A manifestação da presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) ministra Carmen Lúcia, durante jantar promovido pelo site Poder 360 em Brasília, na última segunda-feira, 29, praticamente sepultou tanto a possibilidade de registro da candidatura de Lula quanto deixou mais plausível sua prisão. Quanto à lei da Ficha Limpa, a ministra disse que a questão está pacificada na Corte e que é improvável que o STF reverta o entendimento atual: de que os condenados em segunda instância ficam automaticamente impedidos de concorrer a cargos públicos, independente de entrarem com recursos nos tribunais superiores. Foi mais longe: considerou que seria “apequenar o Supremo”, trazer a discussão por causa de um caso (condenação de Lula), a revisão da decisão de permitir a prisão de condenados em segunda instância. Carmem Lúcia lembrou que votou a favor da decisão duas vezes: “em 2009 fui voto vencido, em 2016, fui voto vencedor”. Consequência imediata da manifestação da presidente do STF, a defesa do ex-presidente pediu e teve negado habeas corpus ao STJ, para evitar a prisão imediata tão logo sejam julgados os embargos interpostos no TRF-4.
Nos trinta anos da Constituição Cidadã a democracia recente brasileira vai enfrentar o maior dos desafios de três décadas de construção. Como a Lula nada resta senão o enfrentamento vai buscar massa popular suficiente nas ruas para criar os fatos que alterem o entendimento do direito já posto. Da mesma forma movimento inverso deve buscar o mesmo para manter o petista fora da eleição. Por um lado o cenário mostra uma encruzilhada da vida nacional onde, ou se opta pelo enfrentamento com consequências imprevisíveis ou manutenção da previsibilidade que nos trouxe até aqui. Há amadurecimento suficiente das instituições democráticas para levar a termo um processo eleitoral sob tal pressão como parece nunca visto antes. De um lado, pressão dos que entendem que eleição sem Lula é golpe, de outro, os que defendem que, condenado por uma justiça regularmente funcionando, ao ex-presidente resta o cumprimento da pena e suas consequências.
Justa ou não, a confirmação da condenação do ex-presidente Lula pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, é o divisor de águas das eleições de 2018. Todas as pesquisas até aqui apontavam o petista na preferência dos eleitores e um embate eventual no segundo turno contra o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ). Na iminência de ser barrado pela Lei da Ficha Limpa — que impede candidatura de condenados em segunda instância por determinados crimes, como corrupção passava e lavagem de dinheiro, pelos quais teve a pena aumentada para 12 anos e um mês pelos desembargadores do Tribunal da Lava-Jato — Lula pode colher, como fruto de batalha jurídica em defesa de sua candidatura, o papel de cabo eleitoral de alguém que eventualmente ganhe musculatura eleitoral no PT — Fernando Haddad ou Jacques Wagner — ou optar por outra candidatura de outra legenda, mas que una a esquerda, tipo Guilherme Boulos (PSOL) ou até Ciro Gomes (PDT). Com ou sem seu nome na urna eletrônica, Lula estará no centro do debate eleitoral.
Independente da definição do quadro de candidatos o Brasil vai às urnas em 07 de outubro dividido e deve sair mais rachado ainda. Na eleição de 2014, a vencedora deve 51,64% dos votos contra 48,36% do derrotado. A soma de votos nulos brancos e abstenções foi de 4,63%, ou seja, maior que diferença entre os dois candidatos. E, como a polarização só cresceu nos últimos quatro anos, é de se esperar uma disputa mais que acirrada, a menos que, sem Lula na disputa, a contundência antipetista modere o discurso dos adversários e surja alguma possibilidade de, tanto à esquerda quanto à direita, candidaturas pluripartidárias baseadas em programas comuns e convergindo para o centro de espectro ideológico, algo assim como Rodrigo Maia (DEM) ou Geraldo Alckmin (PSDB).
PSB, PDT, PCB e PSOL, entre outros, conversam sobre alternativas à candidatura de Lula, da mesma forma como no canto oposto, DEM, PDSB, PPS, PMDB e partidos-satélites, abririam mão de suas lideranças próprias para apresentar um projeto para o país. Talvez seja esta a grande necessidade do país hoje: um projeto do que queremos, para onde vamos e quais são as nossas escolhas. De um lado, um Estado intervencionista, com todos os seus benefícios e mazelas e, do outro, o liberalismo com os seus prós e contras. E que os 140 milhões de eleitores decidam quem tem a melhor proposta e lhe dê mais votos.
Pena que a vida real não é tão simples e democrática assim. Os discursos eleitorais são vazios, tanto de um lado quanto de outro. As propostas eleitorais resumem aquilo que os eleitores imaginam que querem — de acordo com o vaticínio dos deuses-marqueteiros — ouvir, e geralmente estão certos e se falassem o que precisa ser dito, não se elegeriam. Não entendemos ainda que as disputas eleitorais são as mais importantes oportunidades para o processo de educação política do povo e não apenas decidir quem vai ocupar o poder pelos próximos quatro anos. E com certeza não será desta vez que vamos mudar isso.
