um fato isolado: o que nós vamos fazer com o 8 de janeiro? No STF, agora também no Congresso, com a CPMI. Tudo isso implica em se apropriar do governo, da máquina. Agora temos o caso do general Gonçalves (Dias, que pediu demissão do cargo de ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional de Lula, após ser flagrado em vídeo do 8 de janeiro).

Tem outros fatos que particularizam essa conjuntura do novo governo Lula. A vitória foi apenas por 1,8 ponto. Os derrotados saíram fortes, não só por representarem uma parcela significativa da população: são esses 30% (29% na pesquisa Quaest) que têm avaliação negativa do governo Lula. Isso está consolidado, não é o legado Bolsonaro, é o que já existia antes, Bolsonaro canalizou para ele e a extrema direita conseguiu reunir e transformar numa massa orgânica de sustentação. Foi essa direita que sustentou o governo Bolsonaro e se elegeu (a deputados federais e senadores). Eles são maioria no Congresso, perderam a presidência da República por 1,8 ponto e 30% da sociedade os sustenta. Quem está nessa posição, vai para a ofensiva. O governo Lula começa nesse contexto: reação ao golpe, arrumação e viabilização da capacidade de governar, tendo que lidar com o Congresso.

Tem o fato das promessas, que está na pesquisa e na análise da Folha. As promessas, todas, dependem de regulamentação, dependem de aprovação do Congresso e de estar ajustada a máquina. Finalmente, ‘é a economia, estúpido’, como diria o assessor (James Carville) do Clinton. A questão econômica é mais pesada ainda. É um governo que entra para fazer uma mudança radical na economia, inverter o rumo. E o Banco Central está alinhado com o bolsonarismo, criando obstáculos, para inviabilizar o governo. Que junto com toda a esquerda democrática, ainda está tomando de lavada nas redes sociais.

Na disputa de narrativa, também na grande mídia, há o discurso de que o governo não entregou nada, de que as promessas não estão sendo cumpridas, de que está paralisado, de que está só na questão discursiva do Lula, que realmente merece restrições e reparos na verborragia dele. E como não pode se mexer ainda na economia, nos direitos e tudo mais, por essas razões políticas que eu coloquei e formam um contexto inédito, obviamente que há desgaste. O nó está aí, e é político”.

 

Marcelo Viana, cientista político e pesquisador

Marcelo Viana — “Achei muito equilibrada a análise da Folha da pesquisa Quaest sobre a aprovação popular de Lula e seu governo. Eu particularmente fiquei intrigado com dois aspectos da consulta. O percentual alto de conhecimento e aprovação de medidas adotadas pelo governo neste início. O alto percentual de rejeição às mudanças tributárias da Shein/Shopee: 12%. Seria esse último aspecto o elemento fundamental na piora da avaliação? A conferir nas próximas. Acho que as declarações sobre política internacional têm mais impacto na classe média”.

 

Cilênio Tavares, jornalista

Cilênio Tavares — “Eu ainda acho muito cedo para fazer avaliações, levando-se em conta ser ainda início de governo, mas concordo que Lula anda falando bobagem. Pilhado com assuntos que poderia driblar, sem dificuldade. Dando pitaco em coisas que não lhe competem. Vide os casos Moro e, agora, do empresário brasileiro preso nos Emirados Árabes (Thiago Brennand, com quatro mandatos de prisão expedidos no Brasil por agressão e estupro, e em quem Lula disse que ‘daria um murro’), apenas como exemplos.

 

Sana Gimenes, advogada, socióloga e professora

Sana Gimenes — “Acho que a avaliação da pesquisa Quaest é por aí mesmo. Muita expectativa e necessidade de um povo empobrecido. E muita garganta de um Lula que parece não entender realmente que venceu as eleições por uma margem muito pequena”.

