De onde veio o tri de Lula e o que ele terá pela frente?

 

 

Como no dia anterior com o Flamengo, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) também é tri. Não é mais ex-presidente. Desde a noite de ontem, quando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) oficializou sua vitória, é o presidente eleito do Brasil. Após já ter ocupado o cargo duas vezes entre 2003 a 2010, seu terceiro mandato a partir de 2023 foi conquistado pela margem mais apertada desde a redemocratização do país: 50,9% dos votos válidos, contra 49,1% do ainda presidente Jair Bolsonaro (PL). Coincidência ou não, foi pouco mais de 1 ponto. Como único foi o gol rubro-negro de Gabigol no sábado, na final da Libertadores da América.

LULA, GETÚLIO E FHC — Com seu terceiro mandato presidencial, Lula se iguala a Getúlio Vargas, superado, no entanto, pela via sempre democrática das conquistas do petista. Que ontem superou também seu rival histórico, Fernando Henrique Cardoso (PSDB), eleito duas vezes presidente nos anos 1990. Após apoiar o vencedor no 2º turno de 2022, em defesa da democracia constantemente ameaçada nos últimos quatro anos, FHC ontem saudou a eleição do velho adversário e novo presidente: “Parabéns, Lula, pela vitória. Venceu a Democracia, venceu o Brasil!”. Do outro lado, na História do Brasil, Bolsonaro foi o primeiro presidente que não conseguiu se reeleger.

DE 2018 A 2022 — Em seu discurso de vitória ontem em um hotel de São Paulo, Lula disse: “Tentaram me enterrar vivo e estou aqui para governar esse país”. Referiu-se ao fato que o difere de qualquer outro presidente do Brasil: sua prisão em 7 de abril de 2018, após ser condenado por corrupção pelo então juiz federal Sergio Moro. Ele era pré-candidato e teria o registro da sua candidatura presidencial indeferido pelo TSE em 1º de setembro daquele ano eleitoral. Mas, mesmo encarcerado na sede da Polícia Federal em Curitiba, liderava a pesquisa Datafolha de 21 de agosto, com 39% de intenções de voto, contra apenas 19% de Bolsonaro. Só com Lula tirado da disputa e substituído por Fernando Haddad (PT), o capitão conseguiu se eleger presidente em 2018, para fazer de Moro seu ministro da Justiça.

A CONTA — Após quase quatro anos de governo Bolsonaro, o desafio de Lula a partir de 2023 não será pequeno. Além de ter que reunificar um país dividido como nunca nas urnas, terá que governar com um Congresso de maioria conservadora eleito em 2 de outubro. Após ser comprado por Bolsonaro com o Orçamento Secreto que consumiu 16,5 bilhões do dinheiro público em 2021, R$ 16,9 bilhões em 2022 e já tem reservados R$ 19 bilhões ao próximo ano. Somados, são R$ 52,4 bilhões, bem mais que os R$ 18,1 bilhões da soma dos escândalos de corrupção petistas do Mensalão e do Petrolão. Candidata a presidente no primeiro turno e aliada fundamental de Lula no segundo turno, a senadora Simone Tebet (MDB/MS) já disse: “O Orçamento Secreto é o maior escândalo de corrupção do planeta Terra”.

O VENCEDOR — Se tantos bilhões para compra de apoio parlamentar assustam, a tentativa fracassada de Bolsonaro se reeleger custou muito mais. Aprovado em 2021 pelo Congresso comprado pelo Orçamento Secreto, a PEC dos Precatórios deu o beiço em dívidas da União transitadas em julgado e estourou o teto orçamentário em R$ 65 bilhões. Foi para Bolsonaro tentar comprar o voto do eleitor pobre com o Auxílio Brasil de R$ 400,00. Aprovado em 2022 pelo Congresso comprado pelo Orçamento Secreto, a PEC Kamikaze estourou o teto orçamentário em mais R$ 41,2 bilhões. Para Bolsonaro tentar mais uma vez comprar o voto do eleitor pobre, com o Auxílio Brasil de R$ 600,00. E o pobre pegou o Auxílio Brasil com uma mão e com outra votou em Lula. Não foi ele, mas o pobre que o elegeu, o vencedor da eleição.

NOVA REPÚBLICA x REPÚBLICA VELHA — Mas a conta de Bolsonaro na tentativa fracassada de comprar com dinheiro público o voto do pobre que votou majoritariamente em Lula, virá. Ex-presidente do Banco Central nos dois governos anteriores do petista, Henrique Meirelles estima que os estouros de teto provocaram um rombo de R$ 400 bilhões para 2023. É o legado de um governo que a maioria do empresariado brasileiro ainda assim apoiou. Alguns chegando a tramar golpes institucionais em grupos de WhatsApp, caso o PT vencesse. Outros praticando assédio eleitoral contra seus empregados. Como não se via no Brasil desde o coronelismo da República Velha, da proclamação da República em 1889 à Revolução de 1930 que fez de Getúlio Vargas presidente. E que a Nova República de Lula e FHC, mesmo já envelhecida, ontem derrotou.

UM BRASIL? — Lula também proclamou ontem em seu discurso de vitória: “não existem dois Brasis”. Deveria ser, mas não é o que se viu ontem na urna. Onde, mesmo após os 50 tiros de fuzil e três granadas do bolsonarista Roberto Jefferson contra agentes da Polícia Federal que foram prendê-lo no município fluminense de Comendador Levy Gasparian, mesmo depois da deputada bolsonarista Carla Zambelli perseguir de pistola na mão um homem negro pelas ruas de São Paulo, Bolsonaro cresceu 7 milhões de votos do primeiro ao segundo turno. Entre os dois, Lula só cresceu 3 milhões. Mas, como saiu de 2 de outubro com 6 milhões de votos de vantagem, venceu em 30 de outubro por apenas 2 milhões. Para conseguir governar, a conta só poderá ser de soma. Tem que ampliar a frente ampla que lhe deu a vitória, sem reeditar o “nós contra eles” que o PT implantou na política do país. E Bolsonaro elevou à 10ª potência.

