Produção de Campos e olhos ao Oscar em “Ainda Estou Aqui”

 

“Ainda Estou Aqui” (Foto: Divulgação)

 

“Um filme sobre uma família”. É como a produtora campista de cinema Maria Carlota Fernandes Bruno definiu duas vezes, em entrevista, o filme “Ainda Estou Aqui”, dirigido por Walter Salles. Sucesso de público e crítica, no Brasil e no mundo, conta a história real da família do ex-deputado federal e engenheiro Rubens Paiva (interpretado por Selton Mello). Que é assumida por sua esposa, Eunice (na pele madura de Fernanda Torres e, já idosa, de Fernanda Montenegro), após o marido ser levado de casa por agentes armados em 1971. Para ser torturado, assassinado e ter seu corpo desaparecido pela nossa última ditadura militar (1964/1985).

Entre crueldade, perda, coragem e reconstrução, a tragédia da família e do país tem levantado prêmios em festivais internacionais. Foi selecionado pelo Brasil à disputa de uma indicação ao mais badalado deles, o Oscar. Talvez não só de filme estrangeiro, mas como a própria crítica dos EUA tem cogitado, também de atriz com Fernanda Torres, entre outras possíveis categorias. Além da performance em público e festivais de “Ainda Estou Aqui”, das chances deste ao Oscar e da própria carreira como produtora de grandes diretores do cinema nacional, Carlota falou da boa acolhida ao filme na sua Campos natal. Onde, a despeito do conservadorismo político da cidade, a evidência dos crimes da extrema-direita segue em cartaz nos cinemas.

 

Campista Maria Carlota Fernandes Bruno, produtora de cinema e CEO da VideoFilmes (Foto: Divulgação)

 

 

Folha da Manhã – Desde sua estreia nacional em 7 de novembro, “Ainda Estou Aqui” liderou as bilheterias do país, à frente de blockbusters de Hollywood. E superou a marca de 1 milhão de espectadores em 11 dias. Vocês esperavam tanto sucesso de público no Brasil? Como o receberam?

Maria Carlota Fernandes Bruno – Recebemos com muita alegria o público brasileiro que lotou as salas de cinema na primeira semana e continua lotando. O filme se manteve em 1º no terceiro final de semana, alcançando mais de 1,7 milhão de espectadores e batendo superproduções norte-americanas. E, esta semana, batemos 2 milhões de espectadores. É a segunda maior bilheteria de um filme brasileiro depois da pandemia.

 

Fernanda Torres e Maria Carlota Fernandes Bruno

Folha – O filme também tem sido muito bem recebido por críticos e festivais internacionais de cinema. Recebeu prêmios importantes nos festivais de Veneza, Vancouver, Mill Valey, Miami e Pingayo. Como foi percebida essa recepção na Itália, Canadá, EUA e China?

Carlota – O filme teve a sua estreia mundial na Competição Oficial do Festival de Veneza e ganhou prêmio de melhor roteiro. Toda premiação é sempre importante. Na sequência, o filme foi exibido e muito bem recebido em Toronto, que é uma vitrine para filmes norte-americanos e também filmes de outras latitudes. Walter, Fernanda e Selton deram muitas entrevistas e elas repercutiram bastante na imprensa norte-americana e também aqui no Brasil. O filme já foi convidado para mais de 50 festivais internacionais e ganhamos prêmios de público nos festivais de Mill Valley, nos EUA; Vancouver, no Canadá; Pessac, na França; e na Mostra de São Paulo. O que só confirma que o público em várias latitudes gosta do filme.

 

Folha – “Ainda Estou Aqui” foi escolhido pela Academia e Cinema do Brasil como representante do país, junto aos de outros 85, a uma indicação ao Oscar de 2025. A lista prévia sai em 17 de dezembro e os indicados serão anunciados em 17 de janeiro. Qual é a real expectativa?