 

Edmundo Siqueira, blogueiro, jornalista e servidor federal

Edmundo Siqueira — “Acredito que parte reflete a parcela do eleitor pró-democracia. E que, vencida essa etapa, embora haja um risco grande da volta da extrema direita, e as coisas se acomodando, tem um olhar crítico ao governo. Talvez esse seja o tamanho real do lulismo hoje, de fato. Mas as oscilações maiores são do “brasileiro médio”. Esse não entende bem, ou quase nada, de Rússia e Ucrânia, não sabe como anda o mandato de Moro e qual o risco de dar evidência política a ele.

Creio que o grosso da queda de popularidade pouco tem relação com as declarações de Lula, mas sim de um sentimento de frustração vindo do imediatismo. Espera-se que uma simples mudança de governo provocará alterações estruturais. E não é assim que funciona. A economia tem seu tempo.

Tem uma vertente que acredita que Lula está derrapando por ansiedade das coisas darem certo. Eu desconfio que ele esteja sendo assessorado mal, por uma turma raivosa e ressentida do PT”.

 

Luciano D’Ângelo, articulador político, matemático e professor

Luciano D’Ângelo — “As pesquisas ajudam a gente a compreender a realidade. Muito embora possa acontecer com elas as avessas do que acontece com as pesquisas eleitorais. Quando o instituto pergunta se o governo Lula está fazendo o que prometeu e não demarca o tempo, principalmente para o eleitor mais desavisado, parece que o Lula tem que cumprir essas promessas em 100 dias. E isso é de uma falsidade muito grande. É uma indução a você responder “não”. É preciso haver um certo destrinchamento das perguntas em relação às respostas. E fazer pesquisa de popularidade com 100 dias, com uma sociedade completamente radicalizada, com um governo que foi assaltado de maneira violenta no dia 8 de janeiro e tem problemas na elaboração das medidas mais emergenciais num Congresso com muita força bolsonarista, não permitia nenhuma perspectiva de resultado positivo em pesquisa para o Lula. E não vai ser em mais 100 dias que esses resultados virão. Provavelmente, eles piorarão. Eu e algumas pessoas com quem converso dentro do PT estamos preparados para muita dificuldade.

Mas por que o Lula anda falando mal do dólar? Essa questão pode ter alguma ingerência no setor que estava contando continuar com uma economia totalmente dolarizada, e daí tirar seus benefícios. Mas essa não é a questão central. Eu até acredito que ele arrancou esses R$ 50 bilhões da China, porque o Biden foi mal. Não entregou nada (quando Lula foi aos EUA em fevereiro), a não ser um apoio à questão democrática, que foi de graça, não custou nada. E o governo Lula precisa de recursos em todas as suas iniciativas para consertar o estrago que foi feito. Eu trabalho o prazo de 1 ano. E, assim mesmo, se o acerto com o Congresso Nacional for propositivo. Caso contrário, nós não teremos pesquisa nenhuma privilegiando o governo do Lula. Por mais que ele se esforce para agradar a parcela mais popular, com medidas assistenciais. Algumas ele até já tomou, como esse plus que deu ao Bolsa Família, com R$ 150 por filho. E algumas outras que não chegaram a ter ainda nenhum tempo de execução.

Fico satisfeito com o fato das pesquisas voltarem, mas preocupado com o nível das perguntas. Que elas se aprimorem e ajudem até o governo a se acertar”.

 

Sérgio Mendes, jornalista e ex-prefeito de Campos

“Uma parte do eleitorado que migrou para o candidato Lula, o fez porque desejava dar um basta na disseminação do ódio, da misoginia, da anticultura, enfim, da deformação do caráter da República. Essa parte hoje não concorda com essa postura revanchista, por vezes desarvorada do presidente; daí a queda na sua imagem pessoal. Quanto a avaliação do governo, é bem verdade que o cenário do Lula 3 é diferente dos anteriores. Porém, construir é fácil. Destruir também. Agora, reconstruir o que foi destruído, penso eu, requer um pouco mais de acuidade e tempo”.