PRF OU MILÍCIA? — No desespero, ontem Bolsonaro ainda tentou impedir que o eleitor pobre que não conseguiu comprar fosse votar. Para tanto, usou a Polícia Rodoviária Federal (PRF) como milícia política. Que promoveu bloqueios nas estradas da região Nordeste, tradicional bastião do PT, para impedir que o povo pobre fosse votar. O que só não foi consumado pelas milhares de denúncias que passaram a pipocar nas mesmas redes sociais, que em 2018 deram a vitória a Bolsonaro. E forçaram o presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, outro protagonista deste histórico ano de 2022, a desarmar com habilidade o circo.

MINAS E CAMPOS — No finalzinho da apuração do TSE, Lula ainda teve tempo para ultrapassar Bolsonaro em Minas Gerais, por 50,2% a 49,8% dos votos válidos. E, pelo menos nisso, não superou Getúlio Vargas, último presidente eleito por voto popular, em 1950, a perder em Minas e levar o Brasil. E Campos dos Goytacazes? Definido como “espelho do Brasil”, em frase atribuída a Getúlio, o município deu a Bolsonaro 63,14% dos seus votos válidos no segundo turno, contra 36,86% de Lula. Governada novamente pelos Garotinho, a cidade conservadora parece não ter conservado sua capacidade de refletir o país. Depois dos dois mortos e um ferido a tiros na avenida Pelinca, durante a comemoração do sábado pelo tri do Flamengo na Libertadores, o espelho goitacá foi da derrota.

 

Wiliam Passos — Um domingo e dois Brasis

 

(Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

William Passos, geógrafo com especialização doutoral em Estatística no IBGE

Um domingo e dois Brasis

Por William Passos

 

“Os dois Brasis” é o título de um livro publicado pela Companhia Editora Nacional, na década de 1960, de autoria do economista francês Jacques Lambert, com a pretensão de capturar a fotografia de um momento do Brasil. Considerando a “fotografia” do último momento antes das urnas deste segundo turno, as projeções divergem entre os dois institutos com a maior taxa de acerto das urnas do primeiro turno, pelo método da discrepância média. Considerando a distância ponderada entre os resultados das urnas e as últimas projeções de cada instituto antes de 2 de outubro, o Instituto MDA Pesquisa, que trabalha com a tradicional pesquisa presencial, o padrão-ouro das pesquisas eleitorais, foi o instituto com a maior taxa de acerto. Foi seguido pela AtlasIntel, que já atua em outros países e entrou no mercado brasileiro nas eleições deste ano trazendo uma novidade, a medição das intenções dos eleitores a partir da aplicação de questionários pela internet, metodologia conhecida como websurvey.

Na pesquisa MDA divulgada ontem, o instituto projetou o encurtamento da distância e a possibilidade de virada de Bolsonaro nesta reta final. Considerando os votos válidos, que são aqueles contabilizados pelo TSE, a diferença, na véspera da eleição, era de apenas 2,2 pontos, com Lula aparecendo com 51,1% e Bolsonaro alcançando 48,9%, dentro da margem de erro de 2,2 pontos percentuais para mais ou para menos. Nos últimos dias, segundo o último levantamento da MDA antes das urnas deste segundo turno, a intenção de voto em Bolsonaro cresceu, enquanto a de Lula caiu, com a curva da rejeição a Lula superando a de Bolsonaro, o que significa tendência de reeleição do capitão.

Já a AtlasIntel de ontem projetou estabilidade do cenário de intenção de voto, com Lula abrindo uma confortável vantagem de 53,4% a 46,6% nos votos válidos. Mesmo com o impacto das abstenções proporcionalmente desfavorecendo o ex-presidente, Lula da Silva, que disputou seis das noves eleições presidenciais desde a redemocratização, seria eleito para um inédito terceiro mandato, já que “nunca antes na história desse país” um presidente foi eleito por três vezes pelo voto direto.

Nascido na localidade de Caetés, no município de Garanhuns, no interior de Pernambuco, em 27 de outubro de 1945, dois dias antes do golpe de Estado que depôs Getúlio Vargas para a instauração da democracia, Lula é o sétimo de oito filhos de um casal de lavradores analfabetos. Abandonado pelo pai poucos dias antes da mãe dar à luz, ainda criança imigrou para o município do Guarujá, no interior de São Paulo.

Também no interior paulista, no município de Glicério, apesar do registro em Campinas, 10 anos depois do retirante nordestino, nascia Jair, numa família de imigrantes italianos e alemães, o terceiro de seis irmãos. Entretanto, a São Paulo que une os dois candidatos que são o retrato do interior do Brasil também é a mesma que separa “Os dois Brasis: Brasil do Norte e Brasil do Sul”, conforme o título de um livro de Rui Antonio Amorim, autor paulista nascido em Oriente, que narra a crônica de um país dividido por um impasse de governabilidade. A solução encontrada foi a divisão do território nacional em dois países, com base no mapa eleitoral das urnas presidenciais de 2014. Naquele segundo turno, Dilma Rousseff, que venceu no Norte e no Nordeste, mas perdeu no Centro-Oeste, no Sudeste e no Sul, foi reeleita impondo a Aécio Neves uma estreita margem de cerca de 3,5 milhões de votos. Em números redondos, 52% a 48% dos votos válidos.

A diferença de 4 pontos das urnas de 2014 é exatamente a mesma projetada pelo Datafolha de ontem, em favor de Lula. O instituto paulista cravou numericamente os resultados das urnas nas pesquisas de véspera das duas últimas eleições presidenciais (2014 e 2018). Considerando o conjunto dos institutos de pesquisa com maior credibilidade do país, o que se tem de concreto, além da vitória de um candidato que já presidiu o Brasil, é que, novamente, assim como em 2014, a vitória será dos detalhes. Será definida pelo impacto da alienação eleitoral, isto é, dos eleitores que faltarem, anularem ou branquearem o voto, como a grande variável determinante do resultado eleitoral deste segundo turno. Além dos votos “virados” de última hora, vencerá aquele que conseguir maior comparecimento às urnas da fatia do seu eleitorado. Ganhe quem ganhar, o mais importante é que a democracia triunfe e o que o resultado eleitoral seja respeitado. Sem a suspeição como a lançada em 2014 por Aécio Neves, que pediu a recontagem dos votos.