O saudoso professor Andral Nunes Tavares (1934-2006), sem dúvida um dos maiores multimídias desta planície, mas com predileção pela radiofonia, paixão que se lhe pronunciou durante trabalho na histórica Rádio Cultura de Campos, com ênfase para o programa “Show Tecnicolor”, de parceria com Hernon Viana, nos tempos áureos do igualmente pranteado Mário Ferraz Sampaio, nunca escondeu seu desvelado amor por Grussaí, praia situada em São João da Barra.
Por isso, teve participação nos principais empreendimentos socioeconômicos da “Praia das Casuarinas”, na segunda metade do século passado, num tempo em que o soçaite de Campos curtia o charme de Atafona e do Pontal. E costumava, ele, para valorizar aquele espaço de beleza selvagem, poetizar enaltecendo a água caramelada e as areias grossas, quando de sol a pino; e o verde turquesa quando o nordeste virava para sudoeste para prenunciar chuva no final do período.
Através do Rotary Clube Campos (Distrito 4750), entidade pela qual prestou relevantes serviços à sociedade, o lugar (espaço das pessoas) sempre esteve incluído nos seus eventos, tendo como sede o Grussaí Praia Clube que, em suas várias gestões, conseguia ser melhor, inclusive com programação veranista, do que o chique Atafona Praia Clube (demolido por causa do avanço do mar) frequentado, em tese, pela casta endinheirada (?) do que restou dos orgulhosos coronéis do açúcar.
Foram muitas as promoções rotarianas na sede do Grussaí. Mas uma chamou mais a atenção, por seu objetivo ambientalista. Aconteceu em maio de 1993 com o pomposo título de 8ª Conferência do Rotary Internacional e, dentro de outros assuntos culturais, constou o plantio de mais de mil mudas (?) de casuarinas na orla, propiciando sombras entre a Lagoa e o Chapéu de Sol, ato realizado com discursos, inauguração de placa alusiva ao feito e presença de Banda de Música.
Na sede, tivemos o prazer de apresentar para uma plateia atenta de rotarianos de diferentes bandeiras — nacional e internacional —, o balé afro “Ilê Sain a Oxalá”, espetáculo criado, sob a égide do Sesc, para reflexões sobre o centenário da abolição, em 1988 e que, pela proposta pedagógica de sua articulação, conseguiu ser sucesso nacional, o que permanece até hoje, através de uma remontagem proposta pela professora Neusimar da Hora, para festejar a passagem de 30 anos de estrada.
Naquela noite histórica, até mesmo o hino do Rotary foi entoado ao som dos atabaques, numa leitura diferente, terna e empolgante, lembrando possibilidades de convergências místicas entre religiões diferentes. Andral sorria de satisfação e ruborizava diante de outros olhares de assentimento. A história perdeu muito por não ter feito documentário sobre esses momentos, plenificados de uma emoção pura e sensível, felizmente ainda existentes na memória histórica desse escriba.
Pois bem. As casuarinas plantadas pelos rotarianos, estão lá com, mais ou menos, 10 para 12 metros de altura e o objetivo da sombra se alcança do avir do próprio tempo, embora as obras do calçadão, até o polo gastronômico, tenham sacrificado algumas mudas, em detrimento de coqueiros não produtivos — de fruto e sombra. Mas (e isso nos entristece) é que a placa de mármore sobre o fato, encontra-se jogada a esmo quase junto à passarela, com risco de ser sepultada pelas areias de Grussaí.
Há cerca de um ano, fizemos (com o artista plástico Gutovit) uma investida junto à prefeitura, comunicando o fato à querida Sônia Ferreira, secretária de Cultura, mas, não sabemos as razões, o restauro não prosperou. Apelamos, agora, para a prefeita Carla Machado, para que o pedestal seja recomposto, no mesmo lugar, sinalizando a participação do Rotary, através do multimidiático Andral Nunes Tavares, numa demonstração de que São João da Barra tem pleno interesse pela sua história.
Finalmente. Fixar um pedestal com a placa rotariana naquele chão, 25 anos depois, não deve ser uma obra tão dispendiosa que a prefeitura não possa realizar. Temos certeza absoluta de que Andral, lá do Itaoca — Olimpo dos poetas campistas —, vai ficar muito agradecido. E nós também. Eternamente…
24 de Janeiro. 3×0. Rojões na Paulista. Seria hipocrisia demais sustentar que fogos deveriam ser disparados para qualquer condenação de um político corrupto. Os rojões tinham um alvo e motivo específico, único. Eles são o extravasamento de quem passou mais de uma década contra a parede. Com o acirramento dos ânimos a partir de 2013, alcunhas como “fascista” e “racista” fazem os “elitistas” de ontem sentirem saudade do tratamento anterior dispensado pelos petistas a quem quer que discordasse de quaisquer de suas políticas.
Os fogos pela condenação do corrupto Lula não aconteceram, por exemplo, quando da visão gratificante de Cabral algemado, sendo transferido da prisão onde era rei. A arrogância do malandro carioca, difusa, sempre contrastou com a arrogância do primeiro presidente operário (logo primeiro presidente presidiário), direcionada para um inimigo coletivo, mas que seus asseclas sempre souberam individualizar nos ambientes acadêmicos, de trabalho, de convívio social.
