Maioria dos brasileiros contra anistia a Bolsonaro sob análise

 

(Infográfico: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

Condenado (confira aqui) a 27 anos e 3 meses de prisão por tentativa de golpe de Estado no último dia 11, por 4 votos a 1, na 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), o ex-presidente Jair Bolsonaro deveria ou não ser anistiado? A pauta parece ter avançado com a aprovação do caráter de urgência do Projeto de Lei (PL) da Anistia, junto à aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Blindagem, apelidada “da Bandidagem” pela população, para parlamentares e presidente de partido, pela Câmara dos Deputados na quarta (17).

Caminhos do PL da Anistia — A aprovação da PEC da Blindagem e do caráter de urgência ao PL da Anistia, na Câmara presidida pelo enfraquecido deputado Hugo Motta (REP/PB), provocou indignação na sociedade. O PL que propõe a anistia para atos golpistas a partir de 2022 não deve ter caminho fácil no Senado presidido pelo empoderado Davi Alcolumbre (União/AP), antes de eventualmente ser submetido ao veto do presidente Lula (PT) ou de ser considerado inconstitucional pelo STF.  A briga real dos deputados bolsonaristas, hoje, parece ser tentar negociar a redução da dosimetria das penas aos golpistas.

Maioria contra a anistia — Aparentemente, os 344 deputados federais que votaram a favor da PEC da Blindagem e, sobretudo, os 331 deles que também aprovaram o caráter de urgência ao PL da Anistia, ignoraram a opinião popular expressa nas pesquisas. Segundo a Datafolha e a Quaest de setembro, a maioria dos brasileiros é contra a anistia. Na Datafolha, 61% são contra a anistia aos responsáveis pela invasão à Praça do Três Poderes em 8 de janeiro de 2023, com 33% a favor. Na Quaest, 41% são contra a anistia ao ex-presidente, com 36% a favor.

Entre as pesquisas que mais acertaram em 2022 — A nova pesquisa Datafolha foi feita de 8 a 9 de setembro, com 2.005 eleitores e margem de erro de 2 pontos para mais ou menos. A nova pesquisa Quaest foi feita de 12 a 14 de setembro, com 2.004 eleitores e a mesma margem de erro de 2 pontos. Com metodologias diferentes, os dois institutos estiveram (confira aqui) entre os quatro do país que mais acertaram o resultado do apertado 2º turno presidencial de 2022.

Análise pela antropologia — “O 2º turno das eleições presidenciais de 2022 foi decidido no detalhe: 50,90% para Lula e 49,10% para Bolsonaro. Esse quase empate, que reflete uma divisão social, tem marcado o Brasil ao longo dos últimos anos. Ao comparar os dados da eleição de 2022 com as recentes pesquisas, podemos pensar algumas coisas. Na Datafolha, 61% das pessoas foram contra a anistia dos responsáveis pela invasão da Praça dos Três Poderes; já na Quaest, 41% se disseram contra a anistia. Dado que a anistia foi um tema incorporado às fissuras que atravessam o país, podemos perceber que o alinhamento à direita não se reflete de modo perfeito na adesão à anistia. Os crimes ali cometidos não foram ignorados por parte da população que, em 2022, votou em Bolsonaro. Isso pode ser resultado de muitos fatores, mas acredito que existe uma reprovação moral da destruição do patrimônio público, ainda mais quando esse patrimônio compõe parte material e simbólica da nossa República. As cenas daquele 8 de janeiro foram chocantes e causaram repulsa mesmo em parte das pessoas insatisfeitas com o resultado das eleições. Por isso a reprovação”, explicou o antropólogo Carlos Abraão Moura Valpassos, professor da UFF-Campos.

Análise do promotor de Justiça — “O que chama mais a atenção, quanto ao tema da anistia, é que, a depender da pergunta, o apoio popular aumenta ou diminui. Quando a pergunta envolve expressamente o nome do ex-presidente da República, como na Quaest, o apoio à anistia parece ser maior. E quando a pergunta sobre o mesmo tema é genérica, como na Datafolha, o apoio é menor. Como parece ocorrer com a resposta contrária à anistia: quanto o questionamento é genérico, a desaprovação da anistia é maior, mas quando o questionamento envolve o nome do ex-presidente, a desaprovação é menor. Ou seja: parece que a opinião pública, para desaprovar o resultado do julgamento do STF, se impressiona mais com o julgamento de um político do que com o julgamento de um cidadão comum. Seja como for, as decisões judiciais devem ser cumpridas, ainda que com elas possa legitimamente não concordar parcela da opinião pública”, frisou o promotor de Justiça Victor Queiroz.