Num Brasil tão dividido por clivagens ideológicas, que têm retornado a cada eleição, e que deverá opor o Brasil do Nordeste, onde Lula deve massacrar nas urnas, ao Brasil do restante do país, onde Bolsonaro deverá vencer, por maior ou menor margem de votos, nosso amadurecimento enquanto povo, sociedade e nação passa pela coexistência entre a nossa separação de ideias, opiniões, desejos e aspirações e a nossa união pelo respeito ao jogo democrático. Na democracia, nem sempre escolhemos quem queremos que governe. Muitas vezes escolhemos a quem queremos fazer oposição. Para você, que tem nos acompanhado, o meu agradecimento e o desejo de um bom voto neste domingo. Viva a democracia! Viva o Brasil, uma das maiores democracias do planeta!

 

Publicado hoje na Folha da Manhã.

 

Pesquisas, amor e ódio: Brasil de Lula ou Bolsonaro?

(Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

“As aparências enganam, aos que odeiam e aos que amam/ Porque o amor e o ódio se irmanam na fogueira das paixões”. Os versos de Sérgio Natureza para a música de Tunai se imortalizaram na voz de Elis Regina, em “As aparências enganam”, clássico da MPB. E talvez seja a melhor definição da eleição presidencial de hoje. A mais polarizada desde a redemocratização do país, após sua última ditadura militar (1964/1985). Durante todo este ano eleitoral de 2022, a Folha buscou se afastar das paixões, olhando o complexo processo pela objetividade dos números das pesquisas. E, para tentar projetar o 2º turno de hoje, busca as duas de ontem (29) dos institutos que mais acertaram no 1º turno de 2 de outubro: MDA e AtlasIntel. Ambas reforçam a incerteza sobre o resultado final da apuração na noite de hoje.

MDA e ATLASINTEL — A MDA registrou ontem um empate técnico entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL): 51,1% a 48,9% dos votos válidos (excetuados os brancos e nulos). A diferença entre os dois seria de 2,2 pontos, exatamente a margem de erro da pesquisa. Por sua vez, a AtlasIntel de ontem deu a Lula 53,4% dos votos válidos, contra 46,6% de Bolsonaro. Pela pesquisa, a diferença entre os dois seria de 6,8 pontos, muito acima da margem de erro e 1 ponto para mais ou menos.

DO 1º AO 2º TURNO — No 1º turno, a MDA ficou distante da urna por 1,82 ponto; a AtlasIntel, por 2 pontos. Mas essa diferença desprezível de 0,18 ponto nas projeções dos dois institutos, 28 dias depois, subiu para 4,6 pontos no 2º turno. Na prática, a MDA de ontem mostrou uma eleição hoje sem favoritos entre Lula e Bolsonaro, enquanto a AtlasIntel apontou um favoritismo relativamente confortável ao petista.

TENDÊNCIAS — Mais do que os números de intenções de voto, as pesquisas revelam tendências. E elas também são bem diferentes. Entre as duas MDA do 2º turno, de 16 e 29 de outubro, Lula perdeu 2,4 pontos (53,5% a 51,1%) nos últimos 13 dias, enquanto Bolsonaro cresceu os mesmos 2,4 pontos (46,5% a 48,9%). Já nas quatro pesquisas AtlasIntel do 2º turno, Lula confirmou em cada uma a tendência de alta moderada, ganhando no total 1 ponto aos 52,4% que tinha em 13 de outubro. Bolsonaro em evolução igual em número, mas na direção inversa, veio caindo nas quatro pesquisas até perder 1 ponto dos 47,6% que tinha há 16 dias.

 

(Infográfico: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

BOCA DO JACARÉ — Em outras palavras, a MDA mostra que vem caindo a vantagem de Lula a Bolsonaro em todo o 2º turno, com o primeiro em viés de baixa e o segundo de alta. Na imagem dos analistas de pesquisas, é a boca do jacaré se fechando. Por sua vez, a AtlasIntel mostra que vem crescendo a vantagem do petista ao capitão, com o primeiro em viés de alta e o segundo de baixa. Na imagem oposta, seria a boca do jacaré abrindo.

QUAEST, SEM PESQUISAS DA “GLOBOLIXO” — Para saber qual tendência está correta, necessário se olhar para outras pesquisas. Sem usar a Datafolha carimbada pelo bolsonarismo, tampouco a Ipec (antigo Ibope), também contratada pela “Globolixo”, que ontem também soltaram novas pesquisas, o dia também trouxe a nova consulta do instituto Quaest. Nela, Lula apareceu com 51,4% dos votos válidos, com 48,6% de Bolsonaro. A diferença de 2,8 pontos entre os dois é bem mais próxima dos 2,2 pontos da MDA do que dos 6,8 pontos da AtlasIntel.

 

(Infográfico: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

REFORÇO NA TENDÊNCIA — Com margem de erro de 2 pontos para mais ou menos, a Quaest também revelou tendência mais próxima da MDA. Como ela, indica viés de baixa de Lula e de alta de Bolsonaro. Nas seis pesquisas Quaest no 2º turno, o petista perdeu 2,5 pontos dos 53,9% que tinha em 6 de outubro aos 51,4% de ontem. Por sua vez, o capitão ganhou os mesmos 2,5 pontos, de 46,1% a 48,6%, no mesmo período de 23 dias. Na imagem dos analistas, a boca do jacaré também vai para a urna de hoje se fechando.