 

Jefferson Manhães de Azevedo, professor e reitor do IFF

Jefferson Manhães de Azevedo — “Sempre digo que estávamos, metaforicamente, em um contexto nacional de uma mar revolto e ventos contrários, especialmente na aérea de educação, ciência e tecnologia. Agora, o mar continua revolto, porém os ares se apresentam mais frescos. Apenas nesses três meses, por exemplo, os recursos para a ciência e tecnologia estão sendo recompostos e as bolsas de pesquisa reajustadas. Houve também a recomposição do orçamento dos Institutos e Universidades Federais, tão duramente prejudicados nos últimos anos. Após seis anos, os servidores públicos tiveram reajustes nos seus salários. Porém, ainda assistimos com perplexidade o quanto a administração pública federal foi desmobilizada em suas ações e aparelhada por uma concepção ideológica autoritária e desrespeitosa com os princípios republicanos e democráticos.

A economia do país veio despencando, especialmente no último ano, com consequências que ainda estamos vivenciando. E que, a meu ver, impacta profundamente na vida e na percepção das pessoas com relação à governança nacional. Levaremos tempo para reconstruir e unir nosso país. Acredito que o presidente Lula esteja com muita vontade de reverter esse quadro herdado de descaso com a vida e as pessoas de maneira mais rápida do que a possível. Há uma indústria de mentiras, potencializadas pelas redes sociais, que estimula e forma uma cultura de ódio e nos divide como nação. Um dos sintomas são os ataques aos espaços escolares. Espaços que deveriam ser de esperança, alegria, aprendizado e solidariedade. Tempos difíceis que exigem o compromisso de todos nós para a construção de uma cultura de paz”.

 

Brand Arenari, sociólogo e professor

Brand Arenari — “Sou bem conservador na análise de pesquisas, no sentido de preferir esperar para ver as coisas. Mas é claramente uma tendência de queda na aprovação popular de Lula. Não despencou, mas é uma tendência de queda. Neste momento, eu atribuiria ao fato de que ele (Lula) gerou muita expectativa, sobretudo no sentido econômico, da volta do consumo das classes populares, e isso não aconteceu. Apesar do salário mínimo ter aumentado, isso é muito pouco para a expectativa que se criou. Acho que há um desgaste de decepção em relação a isso. E é natural, foi uma votação muito apertada e ele vai sangrando um pouco. A minha primeira impressão é essa, mas vamos esperar um segundo momento, se vai manter isso. Uma parte da percepção dessa população mais pobre que ele perdeu, e no Nordeste, talvez não esteja tão ligada assim na política internacional, por exemplo. Talvez isso não tenha contaminado. O desgaste é outro. As pessoas não iam beber cerveja e comer picanha? Cadê a cerveja e a picanha? Não estão ali”.

 

José Vitor Silva, radialista

José Vitor Silva — “Além da queda de popularidade, percebo uma dificuldade na consolidação da base de apoio, principalmente na Câmara, onde Lira quer atuar como primeiro ministro. É preciso trabalhar e ter cuidado para que não sofra uma derrota nas eleições das mesas diretoras como em 2005, com Severino Cavalcanti (político conservador do Centrão eleito presidente da Câmara de Deputados naquele ano, surpreendendo o governo Lula 1).

 

Turismo e política de Campos no Folha no Ar desta 5ª

 

(Arte: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

Psicólogo e secretário de Turismo de Campos, Hans Muylaert (PV) é o convidado para encerrar a semana do Folha no Ar nesta quinta (20), ao vivo, a partir das 7h da manhã, na Folha FM 98,3. Ele explicará como pretende reverter o subaproveitamento do turismo no município, questão ligada à preservação do patrimônio histórico goitacá.

Hans também falará da pacificação entre Garotinhos e Bacellar na Câmara Municipal, analisará o governo Wladimir (sem partido) e tentará projetar as urnas municipais de 2024.