24 de Janeiro. 3×0. Lula preso amanhã. História sendo escrita. Pela primeira vez, um político de peso é réu por crimes de corrupção em tribunais comuns. Longe do compadrio histórico dos tribunais superiores, a fantasia do condenado Lula foi desmascarada com didatismo por cada um dos desembargadores: o tríplex foi preparado, com o conhecimento e consentimento do ex-presidente, sendo fruto da árvore podre semeada no fértil terreno em que se davam as relações da Petrobrás com as empreiteiras apaniguadas. A peculiaridade de um apartamento reformado sob medida para o gosto de um cliente especial, somada às centenas de documentos e às dezenas de depoimentos prestados ao longo do curso do processo construíram uma sólida convicção de sua culpa. A foto de Lula vistoriando o tríplex, cujos documentos foram encontrados em sua própria casa – aos quais o presidente atribuiu à já falecida esposa – foram apenas a cereja do bolo.
A farsa do perseguido político era continuamente golpeada pela leitura do voto do relator, o qual pareceu ter sido uma descrição literal de cada prova elencada pelo MP e como ela se ligava à seguinte. A coesão dos votos dos desembargadores não foi à toa: a profundidade das investigações da Lava Jato e a quantidade de informações cruas descobertas pela PF e MP tornam virtualmente impossíveis toda negativa da defesa. A cada contraposição dos advogados de Lula, a acusação responde com vários documentos aliados a depoimentos de testemunhas e de réus – em colaboração ou não.
Não à toa, também, a defesa de Lula é o ataque. No mais recente revival da teoria da conspiração preferida do petismo, o corrupto Lula seria a vítima coletiva – o povo – encarnado num bode expiatório, o cordeiro a ser sacrificado pela elite econômica, a mesma que foi fartamente beneficiada nos governos petistas por centenas de bilhões de reais em incentivos e subsídios. A retórica religiosa, obviamente, só funciona para os convertidos mais radicais. Após mais esse vexame para a narrativa, até os moderados já pulam do navio em naufrágio. Se agarrarão às primeiras boias de salvação atiradas ao mar: Ciro ou Boulos – para os mais atrevidos – que secretamente anseiam serem abraçados por aqueles que buscam uma saída à esquerda para o espetáculo farsesco ao qual aderiram.
24 de Janeiro. 3×0. Lula preso amanhã. A menos que consiga uma liminar salvadora dos tribunais amigos – algo que, aparentemente, nem mesmo os mais petistas dos ministros do Supremo parecem dispostos a conceder neste momento, Lula, na melhor das hipóteses, estará inelegível. Sua ausência tende a ser positiva para aliviar a radicalização do debate. Dos benefícios, o menor. A maior herança do julgamento está expressa na epígrafe da sentença histórica de Sergio Moro: “Não importa o quão alto você esteja, a lei ainda está acima de você”.
24 de Janeiro. 3×0. Lula preso amanhã. Sabor de 7×1, para o Brasil.
— A vida sempre perde a graça com o passar do tempo.
Entre as grades, Nina dá o último trago no último cigarro trazido pela mãe, na última visita. As últimas horas da madrugada trouxeram o tédio característico dos segundos infinitos que passava ali. Não se lembrava mais o dia da semana. Perguntava, diariamente, ao rapaz que caminhava ali para verificar o andamento de seus plantões. O nome era Ralph. Parecia uma pessoa agradável, embora gritasse excessivamente quando as coisas saíam de seu controle.
— Foi como eu disse há pouco: a vida sempre perde a graça com o passar do tempo.
Eram seis horas da manhã. Só sabia porque os últimos segundos haviam chegado ao som do sino da igrejinha do padre Francisco.
— Hoje, eu o entendo melhor — disse, lançando para fora das grades o que restou do companheiro das últimas horas. Sempre pedia à mãe: “me traga um pacote de cigarros. Essa merda é um tédio ainda maior sem eles”. E a mãe, com os olhos entristecidos, concordava. Nunca sabia se poderia ser o último pedido.
Nina. Vinte e sete anos. Nascida em uma cidade movida a carros, sons de algazarra e lixos de fábricas próximas. A última de cinco filhos: dois meninos e três meninas. Todos casados, formados e “fodidos”, segundo as palavras da irmã caçula. Hora para trabalhar, hora para ir para casa, hora para almoçar e a última hora para ficar com as crianças.
— Todas chatas — dizia em tom alto. Gostava de ser ouvida. Ser a última das vozes, por vezes, a indignava.
Ralph caminhava vagarosamente em direção à cela da mulher. “Quarto temporário, querido. Temporário”, refutava Nina. Certas palavras deveriam ser abolidas da língua portuguesa. “Cela” era uma delas. Achava grotesca. O carcereiro ria em meio a essas lembranças. Gostava dela. A “doidinha” do segundo corredor.
— Nina, bom dia.
— Dia bom, querido. Mais um — respondeu com simpática sinceridade. Ele se tornara seu colega nas últimas semanas. Quantas no total?
— Sete, menina Nina. Sete.
— Como você sabia que eu estava tentando contar?
— Seus olhos. São transparentes.