REJEIÇÃO — Considerada fundamental para definir qualquer eleição de 2º turno, a rejeição não é mais liderada por Bolsonaro em todas as pesquisas. Na MDA, pela primeira vez na série desde julho, Lula aparece à frente numericamente no índice negativo: 47,3% a 47,2% do capitão. Na AtlaIntel, Bolsonaro ainda lidera a rejeição, por 53% a 48%. Ele também lidera na Quaest, com 48% que não votariam nele de maneira nenhuma, contra 44% de Lula. O empate quase exato na MDA é um empate técnico na Quaest, no limite da margem de erro. Só na AtlasIntel, Bolsonaro permanece com rejeição em diferença destacada para Lula. Na dúvida, a certeza aritmética: com rejeição igual ou próxima, qualquer resultado é possível na urna de hoje.

 

(Infográfico: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

ABSTENÇÃO — Outro fator que também vem sendo considerado como fundamental à definição da eleição é a abstenção. Historicamente, ela é maior no 2º turno. Em 2014, por exemplo, os 19,39% de eleitores ausentes no 1º turno cresceram para 21,10% no 2º turno. Em 2018, os 20,32% de abstenção no 1º turno cresceram para 21,29% no 2º turno. No 1º turno de 2 de outubro de 2022, a abstenção foi de 20,95%. Como todas as pesquisas evidenciam que o eleitor majoritário de Lula é o mais pobre, geralmente sem veículo automotor para ir ao local de votação, quanto maior for a abstenção, mais o petista será prejudicado.

George Gomes Coutinho, cientista político e professor da UFF-Campos

ANÁLISE DO CIENTISTA POLÍTICO — “Sobre o resultado em si, precisaremos ver as abstenções com tudo o mais constante. Utilizando o recorte populacional de até 2 salários mínimos de renda familiar mensal, eis o grosso do eleitorado de Lula. E é também o público que tem maior risco de não ir cumprir o rito da votação. Falta de dinheiro inclusive para seu deslocamento, precariedade de manutenção de direitos, tanto faz sanções por ter ido ou não votar, podem causar estragos nos votos lulistas. Algo que não vejo no caso dos eleitores de Bolsonaro. Muitos estão em estado de ‘vigília‘ neste dia 30, tendo até mesmo coerção do grupo, caso alguém ouse se abster. Com tudo isso, ainda aposto que a liderança nas pesquisas irá se refletir em votos válidos favoráveis para Lula”, projetou o cientista político George Gomes Coutinho, professor da UFF-Campos.

APÓS A APURAÇÃO — Vista pelo prisma da razão, a passionalidade inflamada que marca até aqui esse pleito, com recorde de assédio eleitoral de patrões sobre empregados no país, inclusive numa Campos bolsonarista em que funcionários de padaria são obrigados a trabalhar vestidos de amarelo 22, restam duas certezas. A primeira? No sigilo inviolável da urna, a sua decisão é apenas sua, intransferível e a mesma em valor a de qualquer outro eleitor, rico ou pobre, na maravilha da democracia. A segunda? Encerrada a apuração, caberá aos perdedores que já tinham perdido a razão pela paixão, outro verso de Sérgio Natureza à música de Tunai, imortalizado por Elis: “Não há mais nada pra se fazer, senão chorar sob o cobertor”.

 

 

Página 2 da edição de hoje da Folha da Manhã

 

Lula em alta tem 6,8 pontos sobre Bolsonaro em queda

 

(Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

Segundo instituto que mais se aproximou do resultado das urnas no 1º turno de 2 de outubro, o AtlasIntel divulgou nesta véspera do 2º turno sua pesquisa para as urnas de amanhã. Nela, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) hoje tem 53,4% dos votos válidos, contra 46,6% do presidente Jair Bolsonaro (PL). A diferença entre os dois hoje é de 6,8 pontos, fora da margem de erro de 1 ponto para mais ou menos. Nas quatro pesquisas da série Atlas no 2º turno, Lula confirmou em cada uma a tendência de alta moderada, ganhando no total 1 ponto aos 52,4% que tinha em 13 de outubro. Bolsonaro em evolução exatamente igual, mas na mão inversa, veio caindo nas quatro pesquisas até perder no total 1 ponto dos 47,6% que tinha há 16 dias.

Lula cai e Bolsonaro cresce em empate técnico no 2º turno

 

(Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

No 1º turno de 2 de outubro, nenhum instituto acertou mais do que o MDA Pesquisa. Entre projeção e urna, se distanciou do resultado geral por apenas 1,8 ponto. Hoje, a apenas um dia do 2º turno deste domingo (30), a pesquisa MDA registrou um empate técnico na disputa final, dentro da margem de erro de 2,2 pontos para mais ou menos. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem 51,1% de intenções de votos válidos, contra 48,9% do presidente Jair Bolsonaro (PL). Ainda numericamente à frente, a tendência de Lula, no entanto, é de queda, enquanto a de Bolsonaro é de crescimento. Entre as pesquisas MDA de 16 de outubro e hoje, o ex-presidente perdeu 2,4 pontos (53,5% a 51,1%) nos últimos 13 dias, enquanto o atual cresceu os mesmos 2,4 pontos (46,5% a 48,9%). Hoje, na véspera do voto, a diferença entre os dois é quase igual: apenas 2,2 pontos, exatamente a margem de erro.

 

(Infográfico: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

REJEIÇÃO — Índice que define qualquer eleição de 2º turno, a rejeição mostra tendências muito parecidas. E Lula pela primeira vez a lidera numericamente, em outro empate quase exato, na série desde julho da MDA. Só 13 últimos dias, o petista cresceu 3 pontos, de 44% aos atuais 47,3% de brasileiros que hoje não votariam nele de maneira nenhuma. O capitão, por sua vez, conseguiu diminuir de 50% a 47,2% a sua rejeição. E, com a rejeição igual, qualquer resultado final passa a ser possível na urna de amanhã.