Quem quiser participar ao vivo do Folha no Ar desta quinta poderá fazê-lo com comentários em tempo real, no streaming do programa. Seu link será disponibilizado alguns minutos antes do início, na página da Folha FM 98,3 no Facebook.

 

Lula perde aprovação até no Nordeste e nos mais pobres

 

(Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

Fruto das declarações infelizes que tem produzido, tanto em âmbito doméstico (confira aqui) quanto no internacional (confira aqui), como das esperadas dificuldades econômicas herdadas de Jair Bolsonaro (PL), Lula (PT) e seu governo vêm perdendo aprovação popular. Após as pesquisas Datafolha de março e Ipec (antigo Ibope) de abril terem registrado isso (confira aqui e aqui), hoje foi a vez da consulta da Quaest Pesquisa e Consultoria revelar o mesmo movimento. Comparada com a pesquisa de fevereiro, Lula perdeu 4 pontos de avaliação positiva: de 40% aos 36% de abril. E, fora da margem de erro de 2,2 pontos para mais ou menos, viu sua avaliação negativa crescer 9 pontos: dos 20% de fevereiro aos atuais 29%.

 

(Infográfico: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

Comportamento de Lula como presidente — Na avaliação regular, o governo Lula cresceu 5 pontos nos dois últimos meses: de 24% a 29%. Os que não sabiam ou não responderam eram 16% em fevereiro, caindo 10 pontos até os 6% de abril. Mas a popularidade de Lula piorou ainda mais quando se trata da avaliação do seu comportamento enquanto presidente. Na qual perdeu 12 pontos de aprovação: dos 65% de fevereiro os 53% de abril. São quase os mesmos 11 pontos que ganhou entre os que desaprovam seu comportamento neste terceiro mandato presidencial. Em fevereiro, eram 29% dos brasileiros. E, em apenas dois meses, cresceram aos 40% de hoje. No mesmo período, os que não souberam ou não responderam oscilaram de 6% a 7%.

 

(Infográfico: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

Nordeste — Em 30 de outubro de 2022, Lula se elegeu presidente por apenas 1,8 ponto de vantagem sobre Bolsonaro: 50,9% a 49,1% dos votos válidos. E, das cinco regiões do Brasil, ganhou o segundo turno em apenas uma: a do Nordeste, que deu 69,34% dos votos válidos ao petista, contra 30,66% do capitão. E a pesquisa Quaest divulgada hoje indicou que o presidente vem perdendo popularidade até no Nordeste. Sua avaliação positiva na região caiu 9 pontos, dos 62% de fevereiro aos 53% de abril. É quase a mesma coisa dos 8 pontos que cresceu na avaliação negativa: de 10% aos atuais 18% dos nordestinos. Entre os quais a avaliação regular do governo também cresceu, mas dentro da margem de erro: de 22% aos atuais 26%.

 

(Infográfico: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

Brasileiro pobre — A pesquisa Quaest não apresentou o recorte, entre as cinco regiões do Brasil, da aprovação do comportamento de Lula como presidente. Mas todas as pesquisas eleitorais de 2022 comprovaram que, tão importante quanto o Nordeste à vitória do petista, foi o voto do brasileiro pobre, com renda familiar mensal até 2 salários mínimos. Ainda majoritariamente lulista, essa faixa socioeconômica, no entanto, registrou queda de 10 pontos à aprovação do comportamento do chefe do Executivo: dos 71% de fevereiro aos 61% de abril. São os mesmos 10 pontos que Lula viu crescer a reprovação do seu comportamento entre os pobres: de 22% aos atuais 32%. Os que não responderam ou não souberam oscilaram de 7% a 8%.