— Devem estar mesmo. Acho que todas as cores do meu corpo estão sumindo neste isolamento.
— Não. Continua colorida. Cabelo avermelhado — “um pouco cor de mel e desbotado nas raízes, mas não posso falar; é necessário ter cuidado com as mulheres”, pensou — e olhos pretos e amendoados. Tudo em dia, menina Nina.
— O que te traz aqui, menino Ralph?
— Presente de sua mãe — e esticou um desejado maço de cigarros.
— Só isso?
— E agradeça a Deus, se é que você acredita.
— Acredito em mim. E só.
Ralph entregou os cigarros e sorriu para a mulher. Achava-a engraçada, apesar da bravura inicial com a qual se apresentou no primeiro dia. Mas vira, nela, algo indecifrável e frágil.
— Obrigada, Ralph. Quer um?
— Aceito.
E deram, juntos, as primeiras tragadas.
II
Naquela manhã, Nina optara por acordar cedo. Era atípica a sua decisão. A então adolescente, de 16 anos, era conhecida por dormir tarde e despertar depois do almoço, quando todos já haviam saído da mesa da sala. Ela não gostava de dividir muitos momentos com os pais e irmãos. Eram todos cheios de histórias criadas em suas cabeças sonhadoras. Sabia que a verdade andava distante. Cotidianamente, notava as horas em que saíam da realidade em direção à fantasia, sem sinalizar as mudanças que ilustravam as trajetórias. Eram nobres inventores.
— Meu pai sempre dizia: quem não se contenta com a vida real se abastece de fantasias — contava Lurdes, a governanta. Ela, sim, compreendia Nina, que a considerava uma amiga na casa. Também tinha apego à mãe e ao irmão mais velho, que costumavam rir nessas ocasiões.
Otávio havia partido, há tempos, para uma cidade longe, “o mais longe possível”, gritou em direção à família durante a partida. Não deixou endereço, telefone ou caminhos plausíveis. Era avesso às redes sociais. E ela sentia saudade.
— Boa tarde, Nina — cumprimentou o pai. O sábado marcava a terceira semana de ausência do irmão. Era a última vez que sentia aquilo, jurou para si. A última.
— Oi – e seguiu, com um prato de comida, para o quarto.
A resposta desagradou o homem, que a encarou. “Esta menina é um caso perdido. Estranha, fechada, isolada em uma realidade particular. Não me agrada. Não me agrada”, reafirmava sempre que possível. Nina estava atrás da porta enquanto seus pais seguiam pelo corredor. Dormiam perto dela.
— Não deve falar assim. É sua filha. Se há um erro entre vocês, cabe a ti reparar — alertou a mãe. Em resposta, a menina ouviu a batida da porta e um suspiro no corredor, seguido de passos desanimados. “Você é o caso perdido, homem. Você…”
Nina abriu a porta e assustou a mãe, cujo coração disparava com a inesperada aparição da filha.
— Obrigada por me entender em nossos silêncios, mãe — a menina deu um abraço e um beijo e fechou a porta. A mulher não teve reação.
III
— O que acha deste lugar, Ralph? — questionou, espantando seu interlocutor.
— É meu local de trabalho, menina. Assim o vejo.
— E é o que meu?
— Acho que seu quarto temporário, correto?
— Correto, menino Ralph. Correto.
Tragaram, mais uma vez, os cigarros. Nina segurava-o com a mão direita. Nunca tivera habilidade para equilibrá-lo entre os dedos esquerdos. Pareciam frouxos nestas horas.
— Quanto tempo ficará por aqui?
— E quem sabe? Dependo de outros. Outros setores, outras hierarquias, outras pessoas. E eu odeio depender dos outros — os olhos de Nina ficaram sombrios. Ela continuava a carregar algo indecifrável para Ralph. Tão atraente quanto misteriosa.
A mulher encarou o colega e compreendeu seus pensamentos. Era uma das mais marcantes características de sua personalidade. E ele captou a compreensão no olhar da mulher.
Nas últimas sete semanas de intenso convívio, ele não encontrara o momento exato para descobrir o que levara Nina até ali. Reservado, não queria saber por terceiros. Se fosse para descobrir, seria diretamente com ela.
Durante alguns momentos do dia, Ralph a observava dormir. Gostava do seu jeito plácido que só aparecia na hora do sono. Nestas horas, a aparência casava com a “menina Nina”, como ele se acostumou a tratá-la. Sabia que ela não se incomodaria com o carinhoso tratamento. Anos trabalhando como carcereiro deram ao homem a capacidade de entender um pouco sobre a natureza humana. E Nina, por trás das palavras ríspidas, inspirava cuidados. Havia uma carência parcialmente camuflada em grosserias. Ela não era a primeira nem a última pessoa com esse traço. Mas Ralph sempre fingia não observar. Se falasse, ela iria se fechar e se esconder dele. Não era o que desejava.
— Tem filhos, Nina?
— Não. Graças a Deus ou algo assim. Tenho sobrinhos. Chatos. Nunca consegui passar uma tarde com eles.
— Porque, no fundo, eles te lembram você mesma e… — Ralph percebeu que foi longe demais. A expressão da mulher havia se modificado: a simpatia dera lugar à desconfiança.