 

(Infográfico: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

ABSTENÇÃO — Além da rejeição, outro fator que deve definir a eleição é a abstenção. Quanto mais alta, mais deve prejudicar Lula, que tem sua maior vantagem sobre Bolsonaro entre o eleitor mais pobre, geralmente sem transporte próprio para chegar ao local de votação. Segundo a pesquisa MDA contratada pela Confederação Nacional de Transporte (CNT), feita de quarta (26) a sexta (29), com 2.002 eleitores ouvidos presencialmente, ainda sem pegar o resultado do debate da noite de ontem na Globo, 94,4% dos brasileiros com certeza irão votar amanhã. É um comparecimento jamais registrado em nenhuma outra eleição no país. No 1º turno de 2 de outubro, houve abstenção de 20,95% do eleitorado, que é historicamente maior no turno final.

 

(Infográfico: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

William Passos, geógrafo com especialização doutoral em Estatística no IBGE

ANÁLISE DO ESPECIALISTA — “Instituto que mais acertou as urnas do 1º turno, o MDA Pesquisa projeta o encurtamento da distância e a possibilidade de virada de Bolsonaro nesta reta final. Considerando os votos válidos, que são aqueles contabilizados pelo TSE, a diferença, na véspera da eleição, é de apenas 2,2 pontos, com Lula aparecendo com 51,1% e Bolsonaro alcançando 48,9%, dentro da margem de erro de 2,2 pontos percentuais para mais ou para menos. A menos de 24 horas para o início da votação, o instituto capta uma onda de crescimento da intenção em Bolsonaro e de queda da intenção em Lula, com a rejeição ao ex-presidente, pela primeira vez, ultrapassando a rejeição a Bolsonaro. No levantamento, 47,3% dos eleitores entrevistados declararam não votar de jeito nenhum em Lula, contra 47,2% dos que declararam não votar de jeito nenhum no atual presidente. Diante destes resultados, a considerar o total das abstenções, que, no 2º turno, é historicamente maior e tende a prejudicar mais Lula, pelo perfil do eleitorado que o prefere, pode-se dizer que a projeção do MDA aponta à possibilidade de reeleição de Jair Bolsonaro amanhã”, concluiu o geógrafo William Passos, com especialização doutoral em Estatística no IBGE.

 

Sem nocaute de Bolsonaro, Lula vence debate da Globo

 

Entre os assessores de Bolsonaro, seu ex-ministro e ex-desafeto Sergio Moro usou o celular para fazer foto de Lula no debate da Globo (Foto: Reprodução)

 

Só o candidato que está à frente nas intenções de voto se dá ao luxo de não ir a debates. Foi assim com Jair Bolsonaro (hoje, PL) em 2018, quando alongou sua recuperação da facada em Juiz de Fora para evitar debates e se eleger presidente. É assim agora com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), à frente em todas as pesquisas para a eleição de domingo, que por isso não foi aos debates do SBT, no dia 21, e da Record, no dia 23. Mas os dois candidatos foram ao da Globo na noite de ontem (28), último debate antes da urna. Onde qualquer candidato que está atrás na corrida precisa vencer por nocaute, para tentar virar no voto. Mas, diferente do debate da Band do dia 17, primeiro deste 2º turno, quando foi dominado por Bolsonaro no último bloco, dessa vez o petista bateu, tanto quanto apanhou. Não voltou a ficar nas cordas, mesmo quando o assunto foi corrupção. Se veio para tirar o adversário do sério, o capitão dessa vez fracassou. Só por isso, se houve empate ou decisão por pontos na troca de acusações travestida de debate, Lula venceu.

SALÁRIO MÍNIMO — O primeiro bloco, com tema livre e 15 minutos de tempo total de cada candidato, começou com Lula batendo, onde mais dói no eleitor pobre, com o qual tem sua maior vantagem sobre o adversário. Perguntou a este por que não deu nenhum aumento real ao salário mínimo em seus quase quatro anos de governo. Bolsonaro alegou que reajustou o vencimento pela inflação. E questionou por que campanha petista estaria batendo na tecla de que seu governo iria acabar com o salário mínimo, horas extras e o 13º do trabalhador, evidenciando que essa ofensiva estava doendo nele. Tanto que promete um novo mínimo de R$ 1.400,00 se reeleito. Lula reafirmou que até aqui não houve aumento, apenas reposição inflacionária e desconversou sobre o questionamento de mentiras nos ataques da sua campanha, dizendo que não via televisão, porque preferia estar com o povo na rua.

ESQUIVA — Bolsonaro falou a verdade quando lembrou que enfrentou a pandemia da Covid e fez o Auxílio Emergencial. Voltou a acusar a campanha petista de mentiras sobre o seu governo com o povo trabalhador e fez a primeira provocação ao ex-presidente, chamando-o para ficar perto dele. Possivelmente para tentar desestabilizá-lo psicologicamente com a proximidade física, como fez com sucesso no debate da Band. Sabiamente aconselhado, Lula não aceitou a provocação, voltou ao seu púlpito e se afastou do centro do palco. Sozinho nele, o presidente da República, cargo mais alto do sistema, reclamou que o sistema estaria a favor do seu concorrente.

COMPARAÇÃO ENTRE GOVERNOS — Lula ironizou o adversário, com a provocação que repetiria várias vezes: “Se você quiser tempo para falar, eu dou para você falar com a sua equipe”. E lembrou que deu aumento real ao salário mínimo, 74% acima da inflação, quando governou o Brasil. Bolsonaro respondeu comparando os valores do seu Auxílio Brasil e o Bolsa Família do PT. O petista alegou que o benefício era apenas um dos programas de proteção social e transferência de renda em seu governo. Do qual lembrou que a média do PIB do Brasil foi de 4% em oito anos, contra 1% de média nos quatro anos de Bolsonaro. Que este voltou a atribuir à pandemia.