Carlota – Em 23 de setembro, “Ainda Estou Aqui” foi escolhido pela Academia Brasileira de Cinema para ser o candidato brasileiro apto a concorrer a melhor filme internacional no Oscar. Vale dizer que a comissão de 25 membros, presidida pela atriz Barbara Paz, foi uma escolha unânime, o que é raro. Com isso, Sony Classics, a distribuidora americana, inscreveu o filme na plataforma da Academia Americana como fez os outros 85 candidatos de outros países. No dia 17, sai a lista com os 15 filmes escolhidos. E, em janeiro, sai a “shortlist” com os 5 candidatos que concorrerão na categoria de melhor filme internacional. É um trabalho árduo com muitas viagens, muitos debates e muitas projeções, para fazer com que o filme seja visto pelo maior número de pessoas nos Estados Unidos e Europa.

 

Cartaz original de “O Pagador de Promessas”, de Anselmo Duarte, com cena de Leonardo Villar em destaque

Folha – Desde “O Pagador de Promessas” (1962), de Anselmo Duarte, o Brasil disputa o Oscar, mas nunca levou. Isso aumenta a ansiedade do país e da equipe? E a pessoal do diretor Walter Salles, que já teve “Central do Brasil” (1998) indicado ao Oscar de filme estrangeiro?

Carlota – Acho que existe uma torcida dos brasileiros e brasileiras de que o filme e também a Fernanda Torres sejam indicados. Com a internet, temos visto esse movimento acontecer de forma muito natural e com humor. Acho que existe um clima de “agora vamos trazer o Oscar para o Brasil”. Enquanto produtora do filme e CEO da VideoFilmes, eu gostaria de que o filme fosse indicado, mas o mais gratificante até agora é ver o público voltar às salas de cinema para assistir ao filme. Tomara que se crie o hábito de o brasileiro prestigiar a sua cultura e assistir a outros filmes brasileiros que estão neste momento em cartaz como “Retrato de um Certo Oriente”, de Marcelo Gomes; “Malu”, de Pedro Freire; e a animação “Arca de Noé” (de Sérgio Machado e Alois Di Leo), baseado no disco de Vinicius de Moraes; entre outros.

 

Vinícius de Oliveira e Fernanda Montenegro em “Central do Brasil”

Folha – “Central” também rendeu indicação ao Oscar de melhor atriz a Fernanda Montenegro. Em sua crítica à revista Deadline, Stephanie Bunbury escreveu sobre a atuação de Fernanda Torres em “Ainda Estou Aqui”: “deve catapultá-la (…) 25 anos depois de sua mãe, Fernanda Montenegro ter sido indicada ao Oscar”. Há esse critério de “justiça” visto por Hollywood?

Carlota – Não sei dizer se existe esse critério “de justiça” em Hollywood, mas acho que os brasileiros estão com esse sentimento. Aconteceu algo curioso e divertido: há alguns dias o site oficial da Academia postou uma foto da Fernanda Torres assim como de outras atrizes que participaram de um evento que se chama Governors Ball, em Los Angeles, e a foto da Fernanda teve mais de 800 mil comentários. Somos um país continental.

 

Fernando Alves Pinto e Fernanda Torres em “Terra Estrangeira”

Folha – A parceria de Walter com Fernanda Torres começou em “Terra Estrangeira” (1995), no que ficou conhecido como “retomada” do cinema brasileiro após o desmonte da Embrafilme no governo Collor. Em que essa química entre diretor e atriz ajudou “Ainda Estou Aqui”?

Carlota – Walter sempre diz que “Ainda Estou Aqui” é um filme sobre uma família, feito por uma família. Voltar a ter essa parceria artística com as duas em um mesmo filme é muito especial na carreira dele. E é sobre isso que as longas parcerias dizem respeito, criar uma família fílmica.

 

Folha – Além das categorias filme, filme estrangeiro, atriz e diretor, outras indicações ao Oscar são consideradas possíveis a “Ainda Estou Aqui”: roteiro adaptado (Heitor Lorega e Murilo Hauser), ator coadjuvante (Selton Mello) e edição (Affonso Gonçalves). O que vocês projetam?