 

(Infográfico: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

“É a economia, estúpido” — Eleito também na promessa de que esse brasileiro pobre voltaria a consumir “picanha e cerveja” no final de semana, como de fato pôde em seus dois primeiros governos, Lula até aqui colhe a frustração da expectativa em seu terceiro mandato de presidente. Quando perguntada em abril se o presidente tem conseguido fazer aquilo que prometeu, a maioria de 55% dos brasileiros respondeu que não, contra 35% de sim e 9% que não souberam ou não responderam. Indagados sobre o principal problema do país, para 31% é a economia, oscilação de 2 pontos em relação aos 29% de fevereiro. Em segundo lugar, as questões sociais tiveram queda real de 7 pontos: de principal problema para 29% em fevereiro, é hoje para 22%.

 

(Infográfico: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

William Passos, geógrafo com especialização doutoral em Estatística pelo IBGE

Análise do especialista — “Na segunda pesquisa Quaest sobre a avaliação do Lula 3, realizada entre 13 e 16 de abril, ouvindo 2.015 pessoas, há a percepção de piora da qualidade e da capacidade de entrega do governo, assim como do comportamento de Lula como presidente, não apenas entre os eleitores de Bolsonaro em outubro passado, mas também entre os eleitores do próprio Lula. E o determinante desta percepção é a sensação de que a economia não melhorou. Para 31% da amostragem dos brasileiros ouvida, a economia continua sendo o pior problema do país. Dos principais problemas do país, somente as questões sociais melhoraram, na avaliação dos entrevistados, passando a ser um problema para apenas 22% dos brasileiros, contra 29% em fevereiro. Esta melhora está associada ao relançamento do Bolsa Família de R$ 600, aprovado por 77% da população”, avaliou William Passos, geógrafo com especialização doutoral em Estatística pelo IBGE.

 

As besteiras que Lula anda dizendo mundo afora

 

Lula, Vladimir Putin, Volodymyr Zelensky e Xi Jinping (Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

 

As besteiras de Lula (I)

A quem votou em Jair Bolsonaro (PL) no segundo turno de 2022, como 63,15% do eleitorado de Campos, a má vontade com o presidente Lula (PT) é regra. Mas mesmo entre os 36,86% dos campistas que votaram no petista, sobretudo aos que o fizeram por rejeição a Bolsonaro, incomodam as besteiras que Lula anda dizendo. Que ganharam projeção mundial. Após visitar a China, Lula esteve no domingo (16) em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes. Onde acusou os EUA e a Europa de darem “contribuição para a continuidade” da Guerra da Ucrânia. E nivelou a invasora Rússia à vizinha invadida: “a decisão da guerra foi tomada por dois países”.

 

As besteiras de Lula (II)

A primeira declaração polêmica de repercussão internacional foi dada por Lula ainda na China. Na última quinta (13), ele defendeu o uso de uma moeda alternativa ao dólar no comércio internacional entre os Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Pode ter sido só uma bravata para agradar os chineses, em guerra comercial aberta com os EUA. Mas o petista desempenhou seu papel como presidente do Brasil em visita ao seu maior parceiro comercial. Trouxe uma tática geopolítica embutida: pois Lula não conseguiu nada de concreto ao Brasil dos EUA, em sua visita anterior, de fevereiro. E trouxe R$ 50 bilhões em acordos com a China.

 

As besteiras de Lula (III)

Até que Lula desembarcou nos Emirados Árabes no domingo. Onde também conseguiu fechar parcerias no valor de R$ 12 bilhões. Mas disse suas besteiras sobre a Guerra da Ucrânia. Não só porque passou do limite na provocação aos EUA, metendo também a União Europeia (UE) no bolo, como por princípio ético universal: colocou no mesmo patamar a agressora Rússia à agredida Ucrânia, como se esta fosse culpada por reagir à invasão armada ao seu território. Em paralelo ao que condena a esquerda identitária que votou em peso na sua eleição, Lula culpou a vítima pelo estupro. Prática, aliás, disseminada entre os soldados russos na Ucrânia.