ROBERTO JEFFERSON — Quando se gabou da transposição das águas do rio São Francisco no Nordeste, Bolsonaro entrou no tema corrupção pela primeira vez. Acusou o PT de não ter concluído a obra por ter desviado o dinheiro ao bolso. E Lula contra-atacou de pronto, lembrando da compra de 51 imóveis em dinheiro vivo e das rachadinhas da família presidencial. O capitão retrucou: “Você é um bandido! Cadê o Palocci? Cadê o Zé Dirceu?”. O petista lembrou do bolsonarista Roberto Jefferson: “Está escondendo o pistoleiro dele, que recebeu a Polícia Federal a tiros”. Bolsonaro lembrou que, quando deputado federal, Jefferson operou compra de parlamentares no governo Lula, no escândalo que denunciaria e batizaria de Mensalão. Ecoou Padre Kelmon, presidenciável que substituiu Jefferson no 1º turno, ao chamar o ex-presidente de “descondensado”. E classificou as pesquisas que registram sua desvantagem de “fajutas”.

À DISTÂNCIA — Quando o assunto foi a política externa, Lula voltou a atacar as rachadinhas e a compra de imóveis em dinheiro vivo, antes de afirmar: “Ninguém (entre os líderes mundiais) quer te receber, ninguém quer vir aqui. Eu fui recebido pelo presidente da França, pelo chanceler da Alemanha, pelo Parlamento da Europa”. Ao que Bolsonaro respondeu com a provocação de toada neopentecostal: “Vou fazer um exorcismo para você deixar de mentir”. E voltou a tentar intimidar o petista no centro do palco, chamando-o para o seu raio físico de ação: “Fica aqui, rapaz”. Ao que, vacinado pelo debate da Band, o ex-presidente desmontou a tática do adversário. Deu-lhe as costas e respondeu: “Não quero ficar perto de você”.

 

 

SEGUNDO BLOCO — No segundo bloco, quando tinham que perguntar a partir de um tema pré-selecionado, Lula quis escolher a Reforma da Previdência. Como ela não estava na lista exposta no telão, teve que optar pelo combate à pobreza. Nele, o petista lembrou do poder de compra da população em seu governo, em contraste com os 22 de milhões de brasileiros hoje com dificuldades de fazer refeição, para perguntar: “Por que o povo ficou tão miserável depois que ele assumiu o Brasil?” Bolsonaro citou dados na direção contrária, creditando-os ao Ipea, e ficou batendo na tecla dos R$ 600,00 do Auxílio Brasil. Lula listou a perda dos aposentados com a Reforma da Previdência por Bolsonaro em 2019.

RESPEITO OU MEDO? — Quando coube a Bolsonaro perguntar, escolheu o tema respeito à Constituição, Bolsonaro disse que sempre “jogou nas quatro linhas” dela e “matou no peito as decisões mais absurdas”, antes de perguntar se Lula voltaria a apoiar as invasões de terras em áreas rurais pelo MST de José Rainha e João Pedro Stédile, ou de áreas urbanas pelo MTST de Guilherme Boulos (Psol), deputado federal eleito por São Paulo. Em um dos seus melhores momentos, Lula respondeu: “Diz que respeita a Constituição e desrespeita todo dia um ministro da Suprema Corte (STF), xingando, ameaçando. Ofende as pessoas, coisa que um presidente da República não faz (…) Você não tem respeito à Constituição, você tem medo”. E, no direito de resposta que ganhou ao fim do bloco, complementou: “Ele deveria responder, não ficar gritando, berrando. Se comporte como presidente da República, que você ainda o é”.

TERCEIRO BLOCO — O terceiro bloco, novamente com tema livre, Lula começou falando sobre saúde pública. E perguntou a mais dolorosa estatística do governo Bolsonaro: “Como o Brasil tem 3% da população mundial e teve 11% das mortes por Covid no mundo? Por que ficou 45 dias sem comprar vacina?” O capitão respondeu que comprou 500 milhões de dose de vacina, assim que a Anvisa liberou e buscou o elogio do adversário: “Se você tem vacina no braço, agradeça a mim, tá ok?”. O ex-presidente lembrou que o atual fez imitações de pessoas sufocando de falta de oxigênio. O capitão também recordou que o PT preferiu construir estádios para a Copa do Mundo de 2014, no lugar de hospitais. E o petista cobrou: “Diz algo que você fez pela saúde: quantos hospitais, ambulâncias, UBS? Não sabe porque não fez. O que você fez foi atrasar a compra da vacina, 300 mil morreram e você um dia vai responder por isso”.

VIAGRA — Ainda sobre o tema saúde, Lula complementou: “Sabe o que você fez a mais, que você poderia explicar para o povo? Comprou 35 mil caixas de Viagra, para dar para as Forças Armadas. Explica o porquê se o povo não tem sequer fraldão geriátrico para as pessoas mais velhas de idade, que você retirou”. Bolsonaro defendeu que o medicamento é utilizado também para tratamento de próstata. Antes de emendar, numa das suas típicas tiradas de cunho sexual, indagar ao petista: “Você não usa Viagra?”

MULHERES, PASTORES E GEDDEL — Do dinheiro público gasto com a virilidade masculina de militares impotentes às questões femininas, Lula cobrou o corte das verbas federais de combate à violência contra a mulher: “Você tem mulher em casa, explique!” Bolsonaro citou programas do seu governo voltados à mulher e disse que os números de feminicídio caíram. Depois voltou a provocar com corrupção: “Posso até falar palavrão, mas me desculpo e não sou ladrão”. O petista lembrou dos pastores indicados pelo adversário para atuarem no MEC, mesmo sem cargo público. Citou as barras de ouro que eles cobravam de propina para liberação de verbas a prefeitos, e disse que o produto do suborno seria transportado em pneus de caminhão. O presidente contra-atacou com os R$ 51 milhões apreendidos no apartamento de Geddel Vieira de Lima, dizendo que o ex-deputado federal hoje seria coordenador da campanha de Lula na Bahia. E cobrou: “Tem foto do dinheiro do Geddel. Tem foto do caminhão?”