Carlota – As ações feitas pela Sony Classics são as mesmas, o filme tem que ser visto para ser promovido. Através das sessões e do boca a boca, o filme vai ganhando espaço em outras categorias. O que ajuda nas demais categorias são críticas e prêmios técnicos, isso alavanca as possibilidades do filme.

 

Filho de Eunice e Rubens Paiva, e autor do livro “Ainda Estou Aqui”, que deu base ao filme homônimo, Marcelo Rubens Paiva com Fernanda Torres, Selton Mello, Walter Salles, a campista Maria Carlota Fernandes Bruno e o também produtor Rodrigo Teixeira, no Festival de Veneza (Foto: Divulgação)

 

“Na Estrada”, adaptação dirigida por Walter Salles do romance “On the Road”, de Jack Kerouac

Folha – Numa adaptação de época impecável, como foi a produção entre você, Walter, Rodrigo Teixeira e Martine de Clermont-Tonnerre? Como foi sua trajetória pessoal e profissional de Campos à produtora de um dos maiores cineastas do Brasil? Como funciona essa parceria?

Carlota – Walter não atua como produtor, ainda que a VideoFilmes seja uma das produtoras do filme. A relação com Martine vem de longa data, ela foi a coprodutora francesa de “Central do Brasil”. Rodrigo é um produtor que tem uma expertise internacional, pois produz filmes aqui no Brasil, nos EUA e na Europa, e veio para somar. Com relação à minha trajetória, estou há 35 anos na VideoFilmes. Ao longo desses anos, fui crescendo profissionalmente com a confiança que tanto Walter como seu irmão João (Moreira Salles, cineasta documentarista, produtor e fundador da revista “Piauí”) depositaram em mim. Comecei como assistente pessoal do Walter e durante anos pude acompanhá-lo nas produções no Brasil, como também no exterior, com “Diários de Motocicleta” (2004), “Água Negra” (2005) e “Na Estrada” (2012). Essas experiências me deram estofo e, em 2011, assumi a VideoFilmes como diretora executiva e desde então venho produzindo documentários como “No Intenso Agora” (2017), do João; “Últimas Conversas” (2015),  do mestre Eduardo Coutinho; “Jia Zhangke, Um Homem de Fenyang” (2014), do Walter; e “Marinheiro das Montanhas” (2021), de Karim Aïnouz.. Nesse momento estou produzindo o novo documentário de Marcelo Gomes sobre Sidarta Ribeiro (neurocientista brasileiro) e outro sobre ativista indígena Txai Suruí e seu pai, o cacique Almir, codirigido por João e o coletivo de indígenas. Também sou produtora da animação “Arca de Noé”, dirigido por Sérgio Machado e Alois di Leo. Ao longo dos anos, a VideoFilmes também fez algumas coproduções nacionais e com a Argentina. Este ano, além de “Ainda Estou Aqui em Veneza”, sou produtora associada de “Manas”, primeiro longa-metragem de Marianna Brennand. Como “Ainda Estou Aqui”, “Manas” também foi premiado em festival. No momento também estou coproduzindo, junto com Joana Mariani e Eliane Ferreira, o longa-metragem “Cyclone”, longa de ficção ambientada na São Paulo de 1929.  Enfim, posso dizer que é parceria longeva, gratificante que envolve confiança, admiração e respeito de ambos os lados.

 

Selton Mello e Maria Carlota no Festival BFI de Londres (Foto: Divulgação)

Folha – Em Campos, Bolsonaro teve mais de 63% dos votos válidos no 2º turno a presidente em 2018, quando venceu, e em 2022, quando perdeu. E, a despeito do conservadorismo político da cidade, o filme também foi sucesso de público e segue em cartaz. Como campista, qual sua visão?