Contra ou a favor da anistia? — Na Quaest, além dos 41% contra a anistia e dos 36% a favor para todos, incluindo Bolsonaro, houve outros 10% favoráveis à anistia apenas aos invasores do 8 de janeiro, com outros 13% que não souberam responder. Na Datafolha, além dos 61% contra a anistia aos responsáveis pela invasão e dos 33% favoráveis, outros 5% não souberam responder, com 1% indiferente.

Cresce a opinião contra anistia — Mas, diferente da Quaest, que só trouxe os resultados de setembro, a Datafolha comparou a opinião contra e a favor à anistia colhida em pesquisas anteriores. De julho a setembro, os brasileiros contrários à anistia cresceram 6 pontos: de 55% aos atuais 61%. Enquanto, no mesmo período, os favoráveis à anistia oscilaram 2 pontos para baixo: dos 35% de julho aos 33% de setembro.

 

(Infográfico: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

Metade dos brasileiros acha que Bolsonaro deveria ser preso — A Datafolha trouxe também outras perguntas sobre a condenação de Bolsonaro. São 50% (2 pontos a mais que os 48% de julho) os que acham que o ex-presidente deveria ser preso, “considerando o que foi revelado pelas investigações sobre a tentativa de golpe”. Embora minoria, relevantes 43% (queda de 3 pontos em relação aos 46% de julho) acham que Bolsonaro não deveria ser preso, com 7% que não souberam opinar.

 

(Infográfico: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

Cresce a opinião pela prisão de Bolsonaro — A Datafolha também perguntou diretamente: “E na sua opinião, Jair Bolsonaro vai ou não ser preso?” Ao que 50% (10 pontos a mais que os 40% de julho) responderam em setembro: “Sim, vai ser preso”. Outros 40% responderam: “Não vai ser preso”. Ainda é uma parcela relevante, mas são igualmente relevantes 11 pontos a menos do que os 51% que não acreditavam na prisão do ex-presidente em julho. Em setembro, outros 10% não souberam responder.

 

(Infográfico: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

Direito e sociologia — “À medida que a narrativa bolsonarista foi se mostrando incoerente, vide as ações antipatrióticas de Eduardo Bolsonaro, a população em geral, até a que se identifica com a direita, se dá conta de que talvez exista só uma instrumentalização do discurso para obtenção de vantagens pessoais. A ampla cobertura do julgamento do STF também serviu para mostrar que não se tratavam de acusações infundadas ou de perseguição por parte do ministro Alexandre de Moraes. A própria defesa reconheceu, ao menos, o planejamento de um golpe de Estado. A recente articulação dos parlamentares alinhados ao bolsonarismo para aprovação da PEC da blindagem e da própria anistia me parecem ser medidas que também trarão repercussões favoráveis ao crescimento de Lula nas pesquisas”, correlacionou a advogada e socióloga Sana Gimenes, professora de Direito do Uniflu.

 

Página 2 da edição de hoje da Folha da Manhã

 

 

Antropólogo Carlos Abraão Moura Vapassos, promotor de Justiça Victor Queiroz, advogada e socióloga Sana Gimenes, advogado criminalista Felipe Drumond, advogado criminalista Roberto Corrêa, sociólogo Roberto Dutra, defensor público Tiago Abud e geógrafo e estatístico William Passos (Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

Visão do criminalista — “É importante destacar que a população brasileira tende a ter uma cultura punitivista. Mas esse ímpeto punitivo não se mostra uniforme diante de qualquer fato criminoso. E, menos ainda, em face de qualquer acusado. Há uma seletividade de condutas e pessoas que são, de acordo com as identidades de cada grupo, consideradas socialmente danosas e merecedoras de punição. Essa característica parece se reafirmar no resultado das pesquisas. Não creio que, de modo geral, reflitam opiniões desvinculadas de preferências ou repulsas políticas, nem, tampouco, uma análise do Direito. Especialmente se considerado o desgaste político do grupo de Bolsonaro após a tentativa de ingerência dos EUA com o tarifaço ao Brasil, o resultado me parece sugerir uma certa correlação entre a preferência dos eleitores mais fiéis a Bolsonaro e o desejo de anistia”, ponderou Felipe Drumond, advogado criminalista e professor do Instituto de Direito da PUC-Rio.