QUARTO BLOCO — No quarto bloco, novamente com perguntas a escolher entre temas pré-definidos, Bolsonaro optou pela criação de empregos, e fez a pergunta. Irônico ou não, Lula disse: “Não entendi nada, ele fala para dentro”. Autorizado pela moderação de William Bonner, o capitão repetiu, sem ter o tempo descontado, pedindo a aprovação do adversário: “No meu governo, entre 2020 e 2021, nós criamos 250 mil empregos por mês. Que tal você me dar os parabéns, agora?” O petista questionou a medição desses empregos, alegando que estariam inflados por trabalho informal, quando no seu tempo só empregos com carteira eram contabilizados. O debate seguiu até Bonner informar ao final que Bolsonaro teria mais 10 segundos. Que o candidato usou para repetir seu lema, copiado do integralismo, adaptação brasileira do nazifascismo nos anos 1930: “deus, pátria, família e liberdade”.

MARINA x SALLES — Na vez de Lula escolher um tema para perguntar, escolheu o meio ambiente: “Até quando vai com sua política de desmatamento dos biomas brasileiros, sobretudo da Amazônia”. Bolsonaro respondeu citando dados que atribuiu ao Inpe, para dizer em rede nacional o que todos os especialistas da área, no Brasil e no mundo, afirmam ser mentira: que em seus quase quatro anos de governo, as queimadas na Amazônia teriam sido em média menores do que nos oito anos do adversário. O petista respondeu: “Ainda bem que trouxe a Marina Silva (Rede, deputada federal eleita em São Paulo) nesse debate e ela foi minha ministra (do Meio Ambiente). Reduzimos o desmatamento da Amazônia em 80%. Desmontamos as madeireiras ilegais e você tinha ministro (Ricardo Salles, PL, também eleito deputado federal em São Paulo) vendendo (madeira ilegal)”.

DEPUTADO FEDERAL? — No quinto e último bloco, os candidatos fizeram suas considerações finais. Lula conclamou o eleitor a votar, não nele, para combater uma abstenção alta que é apontada pelos analistas como a melhor chance de Bolsonaro na urna. Se eleito, o ex-presidente prometeu gerar emprego, distribuir renda e que o povo voltará a comer bem. Pela sua reeleição, o capitão disse: “Se for da vontade de Deus me dar mais um mandato de deputado federal… — e consertou o ato falho — de presidente da República”. E acusou o adversário de querer implantar o aborto e a legalização das drogas no país, pautas que o PT, em 13 anos de governo e com todos os seus erros, jamais colocou em pauta.

DEMOCRATA? — Já encerrado o debate, último da eleição, o capitão foi questionado pela jornalista Renata Lo Prete, da Globo, se respeitaria o resultado da votação, ganhe ou perca. O presidente respondeu “Não há a menor dúvida, quem tiver mais voto leva. É isso que é democracia”. A declaração seria absolutamente normal em qualquer outro presidente da História do Brasil. Mas, sem condicionantes de “eleições limpas”, mesmo sem nunca apresentar nenhuma prova de sujeira, não é o normal de Bolsonaro. O mais comum veio na coletiva após o debate, quando um jornalista afirmou ser mentira que a visita de Lula ao Complexo do Alemão no dia 12 teria sido organizada por traficantes. O presidente abandonou a entrevista irritado. E deixou o senador eleito Sergio Moro (União/PR) falando sozinho por ele.

 

 

Por que votarei em Lula neste domingo?

 

(Arte: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

Hoje, faltam exatos dois dias para a urna do domingo, 30 de outubro. E penso ser um bom espaço de tempo para declarar publicamente meu voto no 2º turno a presidente da República. Que se resume à minha opção enquanto cidadão em busca de representação, sem a menor interferência na minha atuação profissional enquanto jornalista, radialista e diretor do Grupo Folha de comunicação. Mas penso ser justo com quem me lê, ouve e vê, saber que tipo de indivíduo político sou.

Dada a polarização por vezes violenta desta eleição, que a distingue de todas as outras desde a redemocratização do Brasil, e habitando numa cidade que se revelou majoritariamente bolsonarista nas urnas de 2 de outubro, mais fácil seria não assumir posição contrária a esse juízo. Mas democracia, desde a sua criação na Grécia Antiga, não é ou deve ser fácil. Como o jornalismo, exige contraditório. O regime que encara a vontade do governante de plantão, ou da maioria que o levou ao poder pelo voto, como se fossem a de um imperador ungido por direito divino, é ditadura. Tenho 50 anos, nasci, passei a me entender como gente e guardo boa lembrança da nossa última, entre 1964 e 1985, à qual não quero regressar. Nem o farei passivamente.

Por isso votarei em Lula, nº 13, a presidente neste domingo. Diferente de quem o fará ou não, no delírio de eleger um imperador, meu voto não é um cheque em branco. Não nubla todas as críticas que tenho ao líder petista e, sobretudo, ao PT. Mas julgo Bolsonaro o pior governante que o Brasil já teve em seus 200 anos de país independente. Tão incompetente quanto Dilma na condução econômica, considero seu atual sucessor um ser humano muito, muito pior; abjeto mesmo. Recusaria convívio social com qualquer pessoa capaz de imitar pessoas morrendo por falta de ar, enquanto a pior pandemia dos últimos 100 anos sufoca até à morte mais de 688 mil brasileiros, 400 mil deles de maneira absolutamente desnecessária. Tanto pior quando essa pessoa deveria liderar meu povo e meu país, não ser aliado doloso do vírus.