Carlota – Fiquei muito feliz quando soube que tivemos 40% a mais de campistas que foram assistir ao filme. O filme é acima de tudo sobre uma família, ou melhor sobre uma mulher forte e altiva, Eunice Paiva, que teve que se reinventar quando o marido é levado de casa sem nenhuma explicação e nunca mais retornou. É sobre a luta dela para conseguir ter um atestado de óbito, 25 anos depois do desaparecimento do Rubens Paiva. E também por ter se tornado uma advogada defensora da causa indígena e, acima de tudo, por manter a família unida que ficou órfã desse pai. Essa história poderia ter acontecido com qualquer família. Para mim, cinema, a arte em geral, está acima de qualquer viés ideológico. Como campista, só tenho a agradecer a cada campista que já assistiu e ainda vai assistir ao filme na tela de cinema.

 

Capa da Folha Dois de hoje, na Folha da Manhã

 

 

Confira o trailer do filme:

 

 

Mike Tyson como ídolo de uma geração e do meu filho

 

Mike Tyson, aos 58 anos, contra Jake Paul, de 27

 

“Todo mundo tem um plano, até levar um soco na cara”. Se fosse dito pelo filósofo ateniense Sócrates, soldado condecorado por bravura na Guerra do Peloponeso (431/404 a.C.) contra Esparta, seria mandamento ao pensamento ocidental. Mas é do nova-iorquino Michael Gerald Tyson, o Iron Mike, ex-campeão mundial profissional peso pesado do boxe inventado pelos antigos gregos. Na tal pós-modernidade, é um fenômeno do esporte e ícone da cultura pop.

Quem viveu com algum grau de consciência os anos 1980 e 1990, teve Mike Tyson entre suas maiores referências. Até hoje, é o campeão profissional peso pesado mais novo da história do boxe. Filho abandonado pelo pai, vinha de infância e adolescência pobres e de crimes em Bedford-Stuyvesant, bairro central do Brooklyn, numa Nova York violenta. Maior cidade do mundo que então vivia a adrenalina cotidiana de cidadezinha de western.

Da briga de rua, Tyson descobriu o boxe num reformatório, após 38 detenções. Onde foi descoberto, aos 13 anos, pelo lendário treinador Cus D’Amato. Que, até então, tinha revelado o campeão peso pesado de boxe mais jovem da história: Floyd Patterson, em 1956, aos 21 anos e 10 meses. D’Amato morreu um ano antes de Tyson abreviar isso. E ser o campeão mais jovem da categoria máxima do boxe, em 1986, com 20 anos e 4 meses de idade.

 

 

Do auge de Tyson, com uma fúria nunca antes vista no boxe, como da sua queda igualmente precoce, muito já foi escrito. Sua condenação por estupro não deve ser relativizada. Como o fato de que, entre prisões e solturas, ele fugiu do confronto contra os grandes do seu tempo: do então já veterano George Foreman, dono do direto de direita mais devastador da história, aos também pegadores Riddick Bowie, Ray Mercer e Tommy Morrison.

Quando se pôs à prova contra iguais, Tyson perdeu as três. Duas contra Evander Holyfield, em 1996 e 1997. Nesta, chocou o mundo, ao morder duas vezes e arrancar um pedaço da orelha do oponente. Como na maior surra que tomou, aplicada pelo britânico Lennox Lewis em 2002. Que cozinhou Tyson como galo: na pressão, a fogo brando. Com técnica, envergadura e paciência, amaciou a carne dura, até o nocaute inapelável no 8º round.

 

 

Tudo isso é preâmbulo, longo e talvez curto ao necessário. À luta de oito assaltos entre Tyson, aos 58 anos, contra o youtuber e emergente pugilista profissional Jake Paul, de 27,  31 mais novo. Foi na madrugada brasileira do último sábado (16), transmitida ao vivo pela Netflix. Em rounds mais curtos de 2 minutos — no boxe profissional e amador, cada um dura 3 —, Tyson dominou os dois primeiros. E foi dominado pelo inexorável do tempo nos seis seguintes.