 

As besteiras de Lula (IV)

As provocações aos EUA e à UE foram ainda mais desastrosas pelo contexto. Lula falou em Abu Dhabi já sabendo que o ministro das Relações Exteriores da Rússia, o experiente Sergey Lavrov, estaria no Brasil na segunda (17). Na qual o principal parceiro de Putin na Guerra da Ucrânia iniciou um tour entre os seus aliados latino-americanos: além do Brasil do Lula 3, as ditaduras de esquerda da Venezuela de Nicolás Maduro, da Nicarágua de Daniel Ortega e da Cuba de Miguel Díaz-Canel, herdeiro dos irmãos Castro. O que, junto à retomada das invasões do MST no Brasil, oferece roteiro perfeito às teorias da conspiração “comunistas” da extrema direita.

 

As besteiras de Lula (V)

Ex-agente da KGB, antigo serviço secreto da extinta União Soviética, quem acredita que Putin é de “esquerda” precisa rever as fotos e vídeos de Bolsonaro babando diante dele, na sua visita à Rússia em fevereiro de 2022. Quando o brasileiro ainda era presidente, em tom politicamente apaixonado, definiu o encontro de “casamento perfeito”. Distinto de Lula nas críticas devidas às ditaduras da Venezuela, Nicarágua, Cuba e Rússia, assim como à Guerra da Ucrânia, a moderna esquerda do presidente do Chile, Gabriel Boric, não deu a menor pelota para Lavrov. E espelhou, no mesmo reflexo latino-americano, como o lulopetismo envelheceu.

 

As besteiras de Lula (VI)

Fato é que as declarações de Lula em Abu Dhabi no domingo, seguidas da visita de Lavrov ao Brasil na segunda, geraram réplicas neste mesmo dia. Tanto os EUA, quanto a UE, deram respostas oficiais e duras ao boquirroto presidente brasileiro. “Repete a propaganda russa e chinesa como papagaio, sem olhar para os fatos”, acusou o porta-voz do Conselho Nacional da Casa Branca, John Kirby. “Não é verdade que os EUA e a UE estejam a prolongar o conflito. A verdade é que a Ucrânia é a vítima de uma agressão ilegal, uma violação da ONU”, retificou o porta-voz para Negócios Estrangeiros e Política de Segurança da UE, Peter Stano.

 

As besteiras de Lula (VII)

Constrangedor assistir à entrevista ao vivo do ex-ministro das Relações Exteriores de Lula, Celso Amorim, hoje assessor especial, à GloboNews na tarde de ontem. Em segredo depois revelado, ele viajou a Moscou em janeiro, para se reunir com Putin e Lavrov. E, questionado por que não foi também à Ucrânia, não teve resposta. Eleito em outubro com apenas 1,8 ponto de vantagem — ou “um espirro de pulga”, na definição do jornalista progressista André Trigueiro —, Lula precisa descer do céu de brigadeiro de 2003, quando assumiu como presidente a primeira vez. Para aterrissar no Brasil e no mundo de duas décadas depois.

 

As besteiras de Lula (VIII)

No mundo virtual de hoje, onde a primeira-dama Janja define se o comércio varejista da China vai ou não ser taxado, pelos prejuízos que causa diariamente ao comércio brasileiro que paga CLT no Brasil, Carluxo apitando no Governo Federal não é monopólio da extrema direita. Após ter a orelha puxada pelos EUA e UE, Lula deu para trás. Ontem, em almoço no Palácio do Itamaraty para Klaus Werner Iohannis, presidente da Romênia, vizinha da Ucrânia, o petista foi obrigado a ler para se redizer: “Ao mesmo tempo em que meu governo condena a violação da integridade territorial da Ucrânia, defendemos a solução política negociada para o conflito”.

 

Publicado na Folha da Manhã.

 

Da China, ao Brasil, a Campos no Folha no Ar desta 4ª

 

(Arte: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

Especialista em finanças e professor do Uniflu, Igor Franco é o convidado do Folha no Ar desta quarta (19), ao vivo, a partir das 7h da manhã, na Folha FM 98,3. Ele falará sobre a polêmica dos altos juros do Banco Central (BC), do projeto do arcabouço fiscal que chegou hoje (18) ao Congresso e da sua dependência da reforma tributária.