Fingiu não reparar e deu mais um trago no cigarro:
—…e eu sei disso porque também tenho sobrinhos. E me vejo neles. Aquele moleque de infância corre junto aos meninos quando os encontro. Mas também não tenho muito tempo para crianças.
Ela também tragou. Ralph notou que conseguiu contornar a irritação de Nina, que sorriu:
— É verdade. Lembram, sim. Torço para que eles tenham uma vida diferente da minha — e lançou, perto do pé de Ralph, o resto do cigarro. Tentava parar há tempos. Mas havia desistido de desistir. Seria a última vez. Sempre a última.
IV
O pai entrou no quarto, abrindo a porta com toda a força que tinha, seguido pelos irmãos. Uma mulher e dois homens. Otávio já não morava perto há sete anos. Neste tempo, conseguira encontrá-lo, sem que ninguém soubesse, somente uma vez:
“Primeira e última, Nina. Fiz uma conta em seu nome. Todo mês, irei depositar uma quantia. Aproveite o dinheiro. Estude e se mande daqui o mais rápido possível. Sei que é isso que deseja, como eu sempre desejei, mas não tive quem me ajudasse”.
Ele abraçou a irmã e saiu. Sem palavras de despedida. Com afeto comedido.
“Quando nos veremos novamente, Otávio?”
“Última vez, Nina. Última vez.”
Entrou no carro, acelerou e buzinou. Uma buzina como despedida. A última despedida.
Ela caminhou para casa. Na carteira, o cartão que o irmão havia dado e uma foto sua ao lado dele e da mãe. Quando os três estavam juntos, a vida tinha graça.
— O que vocês querem?
— Saber o que você pretende fazer da sua vida — respondeu uma das irmãs.
— Bom, no momento, só pretendo ficar sozinha. Em silêncio. Pode ser?
Os dedos da mão direita ficaram marcados na face de Nina. Não tivera tempo de reagir ao tapa dado pela mulher.
— Era isso que você deveria ter feito, pai. Exatamente assim. Agora, aprende — e saiu do quarto, com passos firmes. Ela descobriu que odiava a irmã. Sempre tentava uma relação de amizade, mas falhou em todas as tentativas.
V
— Acho que falhei, Ralph. Falhamos, na verdade.
— Falhamos?
– Isso. Falhamos.
— Como família, como lar e como amigos, certo?
— Certo.
— Seu pai e sua irmã. Ela morreu. Parece que foi em um acidente…
— Parece, sim. Parece.
— Sua mãe, que permanece por aqui. Seu irmão, que foi embora há tempos. E os outros irmãos, que não fizeram diferença na “droga dos seus dias”.
— Na droga dos meus dias. Já conhece todas as histórias. Eu sei, sou repetitiva.
— Não é. Mas noto que precisa falar sobre isso. E eu estou aqui para ouvi-la.
— Mas não estou aqui para encher seus ouvidos com a mesma ladainha todos os dias.
— Não enche. Aqui, a gente aprende um pouco de tudo. E eu aprendo muito com você, menina Nina.
Ela sorriu. Um sorriso bonito de sinceridade e cumplicidade. Ele retribuiu.
Sem que eles sentissem, horas haviam passado desde os primeiros cigarros divididos entre conversas variadas. O homem a seu lado transparecia segurança. A mulher a seu lado transparecia solidão. Uniam-se, como em um ritual, para desafogar o que não transparecia.
— Menina Nina, mais um dia.
— Mais um dia.
— Sinto, mas tenho que deixar sua companhia. A hora já está adiantada. Há coisas por fazer.
— Eu sinto ainda mais, menino Ralph. Mas, se pudesse, também iria fazer outras coisas que devem estar por fazer.
— Ainda há tempo para fazê-las. E você terá todo o tempo do mundo quando estiver longe daqui.
As despedidas sempre deviam vir com palavras de consolo. E dúvidas. O que levara Nina, plácida e desconfiada, àquele destino? Não gostava de ser intrometido. Não queria ser invasivo. E gostava da menina.
— Obrigada pela dose diária de ânimo, meu querido amigo. Mas esta é a última vez, eu te prometo. Última vez — e sorriu de maneira diferente. Ralph, mesmo sem compreender, concordou.
Enquanto se distanciava das grades, Nina o observava. Passos lentos e cuidadosos. De melhor, das últimas semanas, ela levaria Ralph. Pena não tê-lo conhecido antes, quando havia tempo.
Acendeu mais um cigarro. Havia desistido de desistir, lembrou-se. Tragou profundamente e suspirou. Permaneceu em ritmo quase cronometrado até que a brasa se aproximasse dos seus dedos. Sentia prazer enquanto eles queimavam lentamente. Era como expurgar um pouco de suas dores por meio de outras. Era como assistir à sua própria punição em silêncio. Estava certa de algo: não daria este gosto a ninguém. “A ninguém”, verbalizou entre dentes. E lançou, por entre as grades, a ponta do último cigarro.