 

 

São 58 anos. Que, sobretudo em esporte, cobram preço alto a qualquer um. Em explosão, velocidade, reflexos, coordenação motora e condição cardiorrespiratória. Somado à longa ausência dos ringues, que cassa o ritmo e a noção de distância. Ainda assim, Tyson teve seus momentos. De agressividade nos primeiros rounds. Mas, sobretudo, na ainda impressionante capacidade de defesa, em fintas rápidas e laterais de cabeça e tronco.

 

 

Jake Paul, provavelmente, nunca será campeão mundial. Talvez, nem chegue aos top 10 entre os profissionais. Mas, goste-se ou não dele entre os lovers e haters das redes sociais das quais é egresso, tem provado ser um pugilista esforçado de nível razoável. No boxe, já tinha imposto knock down, antes de vencer por pontos o grande ex-campeão de MMA Anderson Silva. Por ter começado já adulto no esporte, o garoto branco e bobo de Ohio merece respeito.

A quem viveu o final do séc. 20 e início do 21, o mais contundente da luta de sábado veio antes do gongo inicial. Quando um Lennox Lewis sempre articulado, como era desde os ringues, e um Evander Holyfield meio sonado deles, foram ao vestiário de Tyson, desejar-lhe sorte. Não ao indivíduo, mas à grande geração de todos. “Let’s go, champ”, convocou Lewis, o melhor deles, com a antiga e exuberante juba de leão rastafári cassada pela calva da velhice.

 

 

Nesses aparentes conflitos geracionais, vale a contextualização embasada do grande crítico literário George Steiner. Morto em 2020, aos 90 anos, ele disse muito lúcido em 2016, numa entrevista ao jornal espanhol El País:

— Vou lhe dizer uma coisa: Shakespeare teria adorado a televisão. Ele escreveria para a televisão. O que realmente me entristece é que as pequenas livrarias, os teatros de bairro e as lojas de discos estejam fechando. Por outro lado, os museus estão cada vez mais cheios, as multidões lotam as grandes exposições, as salas de concerto estão cheias… Portanto, cuidado, porque esses processos são muito complexos e diversificados para se querer fazer julgamentos generalizantes. O senhor Muhammad Ali era também um fenômeno estético. Como um deus grego. Homero teria entendido perfeitamente Muhammad Ali.

Após a luta que o jovem Jake Paul venceu (só) por pontos a um Tyson quase sexagenário, este testemunhou:

— Essa é uma daquelas situações em que você perdeu, mas, ainda assim ganhou. Não me arrependo de entrar no ringue uma última vez. Quase morri em junho (quando teve uma hemorragia por úlcera). Fiz oito transfusões de sangue. Perdi metade do meu sangue e 11 kg no hospital. E tive que lutar para ficar saudável para lutar. Então, venci. Ter meus filhos me vendo ficar de igual para igual e terminar 8 rounds com um lutador talentoso e com metade da minha idade, na frente de um estádio lotado do Dallas Cowboys, é uma experiência que nenhum homem tem direito de pedir. Obrigado!

Sem nenhuma figura de linguagem, Homero também teria entendido perfeitamente Mike Tyson. Herói trágico que meu filho único, de nome grego, tinha por ídolo.

 

 

“Ainda Estou Aqui” — “A sociedade foi Rubens Paiva”

 

 

Assisti “Ainda Estou Aqui” em Campos no último domingo (10), no Cineflix do Shopping 28. Foi na última sessão de um dia particularmente feliz aos rubro-negros, com o 5º título da Copa do Brasil conquistado pelo Flamengo. Contra um Atlético Mineiro que tem por grande rival, desde o Brasileiro de 1980, o clube da Gávea. Mesmo que este, por ganhar quase sempre os jogos decisivos contra o time das Minas Gerais nos últimos 44 anos, ignore essa rivalidade.

Do futebol ao cinema e à política, da vida à arte que a imita, o perdedor pode ser mesquinho. O vencedor, para ser completo, tem que ser generoso. Vencedores ressentidos tendem a ser breves.