Igor também analisará a visita do presidente Lula (PT) à China e das suas declarações polêmicas sobre o dólar como moeda de referência ao comércio internacional e a Guerra da Ucrânia, que provocaram críticas dos EUA e da União Europeia (UE). Por fim, ele falará sobre a economia no governo Wladimir Garotinho (sem partido) e a projeção às urnas municipais de 2024.

Quem quiser participar ao vivo do Folha no Ar desta quarta poderá fazê-lo com comentários em tempo real, no streaming do programa. Seu link será disponibilizado alguns minutos antes do início, na página da Folha FM 98,3 no Facebook.

 

Lindbergh, Congresso e Lula 3 no Folha no Ar desta 3ª

 

(Arte: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

Deputado federal do PT fluminense e liderança do partido com papel relevante no governo Lula 3, Lindbergh Farias é o convidado do Folha no Ar desta terça (18), ao vivo, a partir das 7h da manhã. Ele falará da Câmara dos Deputados presidida por Artur Lira (PP/AL) dividida entre dois super-blocos do Centrão (o de Lira, com 175 deputados, e o do MDB, com 142), a raivosa oposição bolsonarista no PL (99 deputados) e a Federação do PT (81 deputados).

Lindbergh também analisará o trâmite no Congresso do projeto do novo arcabouço fiscal do ministro da Fazenda Fernando Haddad, bem como a proposta de reforma tributária, iniciativas comuns e fundamentais à retomada da economia no país. Por fim, o parlamentar falará da viagem de Lula à China e dos emblemáticos 100 primeiros dias do seu terceiro governo.

Quem quiser participar ao vivo do Folha no Ar desta terça poderá fazê-lo com comentários em tempo real, no streaming do programa. Seu link será disponibilizado alguns minutos antes do início, na página da Folha FM 98,3 no Facebook.

 

Cem dias de Lula na mesa do bar: flerte ao juízo do coito

 

 

— E os 100 dias do Lula 3? Pouco tempo, né? — indagou José Heitor, após tomar o primeiro gole do copo da Antarctica litrão que dividia com o amigo, entre as poucas opções de cerveja, compensadas pela vista do mar no boteco entre as ruínas de Atafona.

— Sim, é pouco tempo. E justamente porque tem mais 45 meses de governo à frente, Lula não deveria estar com tanta pressa — respondeu Aníbal, enquanto também erguia o copo à boca para molhar a palavra.

— Depois do descalabro dos quatro anos de Bolsonaro não era para ter pressa?

— Quem ainda defende Bolsonaro depois da fuga dele para os EUA, da tentativa de golpe de estado dos seus apoiadores em 8 de janeiro e do episódio das joias sauditas, propina escancarada por ter vendido abaixo do preço de mercado uma refinaria na Bahia aos xeques árabes, merece ser levado tão a sério quanto quem delira que a Lava Jato foi parida nos EUA, que o afastamento de Dilma foi golpe, ou finge poder ignorar o descalabro dela e de Mantega na maior recessão econômica da História do Brasil.

— Não tem como comparar. O motivo para o impeachment de Dilma foram as tais “pedaladas fiscais”. Que tiveram o inquérito arquivado pelo MPF. Foi golpe!

— Em primeiro lugar, “impeachment” é um anglicismo para deposição de rei na Inglaterra. Melhor faríamos se chamássemos o afastamento institucional de presidente pelo que de fato é. Que é como toda a América Espanhola o chama: “juicio político”, “julgamento político”. Dilma caiu em 2016 porque perdeu as ruas e o Congresso. Exatamente como foi em 1992, com Fernando Collor de Mello. Bolsonaro não caiu porque dominou as manifestações de rua e comprou o Congresso com o orçamento secreto.