Não celebrei os 3 x 0 da condenação de Lula, ontem, no TRF-4. Mas o fato é que sua pré-candidatura foi ferida de morte. Provavelmente terá o último suspiro em agosto, quando o TSE negará seu registro. Todo mais é paixão.
“O homem esquece mais facilmente a morte do pai do que a perda do patrimônio”
Apesar de ter quase 500 anos, a famosa frase de Maquiavel parece que não foi o suficientemente lembrada pelo governo municipal, a julgar pela enxurrada de reclamações que está recebendo por conta dos aumentos da contribuição da iluminação pública, do IPTU (e dentro dele da Taxa de Coleta de Lixo) e do serviço de fornecimento de água e esgoto.
Em condições normais, um aumento de tarifas sempre gera aborrecimento. Em Campos, os incrementos acontecem num momento onde os serviços estão sendo prestados de forma paupérrima e cara. Há meses que não há manutenção dos postes de iluminação; o estado das praças e das ruas revela como a empresa responsável pela limpeza pública adaptou o seu rendimento à redução do contrato; em relação ao serviço de saneamento, Campos paga aproximadamente 30% a mais pelo metro cúbico de água do que se paga em Niterói, tendo as duas cidades a mesma fornecedora (o grupo Águas do Brasil).
Nesse panorama, supor que a enxurrada de aumentos não fosse gerar uma onda de impopularidade seria excessivamente ingênuo. Talvez não restasse nenhuma outra opção, frente à brusca queda orçamentária que sofrera o município em 2017, e a administração tenha optado por sofrer as consequências simplesmente por não ter outro caminho.
No entanto, os sinais da crise financeira já podiam ser previstos desde que os Garotinho começaram a endividar o município, bem antes da eleição de 2016. A queda do preço do petróleo, naquele ano, também vaticinava menos royalties para o seguinte.
Por sua vez, o duvidoso critério para definição de prioridades, que por um lado corta o Restaurante Popular, e por outro contrata empresa para exibir cinema nas escolas a um custo de 16 mil por exibição (640 mil reais ao todo), em muito dificulta a tarefa de convencer à população da necessidade do ajuste.
O que se revela por trás de toda esta crise local, além da imperícia demonstrada pelos governantes anteriores em poupar recursos quando estes eram fartos, é a impossibilidade de manter uma superestrutura de governo que se encontra excessivamente inchada com secretarias, superintendências, fundações, institutos e empresas públicas, muitos dos quais não tem razão de existir, a não ser para funcionar como cabides de emprego.
Esse gigantismo na maquina pública municipal não apenas é oneroso, mas também é prejudicial para o próprio funcionamento daqueles setores que deveriam ser considerados vitais, como saúde, por exemplo. Como se aceita que falte gaze num hospital, enquanto se banca um parque de diversões?
A cultura do estatismo e do paternalismo governamental ultrapassa esta administração – curiosamente chamada pelos seus detratores de ‘neoliberal’ (?). Está arraigada na opinião pública, a qual acha que eliminar um setor ineficiente do estado é uma afronta, ainda que mantê-lo afete todo o resto.
Voltando à questão do aumento de tarifas, se tivesse a capacidade de dar conselhos – que não tenho, mas… – diria ao pessoal do governo que, se acham que o ajuste é fundamental, que o defendam com coerência e competência, mostrando o mais rápido possível como essa grana extra será bem aplicada em favor da cidade, e não da prefeitura.
Uma sugestão final, desta vez aos vereadores que foram bater a porta da prefeitura para discutir o aumento da contribuição da iluminação pública: se questiona ANTES de votar, não depois.
Uma pequena notícia intitulada “Recuperação em praças no 5º distrito”, publicada (aqui) na Folha da Manhã de 18 de janeiro do corrente ano, informa que secretarias de São João da Barra estão promovendo obras de recuperação e manutenção em Enjeitado, Barra do Jacaré, Sabonete, Cazumbá, Córrego Fundo, Quixaba, Azeitona, Açu, Mato Escuro, Capela de São Pedro e Água Preta.
Compreendi e não compreendi. Desde o século XVII, o limite entre as vilas de São João da Barra e Campos foi fixado na barra do rio Iguaçu, que nascia na lagoa Feia, corria de oeste para leste, como vários cursos d’água da baixada dos Goytacazes, e desembocava no mar por uma foz estreita mas profunda. Segundo Fernando José Martins, historiador sanjoanense do século XIX, o rio era caudaloso na foz. Nela, um cavaleiro e seu cavalo teriam morrido afogados. O volume de água do rio se justificava pela contribuição de vários defluentes que partiam do rio Paraíba do Sul e desembocavam no Iguaçu, sendo o principal deles o rio Água Preta ou Doce, que formava várias lagoas no seu curso e se alastrava, em seu fim, no banhado da Boa Vista. Ele separava a planície aluvial da restinga pela margem direita do Paraíba do Sul
Depois do conjunto de pesadas intervenções empreendidas pelo Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS) na região norte fluminense, sobretudo entre os rios Água Preta e Iguaçu perto de sua nascente, o Água Preta se transformou no canal do Quitingute e passou a correr em direção oeste. O canal da Flecha cortou todo o sistema hídrico natural que tinha sua origem na lagoa Feia. O rio Iguaçu foi todo esquartejado entre o canal da Flecha e o rio Água Preta. Do pujante Iguaçu, restaram fragmentos, sendo o maior deles a conhecida lagoa do Açu de hoje. Esta história de intervenções humanas no sistema hídrico natural da baixada dos Goytacazes foi esquecida de tal forma que, mesmo as antigas pessoas nascidas e criadas nela entendem que a planície sempre apresentou essa configuração. Como me disse um velho pescador, “Deus fez a natureza assim. Ela sempre foi assim”.