É da mesquinhez homicida de vencedores breves que trata o novo filme de Walter Salles. Considerado por muita gente o melhor diretor do Brasil no que ficou conhecido como “retomada” do cinema nacional, a partir de “Carlota Joaquina, Princesa do Brazil” (1995), de Carla Camurati.

Também de 1995 é o primeiro grande filme de Walter, co-dirigido por Daniela Thomas: “Terra Estrangeira”, produção luso-brasileira e primeira parceria do diretor com a atriz Fernanda Torres. Com a mãe homônima desta, Fernanda Montenegro, Salles faria aquele tido como seu melhor filme: “Central do Brasil” (1998). Pelo qual a grande diva brasileira concorreu ao Oscar de melhor atriz, falando em português. Ela também está em “Ainda Estou Aqui”.

O filme começa numa cidade do Rio de Janeiro ainda idílica, boiando como Fernanda Torres na pele de Eunice Paiva no mar da praia do Leblon, no início dos anos 1970. Momento para si mesma, na emersão da dona de casa, mãe de cinco filhos e esposa do ex-deputado federal (cassado pelos militares em 1964) e engenheiro Rubens Paiva. Interpretado por Selton Mello, ele é o protagonista do primeiro terço do filme.

Naquele começo dos anos 1970, no entanto, o Rio como síntese do Brasil não era mais o da felicidade cantado na Bossa Nova, entre o final dos anos 1950 e início dos 1960. Que ainda parece ecoar na casa dos Paiva. Onde se canta e dança, sempre aberta aos amigos e à troca de influências entre pais e filhos.

Como corpo boiando na superfície aparentemente calma do mar, tudo acaba arrastado pela corrente da mesquinhez dos vencedores do golpe civil-militar de 1964. Que, num tsunami, invade a casa com agentes da repressão da ditadura. Para levar primeiro Rubens Paiva, depois Eunice e a filha de 15 anos do casal, a Eliana interpretada por Luiza Kosovski.

Após acalmar a família e seus captores, vestir terno e gravata e sair guiando o próprio carro sob escolta armada, não sabemos mais de Rubens Paiva. A partir dali, também presa e interrogada por 12 dias nos porões de um quartel militar, onde o som dos torturados ao fundo lembra muito o que vem do outro lado do muro de Auschwitz em “Zona de Interesse” (2023, de Jonathan Glazer), quem assume o protagonismo do filme brasileiro é Eunice.

A envergadura moral que a personagem revela é equilibrada pela composição de contenção de Fernanda Torres. Que assim tem que ser para assumir o leme da família, da criação dos cinco filhos, da reconstrução da sua própria vida e da cobrança corajosa pelo destino do marido, mesmo após sabê-lo morto. Ainda acossada pela mesquinhez covarde dos seus algozes, Eunice não boia mais à deriva. Ela navega!

Baseado no livro homônimo de 2015 de Marcelo Rubens Paiva, único homem entre os cinco filhos e interpretado criança por Guilherme Silveira, a história real da sua família não é sua primeira adaptação ao cinema. Seu primeiro livro, “Feliz Ano Velho”, também autobiográfico e sucesso editorial desde o lançamento em 1982, gerou filme homônimo em 1987, dirigido por Roberto Gervitz. No qual o narrador e personagem central é vivido por Marcos Breda.

Pelos olhos do filho, a saga dos Paiva em “Ainda Estou Aqui” é refletida na retina da mãe, de Fernanda Torres a Montenegro, Eunice da velhice. Além de ter sido indicado a uma vaga na disputa ao Oscar de melhor filme estrangeiro, tem expectativa de concorrer em outras categorias, inclusive, a de melhor atriz com a filha xará da Fernandona. Em 17 de janeiro de 2025, quando forem reveladas as indicações ao maior prêmio de Hollywood, saberemos.

Com a vitória esmagadora da direita nas eleições municipais do Brasil em outubro (confira aqui) e da extrema-direita nas eleições presidenciais dos EUA em novembro (confira aqui e aqui), a despeito da classe artística dos dois países militar majoritariamente no campo político progressista, o filme parece ter vindo errado no tempo. Ou, talvez, o tempo seja errado ao filme.