— Depois de comparar Dilma com Bolsonaro, você agora a está comparando com Collor?

— Na incompetência dos três como presidentes, é briga de foice no escuro. Mas a comparação é outra. É sua!

— Minha?

— Sim! Sua! E é jurídica! Como Dilma no MPF, Collor foi inocentado pelo STF no caso do Fiat Elba, motivo oficial do afastamento dele. Se os dois não foram juridicamente culpados, por que foi “golpe” com Dilma e “impeachment” com Collor? Por que o PT foi protagonista do “fora Collor” em 1992, quando passou a dominar as ruas que perdeu em 2013, e foi posto para fora do poder em 2016 junto com Dilma? O critério, então, não é jurídico? É o que interessa ao PT?

— É… é… o assunto não era os 100 dias do Lula 3? Você está desviando o rumo da prosa! — acusou Zé Heitor, depois de engasgar com o gole de Antarctica, enquanto um surfista despencava da crista da onda, no mar castanho de rio diante deles.

— Olha, o PT é, talvez, o único partido do Brasil. Não é um algoritmo de ódio das redes sociais, navegando no ressentimento das tias e tios do WhatsApp. Que, no mundo real, hoje votam no PSL, amanhã no PL. O PT é orgânico, com base em sindicatos, servidores, magistério, universitários de humanas, bichos-grilos e LGBTQIA+. Só que todos teriam que amargar mais quatro anos de Bolsonaro sem os votos do centro. Que foram de Lula no segundo turno de 2022. Como definiram a vitória de Bolsonaro no segundo turno de 2018, votando nele ou nulo.

— Você está ignorando os votos dos pobres e do Nordeste, que deram a vitória a Lula!

— Não, não estou ignorando. Só que esses votos não são do PT; são de Lula. É o eleitor mais pragmático de todos. Não vai na onda da extrema direita e da esquerda identitária, que se digladiam por “ideologia” no conforto burguês da mesma classe média. O pobre vota com o carrinho de compras. Compara o que colocava nele com Lula, mas deixou de colocar com Dilma, com o que colocou nos quatro anos de Bolsonaro.

— Verdade! Nisso concordamos. O eleitor pobre ignorou até o Auxílio Brasil de R$ 600,00 de Bolsonaro para votar em Lula.

— Ignorou, sim. O Auxílio Brasil, mas não o empréstimo consignado. Desde agosto, Bolsonaro assumiu a liderança na classe média baixa, entre 2 a 5 salários mínimos, com a redução a fórceps do ICMS dos combustíveis. Quando também abriu muito nos evangélicos, com a ampliação da isenção fiscal aos pastores pentecostais. Mas só o consignado sangrou Lula no eleitor pobre, com renda até 2 salários mínimos. Começou a ser pago só em 10 de outubro, diminuiu e quase virou a pequena margem de 1,8 ponto que deu a vitória ao petista.

— Se o segundo turno fosse uma ou duas semanas depois, concordo de novo: é possível. Mas o fato é que não foi.

— A imensa maioria da população do Brasil está entre o pobre e a classe média baixa. O que vai definir se Lula mantem o primeiro e reconquista a segunda é a economia. Que depende do sucesso ou não do projeto do arcabouço fiscal de Haddad.

— E o que você achou?

— O texto final nem está pronto. E nasce xifópago de medula da reforma tributária. No mesmo Congresso controlado por Artur Lira. Totalmente alheio a essa discussão, o eleitor até 5 mínimos será o termômetro do resultado.

— E Lula na China, com líderes do MST e do agronegócio, falando contra o dólar e ao lado de Xi Jinping? E os 100 dias de governo?

— Estão como o flerte ao juízo do coito! — sentenciou Aníbal, ao som das ondas quebrando, enquanto buscava respostas na espuma da cerveja ao fundo do copo vazio.

 

Publicado hoje na Folha da Manhã.