Votarei em Lula porque ele foi a única opção a Bolsonaro oferecida neste 2º turno pela vontade soberana dos meus semelhantes em língua, cultura e nação. Votarei em Lula porque meu juízo racional é de que ele fez dois governos, sobretudo o primeiro, muito melhores do que o de Bolsonaro. Votarei em Lula porque ele é a opção que restou da Nova República, minha contemporânea, que não quero ver retroceder à República Velha, onde os patrões se sentem no direito de ditar os votos dos empregados. Votarei em Lula porque nele votarão os pais do Plano Real, a partir do qual o brasileiro pobre pôde colocar proteína animal em sua dieta, primeiro com o frango de Fernando Henrique, depois com a “picanha” de Lula. Votarei nele pelo meu irmão que hoje voltou a buscar no lixo para ter o que comer. Votarei na certeza de que meu voto, meu direito e minha fome não são superiores aos dele.

Votarei em Lula porque não acredito que quem vota em Bolsonaro seja, apenas por isto, “fascista” ou “gado”. Votarei em Lula porque enxergo uma eleição apertada no domingo, que Bolsonaro pode vencer, a depender da abstenção, da ampliação da sua vantagem na região Sudeste e do debate de hoje à noite na Globo. Votarei em Lula porque nunca vi o Brasil descer tão baixo quanto na sua representação como república amarela de bananas, no funeral da rainha Elizabeth II, em Londres; ou na comemoração da padroeira do nosso país no último dia 12, em Aparecida. Votarei em Lula porque creio na advertência de Cristo aos “falsos profetas” que hoje vejo em fariseus neopentecostais, mercadores da fé por isenção fiscal. Votarei em Lula pelo mais laico dos motivos, porque acredito que qualquer democracia se baseia no equilíbrio dos Poderes. Votarei em Lula porque a razão deve desejar um Executivo “de esquerda”, que jamais foi “comunista”, sendo nivelado pelo novo Congresso conservador eleito em 2 de outubro. Votarei em Lula contra um Orçamento Secreto que faz do Mensalão e do Petrolão uma gorjeta.

Votarei em Lula porque na única vez em que o fiz antes, no 2º turno de 1989, o vencedor foi Fernando Collor de Mello. Que hoje é aliado de Bolsonaro. Votarei em Lula porque me lembro bem da face e dos motivos de quem votou em Collor, há 33 anos. E do resultado daquele voto. Votarei em Lula porque não aceitarei que o resultado onipotente do voto popular, que a todos iguala, não seja igualmente aceito, independente de quem for eleito. Votarei em Lula para que essa história de “golpe”, tão recorrente nos últimos quatro anos, volte a ser só uma piada sem graça das “vivandeiras alvoroçadas”.

Votarei em Lula porque, mesmo que ele perca, quero ser olhado pela História não por ter estado do lado certo, mas contra aquilo que todos os meus valores humanos mais caros gritam estar errado. Votarei em Lula por compreender que a vida, o voto e os governos são muito mais complexos do que certo ou errado. Votarei em Lula porque sei que o mundo não se resume a mim.

 

A três dias da urna, Lula cresce vantagem sobre Bolsonaro

 

(Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

Divulgadas na tarde de hoje, a exatos três dias das urnas de domingo, as pesquisas AtlasIntel e Datafolha confirmaram a tendência desta última semana antes do voto: dentro da margem de erro, cresce a vantagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre o presidente Jair Bolsonaro. Na AtlasIntel, nos últimos três dias (de 24 a 27), Lula oscilou levemente para cima, de 53% a 53,2% dos votos válidos; e Bolsonaro para baixo, de 47% a 46,8%. Na Datafolha, nos últimos oito dias (de 19 a 27), Lula também oscilou para cima, de 52% a 53% dos votos válidos; e Bolsonaro também para baixo, de 48% a 47%. Em crescimento, a diferença entre os dois hoje é praticamente a mesma nas duas pesquisas: de 6,4 pontos na AtlasIntel, e de 6 pontos na Datafolha.

 

(Infográfico: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

REJEIÇÃO — Considerada fundamental à definição de qualquer eleição de 2º turno, a rejeição segue liderada pelo capitão. Na AtlasIntel, Bolsonaro tem hoje imagem negativa para 53% dos brasileiros, contra os 47% que têm imagem negativa de Lula. Ambos reduziram 1 ponto em relação à AtlasIntel de 24 de outubro, três dias atrás. Já na Datafolha, são 50% os que não votariam de maneira nenhuma em Bolsonaro, contra 45% de Lula. São números de rejeição exatamente iguais aos que os dois candidatos tinham na Datafolha de 19 de outubro, o que configura a estabilidade. A margem de erro de 1 ponto para mais ou menos na AtlasIntel, 2 pontos na Datafolha.

 

(Infográfico: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

William Passos, geógrafo com especialização doutoral em Estatística no IBGE

ANÁLISE DO ESPECIALISTA — “Com metodologias e margens de erro diferentes, a Datafolha, que acertou as urnas do 2º turno das eleições presidenciais de 2014 e 2018, e o Instituto Atlas, que atua com pesquisas eleitorais em outros países e teve a segunda maior taxa de acerto das urnas do 1º turno, apontam para o aumento da vantagem da intenção de voto em Lula, na contramão da semana passada. A três dias para as urnas do 2º turno, os dois institutos dão o mesmo resultado nos votos válidos, considerando o arredondamento dos números. Na Datafolha, que trabalha com entrevistas presenciais na rua, Lula aparece com 53%, contra 47% de Bolsonaro. Em relação ao levantamento do dia 19 de outubro, a vantagem do ex-presidente aumentou de 4 para 6 pontos. No Instituto Atlas, que trabalha com websurvey, entrevistando os eleitores a partir de questionários aplicados pela Internet, a vantagem do petista aumentou de 6 para 6,4% em relação ao levantamento divulgado na última segunda, 24 de outubro. Agora, o ex-presidente aparece com 53,2% das intenções, contra 46,8% de Bolsonaro. Três dos principais institutos de pesquisas do país, a Datafolha e a Atlas de hoje, mais a Quaest divulgada ontem, que também apontou 53% a 47% a favor de Lula nos votos válidos, convergem na vantagem de 6 pontos em favor do ex-presidente”, comparou o explicou o geógrafo William Passos, com especialização doutoral em Estatística no IBGE.