Houve tentativa de golpe para 55% — Feita após Bolsonaro ser condenado em 11 de setembro, a Quaest fez outros levantamentos pertinentes. A maioria de 55% dos brasileiros acha que houve tentativa de golpe no país, crescimento de 5 pontos sobre os 50% de dezembro de 2024. Os que acham que não houve eram e se mantiveram em 38% no mesmo período, enquanto os que não souberam responder caíram 5 pontos dos 12% de dezembro de 2024 aos 7% em setembro de 2025.

 

(Infográfico: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

Para 54%, Bolsonaro participou — Num período mais curto, entre agosto e setembro na série Quaest, os que acham que Bolsonaro participou da tentativa de golpe oscilaram 2 pontos para cima, de 52% aos atuais 54% dos brasileiros. Os que acham que Bolsonaro não participou oscilaram 2 pontos para baixo: dos 36% de agosto aos 34% de setembro. No mesmo período, eram e se mantiveram em 10% os que não souberam responder.

 

(Infográfico: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

Perseguição do STF contra Bolsonaro para 47% — Também entre agosto e setembro, a Quaest perguntou “O processo judicial contra Bolsonaro foi imparcial ou teve perseguição política?” Os que responderam que “teve perseguição” ainda são a maioria, mas caíram 5 pontos no último mês: de 52% aos atuais 47%. Em contrapartida, os que acham que o julgamento do STF foi imparcial cresceram 6 pontos: dos 36% de agosto aos 42% de setembro. Os que não souberam responder passaram de 12% aos atuais 11%.

 

(Infográfico: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

Pena de 27 anos e 3 meses é exagerada para 49% — Sobre a questão da dosimetria, a maioria de 49% dos brasileiros acha exagerada a pena a Bolsonaro de prisão por 27 anos e 3 meses. Outros 35% acham que a pena é adequada, com 12% que acham insuficiente e 4% que não souberam responder.

Outra visão criminalista — “Datafolha e Quaest revelam que entre 61% e 41% da população é contrária à anistia aos responsáveis pelos atos de 8 de janeiro e ao ex-presidente Jair Bolsonaro. A Datafolha apontou, ainda, que 50% dos brasileiros entendem que Bolsonaro ‘deveria ser preso’ e que cresceu de 40% para 50% a percepção de que ele ‘vai ser preso’. Esses números indicam que a sociedade brasileira espera responsabilização, considerando o perdão um descompasso com a igualdade perante a lei. Ademais, embora 49% dos entrevistados considerem a pena de 27 anos e 3 meses ‘exagerada’, há um núcleo consistente de 35% que a julga adequada, o que demonstra que a crítica popular não é uníssona. Mesmo em processos de forte repercussão e carga ideológica, é imperativo que a técnica jurídica prevaleça. O posicionamento majoritário da população contra a anistia reforça a necessidade de que a responsabilização siga os parâmetros constitucionais e penais, evitando tanto a impunidade quanto o punitivismo”, equilibrou Roberto Corrêa, advogado criminalista.

Análise pela sociologia — “As pesquisas Quaest e Datafolha sobre o julgamento da tentativa de golpe de Estado e da proposta de anistia aos condenados mostram claro crescimento de percepção de que houve uma tentativa de golpe liderada por Bolsonaro. E também de que os condenados não devem ser anistiados. Mesmo assim, ainda é maior a parcela dos que acham que o julgamento foi enviesado contra Bolsonaro e de que sua pena foi exagerada. Há uma grande polarização nessas pesquisas, apesar do aumento do apoio ao desfecho do julgamento. A tese do cientista político Felipe Nunes (CEO do instituto Quaest) é que vivemos hoje em uma sociedade ‘polarizada e calcificada’, com identidades, visões de mundo e opiniões radicalmente divergentes. Acho essa tese exagerada e unilateral, pois descreve a sociedade de uma perspectiva centrada na política, desconsiderando outras esferas sociais sem esse nível de ‘polarização e calcificação’. Mas ela tem validade parcial, pois há uma convergência muito forte entre a divisão das opiniões políticas e a percepção de justiça e injustiça com relação ao julgamento”, interpretou o sociólogo Roberto Dutra, professor da Uenf.

Maioria pela tornozeleira, inelegibilidade e prisão domiciliar — Há também maioria nos 48% dos brasileiros que acham adequado o uso de tornozeleira eletrônica por Bolsonaro (contra 35% que acham exagerado). Como nos 47% que acham adequada a condenação à inelegibilidade em 2026 (contra 35% que acham exagerada) e nos 51% que acham a prisão domiciliar adequada (contra 28% que acham exagerada).