Quando um decreto federal de 1938 determinou a definição e a fixação dos limites entre os municípios, Campos e São João da Barra foram separados por uma linha reta partindo da barra do Açu para o interior até o canal de São Bento. Que eu saiba, essa linha limítrofe não foi alterada até hoje, salvo por enganos interesseiros dos prefeitos de São João da Barra e da prefeita Rosinha. Entre os dois municípios existe um triângulo pertencente a Campos, mas reivindicado por São João da Barra. Mais ainda, ele é governado por São João da Barra. Quem vai a Córrego Fundo, Quixaba, Azeitona, Maria Rosa e pergunta aos moradores em que município eles estão encontrará como resposta mais comum que estão em São João da Barra. No entanto, essas localidades estão em Campos, no distrito de Mussurepe, na ponta meridional da grande restinga de Paraíba do Sul.
Creio que o mapa traçado pelo atento cartógrafo Cremilce Maciel em 1995 deixa claros os limites entre os dois municípios e o triângulo territorial de Campos pleiteado por São João da Barra. Certa vez, no intento de cuidar melhor da linha de costa de Campos, promoveu-se o programa Campos-Orla. Eu representei a Universidade Federal Fluminense nele, mas logo me afastei por entender que ele não resultaria em nada além de intenções registradas em documentos. Numa das visitas que fizemos ao litoral, as autoridades municipais de Campos se recusaram a cruzar a ponte de Maria Rosa, alegando que, no meio dela, começava o município de São João da Barra. Insisti que continuaríamos em Campos, mas não me deram crédito.
Em outra ocasião, quando o Complexo Logístico Industrial Portuário do Açu (CLIPA) prometia mundos e fundos com Eike Batista, a prefeita Rosinha, talvez ouvindo o galo cantar sem saber onde, prometeu demonstrar com documentos que o CLIPA estava totalmente situado em território campista. Escrevi um artigo desafiando a prefeita a ir adiante, mas o assunto morreu. Creio que ela consultou o mapa de Cremilce.
Em toda extensão do norte e noroeste fluminense e sul do Espírito Santo, não mais existem remanescentes de comunidades indígenas pré-europeias. Todo núcleo populacional, do mais pobre ao mais rico, tem raiz na colonização portuguesa. De uma forma ou de outra, todas se explicam pelo processo europeu de globalização. Todas se inserem nesse processo, mesmo que pareçam tradicionais para estudiosos. Acontece de localidades ficarem à margem das transformações e parecerem tradicionais. Com outras, estímulos internos ou externos promovem mudanças em diversos graus. Comparemos Macaé a Quixaba, por exemplo. A cidade de Macaé sofreu um processo radical de transformação econômico-social com a instalação de uma unidade da Petrobras. Quixaba ficou à margem desse processo e pareceu tradicionalizar-se, ainda mais por estar situada no triângulo da restinga integrada legalmente ao território campista, mas, na prática, administrado por São João da Barra. Parece haver um acordo tácito entre os dois municípios. Campos finge que não vê e São João da Barra finge que não sabe.
Todavia, no início da segunda década do século XXI, o chamado porto do Açu passou a exercer estímulo sobre os dois munícipios, notadamente sobre vilas e localidades próximas. Quixaba não ficou de fora. Em excelente tese de doutorado defendida na Universidade Estadual do Norte Fluminense em 2017, John Marr Ditty mergulhou na comunidade de Quixaba. Ele fez um trabalho de imersão antropológica, convivendo com seus moradores por bastante tempo. De fato, o porto do Açu vem descaracterizando Quixaba e outras localidades de seu entorno, como era de se esperar. Todo trabalho acadêmico costuma dedicar uma parte para contemplar a história do objeto estudado. Não se encontra um documento com facilidade sobre as pequenas comunidades, e os informantes mais antigos morreram. Por enquanto, só se pode contar com a tradição oral.
Consultando o prestigioso relatório de Manoel Martins do Couto Reis, de 1785, encontrei uma pequena passagem sobre a vila de São João da Barra. O autor informa que existiam 111 fogos (casas), sendo 31 cobertas de palha e 80 de telhas. Cinco abrigavam pequenas lojas de mercadores, com duas tabernas. Ele fala ainda de lugares exteriores à vila, mas não os nomeia.
Na década de 1990, conversando com Amaro Bau, um velho morador do Açu, disse-me ele ter nascido na margem da lagoa Salgada e ter se transferido para o Açu quando ainda era pequeno. Em suas palavras, havia ali apenas 13 casas: cinco de telha e oito de palha. Daí o nome de cidade de palha que o Açu recebia no passado, como nos informa, Maria Rita Lubatti.