Certeza, só duas. A primeira, é do jornal satírico Sensacionalista: “‘Ainda Estou Aqui’ faz R$ 8 mi e prova que boicote da direita é a melhor política de incentivo à cultura”. A segunda é um pouco mais antiga. Foi ecoada na parte final do discurso de Ulysses Guimarães, ao promulgar a Constituição de 1988: “A sociedade foi Rubens Paiva, não os facínoras que o mataram”.

 

Confira o trailer do filme:

 

O que há de complexo e simples na vitória de Trump

 

Num lance que pode ter aumentado o tamanho da sua vitória eleitoral na reta final de campanha, sobretudo entre os eleitores pobres dos EUA, Trump aparece guiando um caminhão de lixo com seu slogan na lateral — “Make America Great Again!” — em comício na cidade de Green Day, no estado-pêndulo de Wisconsin, em 30 de outubro, após uma gafe em que o presidente Joe Biden se referiu aos eleitores do adversário como “lixo” (Foto: Reprodução de vídeo)

 

Não sou simpatizante de Donald Trump, da extrema-direita ou de nenhum político populista de qualquer matiz ideológico. Mas, como analista impessoal, sou obrigado a reconhecer que a vitória de Trump e do Partido Republicano sob sua liderança foi inquestionável. Não surpreendeu por ter ocorrido, possibilidade apontada por todas as pesquisas. Mas por sua dimensão acachapante, muito além de qualquer margem de erro matemática.

Eleição suburbana — No que a matemática explica, não houve surpresa demográfica. Os democratas continuaram a ser um partido urbano. Representando 29% dos eleitores efetivos de um país onde o voto não é obrigatório, 59% deles votaram em Kamala Harris e 38% em Trump. Como os republicanos continuaram a ser um partido rural. Representando 19% dos eleitores efetivos, 64% deles votaram em Trump e 34% em Kamala. Foi nos subúrbios que a eleição foi definida. Representando a maioria de 51% dos eleitores efetivos, 51% deles votaram em Trump e 47% em Kamala.

Voto do homem negro — Os motivos são vários e complexos. Vão do “é a economia, estúpido!”, na sentença de Jim Carville que favoreceu aos democratas nos anos 1990 com Bill Clinton, à ressaca daquele tempo de globalização com a desindustrialização e perda de postos de trabalho nos EUA. Que fez os estados-pêndulo da Pensilvânia, Michigan e Wisconsin votarem Trump em 2024, por não verem a reversão do quadro após terem votado Biden em 2020. O aumento do voto do homem negro dos EUA nos republicanos, por conta da inflação, é um retrato disso.

Voto dos homens e mulheres brancos — Há ainda a questão imigração ilegal, comum à Europa, que jogou também os estados-pêndulo do Arizona e Nevada, na fronteira noroeste do México e da América Latina, no colo de Trump. O voto da maioria dos homens e também das mulheres brancas dos EUA nos republicanos é um retrato disso.

Voto religioso e latino — Inegável ainda o soçobrar da esquerda identitária. Sobre a qual o cientista político estadunidense Mark Lilla já havia alertado em artigo no New York Times, “The End of Identity Liberalism”, desde a primeira vitória presidencial de Trump, em 2016. Para, em 2024, ainda esbarrarmos na constatação óbvia do cientista político brasileiro Luis Felipe Miguel sobre a nova vitória de Trump, muito maior que a anterior: “O apelo identitário se mostra cada vez mais contraproducente, afasta mais eleitores do que congrega”. O voto religioso e dos latinos contra a retomada do direito ao aborto proposto por Kamala é um retrato disso.