 

(Infográfico: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

Despenca apoio ao impeachment de Moraes — Considerado o principal inimigo do bolsonarismo, Alexandre de Moraes também esteve nas consultas Quaest. Há maioria nos 52% dos brasileiros contrários ao impeachment do ministro do STF em setembro, crescimento considerável de 9 pontos sobre os 43% que eram contrários em agosto. No mesmo período de apenas um mês, os favoráveis ao impeachment de Moraes despencaram 10 pontos: de 46% aos atuais 36%. Os que não souberam responder passaram de 11% a 12% no mesmo período.

 

(Infográfico: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

Análise do defensor público — “Os resultados das pesquisas demonstram que os fatos comprovados pelo julgamento fizeram as pessoas compreenderem, majoritariamente, pela responsabilização dos seus autores, rechaçando a ideia de anistia. Como consequência, ainda, houve a perda do capital político do ex-presidente Bolsonaro, que ficou restrito àqueles que o apoiam incondicionalmente, faça ele o que fizer. As pessoas ouvidas sinalizaram também que, além do julgamento do caso criminal, houve um julgamento político dos mentores da trama golpista. O que é natural para um órgão jurisdicional que julga a política, quando ordinariamente faz o controle das leis editadas por ela, e cujos membros são nomeados pela mesma política”, sintetizou o defensor público Tiago Abud, professor de Direito do Isecensa.

Análise do especialista em pesquisas — “Quaest e Datafolha avaliaram a opinião pública sobre a possibilidade de anistia. Ambas as pesquisas têm margem de 2 pontos para mais ou menos, mas as pesquisas têm formas de fazer perguntas diferentes, o que exige cautela na comparação dos resultados. Para a Quaest, 41% dos brasileiros são contra a anistia, 36% são a favor da anistia para todos os envolvidos, incluindo Bolsonaro, e 10% são a favor da anistia apenas para os manifestantes do 8 de janeiro. Por outro lado, a Datafolha fez apenas uma pergunta generalizada, indagando a população se ela é a favor ou contra uma anistia que livre de punição os responsáveis pela invasão e depredação dos prédios do STF, do Congresso Nacional e do Palácio do Planalto no dia 8 de janeiro de 2023. E 61% dos entrevistados, em setembro de 2025, se posicionaram contra”, ressalvou William Passos, geógrafo com especialização doutoral em estatística no IBGE.

 

Página 3 da edição de hoje da Folha da Manhã

 

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Este post tem 2 comentários

  1. Luiza Helena B M Enes

    Acho que o que mais impacta a opinião popular sobre a condenação do Bolsonaro, se deve às inconsistências durante o processo, tais como: o STF ter mudado as regras no meio do jogo alterando o regimento interno para que o ex- presidente fosse julgado direto no STF, qdo na verdade o foro seria na primeira instância. Sobre o descumprimento dos preceitos constitucionais da inércia do juíz e da imparcialidade, sobre a dosimetria da pena, enfim, foram muitos abusos processuais cometidos, ficando por isso msm. Ao meu ver, se trata de como o judiciário atuou evidenciando os “dois pesos e duas medidas” em comparação ao julgamento do Lula, que apesar de todas as provas contundentes da formação de quadrilha para desvio de dinheiro público, com milhões e milhões devolvidos e réus confessos, os processos foram anulados por inconsistências processuais e não materiais. Então, na minha opinião, esse é o fator preponderante para ser a favor da anistia.

    1. Aluysio Abreu Barbosa

      Cara Luiza Helena,

      A sua opinião a favor da anistia está representada nas pesquisas: 36% dos brasileiros na Quaest, quase igual aos 33% da Datafolha. É relevante, mas é minoritária. E em tendência de queda, após o tiro no pé do tarifaço dos EUA de Trump ao Brasil por conta de Bolsonaro. A questão não será decidida pelo voto popular, mas dele dependerão todos os deputados federais e 2/3 dos senadores eleitos em 4 de outubro de 2026, daqui a pouco mais de um ano. Se o PL da Anistia eventualmente passasse na Câmara, a expectativa é de que não passe no Senado, antes mesmo de ser vetado pelo presidente Lula, que já disse que o faria, e de ser considerado inconstitucional pelo STF. Em outras palavras, a decisão final será do STF. A quem, segundo Rui Barbosa, “cabe a prerrogativa de errar por último”.

      Obrigado pela chance do debate e bom domingo!

      Aluysio

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