Mais tarde, encontrei fotos tiradas pelo antropólogo Luís de Castro Faria correspondentes a anotações feitas nos anos de 1940 para um estudo sobre a pesca artesanal em Ponta Grossa dos Fidalgos e São João da Barra. As casas com paredes de taipa e telhados de palha dominavam.
Pouco depois, encontrei com emoção um desenho do príncipe naturalista alemão Maximiliano de Wied-Neuwied registrando uma casa de taipa e palha no rio Bragança, sul da lagoa Feia, em sua expedição científica de 1815.
Parecia que nada havia mudado durante mais de cem anos. E parecia que as mudanças foram profundas em 50 anos. Recentemente, informaram-me que Barra do Furado era também conhecida como cidade de palha. As técnicas de construção estavam presentes na restinga, na planície aluvial, na zona de tabuleiros e na região serrana. Rapidamente, as cidades de palha foram substituídas pelas cidades de alvenaria. Na ilha da Convivência, foz do rio Paraíba do Sul, as casas foram todas removidas.
Retomando o tema inicial para concluí-lo, pergunto se Campos e São João da Barra chegaram a um acordo tácito para que o primeiro município faça vista grossa sobre o triângulo misterioso na restinga, enquanto o segundo provê minimamente a área de saúde, educação, segurança e principalmente de votos. Proponho também mais estudos não apenas sobre as localidades do triângulo, assim como sobre outras localidades pequenas, primeiro, como propunha o historiador Eduardo d’ Oliveira França, numa abordagem intersticial que conduzirá ao estudo de áreas maiores. Não creio que a maioria dessas localidades tenha sido fundada antes do século XX, pelas muitas informações que venho colhendo ao longo de 40 anos. Qualquer abordagem que nos chegue será bem-vinda. A partir de então, poderemos melhor avaliar os impactos produzidos pelo DNOS, pela Petrobras e pelo porto do Açu, os maiores empreendimentos da região.
Sugestões de leitura
COUTO REIS, Manoel Martins do. Manuscritos de Manoel Martins do Couto Reis, 1785: descrição geográfica, política e cronográfica do Distrito dos Campos dos Goytacazes, 2a ed. rev. e atual. Campos dos Goytacazes: Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima, Rio de Janeiro: Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, 2011.
DITTY, John Marr. “Águas roubadas por grandes empreendimentos: a seca da pesca, do artesanato e da agricultura familiar. Campos dos Goytacazes: Universidade Estadual do Norte Fluminense, 2017.
LUBATTI, Maria Rita da Silva. O folclore na vivência atual de Açu, Marreca e Quixaba (Campos, RJ). São Paulo: Editorial Livramento, 1979.
MARTINS Fernando José. História do Descobrimento e Povoação da Cidade de S. João da Barra e dos Campos dos Goitacases, Antiga Capitania da Paraíba do Sul. Rio de Janeiro: Tipografia de Quirino & irmão, 1868.
WIED-NEUWIED, Maximiliano. Viagem ao Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia/São Paulo: EDUSP, 1989.
Perto de completar seus 300 anos, a cavalhada em honra a Santo Amaro na baixada Campista segue firme na passagem da secular tradição através das famílias de cavaleiros. Atraindo ainda público expressivo, mas suplicando por mais apoio, a manifestação de fé faz parte da história de boa parte dos campistas.
Ainda bebê fui motivo de promessa feita a Santo Amaro por meus pais, nascera com uma hérnia, o médico aconselhou cirurgia e, com pena de me operar tão novinho, a fé aconselhou buscar a intercessão do Santo. Curado, tive um pequeno porta retratos, com fotografia minha, posto na sala dos milagres, anexa a nave da Igreja, em memória do milagre concedido. Já adolescente ainda pude localizá-lo em meio a bonecos de cera e outros objetos, lá deixados como forma de agradecimento por Graças alcançadas. Depois não mais o vi, deve ter cedido espaço a agradecimentos mais recentes. A devoção ficou e quando do momento de batizar minha filha a Igreja de Santo Amaro foi o local de eleição. Esse ano, tivemos a felicidade de ter cavalos nossos, de meu irmão, usados na simulação dos combates, montados por Sr. Joel e seu Filho, Popó. Guardiões da tradição, desse patrimônio de nossa gente.
A referência aos esforços de expulsão dos invasores Mouros da Península Ibérica, que permitiu depois o surgimento da própria civilização ocidental, se faz ainda mais importante no momento de crise moral que atravessamos. Todo o mundo ocidental passa por uma espécie de crise existencial, não sabe de onde veio, para onde vai, pede desculpas por existir. Aqui em nossas terras, discursos voam ao vento, a palavra dada já nada vale.
Precisamos nos lembrar de onde viemos e rememorar os valores judaico-cristãos que são o alicerce de nossa civilização, precisamos nos lembrar dos esforços dos que nos antecederam para entregar-nos esse mundo imperfeito, carente de oração e trabalho, mas que é o nosso mundo. Devemos preservá-lo e aperfeiçoá-lo como pudermos para transmitir algo melhor aos que vierem nos suceder. Vida longa à cavalhada!