Identitarismo x revolução — Nos EUA, no Brasil e no mundo, o narcisismo identitário oxida — “apodrecendo o cante/de dentro, pela espinha” como versejou João Cabral — o campo político progressista. Trocar a utopia da revolução pelos dogmas de fé do identitarismo, paradoxalmente, tirou a própria identidade da esquerda. Que cedeu à direita a perspectiva da ruptura violenta com o status quo. Como se tentou no Capitólio com os trumpistas de 2021, ou na Praça dos Três Poderes com os bolsonaristas de 2023. No início de 2024, o filósofo marxista Wladimir Safatle reconheceu: “A extrema-direita é hoje a única força política real do país, porque é a força que tem capacidade de ruptura, tem estrutura e coesão ideológica”.

O mundo numa sala de estar — Nesse sentido, foi emblemática a derrota até certo ponto humilhante de Kamala. Ao encarnar e colidir de face com a definição da ensaísta e crítica social estadunidense Camille Paglia: “Mulheres burguesas de classe média que pensam poder transformar o mundo na sua sala de estar”. À virilidade do campo progressista, a passagem do tempo pode ser melhor observada no que há de comum, com todas suas particularidades e diferenças, na velhice de Lula e Biden.

A bolha de Kamala — Outra observação aparentemente contraditória entre direita e esquerda, mas precisa, foi da jornalista Sandra Coutinho, da Globo News: “O bilionário (Trump) está falando para os mais pobres. E a mulher que se vendeu o tempo todo como alguém que veio da classe média, que viveu o ‘sonho americano’, que é filha de imigrantes e conseguiu chegar a uma universidade de prestígio, se formar em Direito e chegar onde ela chegou, ela fala para a elite (…) Kamala Harris só teve bom desempenho (eleitoral) nas elites. Ela falou para uma bolha muito restrita, uma bolha liberal, uma bolha de poder aquisitivo muito alto”.

A bolha de Boulos e Jefferson — Quem acompanhou, nas pesquisas e urnas, o desempenho da esquerda com Guilherme Boulos (Psol) e Professor Jefferson (PT), candidatos a prefeito, respectivamente, de São Paulo e Campos, pôde constatar o mesmo elitismo na fatia majoritária dos seus eleitores. E a contrapartida nos vencedores, identificados como de direita e maciçamente votados pelos mais pobres: Ricardo Nunes (MDB) e Wladimir Garotinho (PP).

Valor retórico — Se Trump mente demais, não há verdade em ignorar que outras coisas podem importar mais à decisão da urna. A eleição que ele perdeu em 2020 não foi fraude e a derrota de Kamala em 2024 não foi misoginia. Foi a vontade soberana do voto. Chamar quem vota na direita de “fascista” e quem vota na esquerda de “comunista” tem o valor retórico da criança de creche que chama de “bobo” e “feio” o colega de quem discorda. Com o detalhe: na discussão política nivelada a isso, o placar favorável à direita sugere os 7 a 1 da Alemanha.

Orbanização dos EUA? — O que esperar do novo governo Trump? Se cumprir o que ameaçou em campanha e subordinar politicamente o Judiciário e o Pentágono, seria a orbanização — em relação ao que Viktor Órban fez na Hungria — da democracia mais longeva e poderosa da Terra. Trump agiria legitimado desta vez não só pela vitória no colégio eleitoral dos EUA, mas também pelo voto popular. Com maioria no Senado, Câmara e Suprema Corte, teria como freio e contrapeso os militares, dos quais voltará a ser comandante em chefe, e a Constituição.

Anistia a Bolsonaro? — Que influência isso terá ao Brasil? Para o jornalista Jamil Chade, do UOL: “No Palácio do Planalto, a ordem é manter relação de ‘pragmatismo’ (…) Mas uma ofensiva protecionista de Trump que afete produtos nacionais, sua guerra comercial com a China, a elevação da taxa de juros ou envolvimento no debate de anistia a Jair Bolsonaro podem forçar o Brasil à mudança de rumo (…) Com Elon Musk como cabo eleitoral, Trump poderia incrementar essa pressão. Ainda no mês de novembro, uma missão de deputados bolsonaristas deve também viajar para Washington, na esperança de elevar a pressão”.

O que é simples — Ademais, talvez não seja coincidência que, em 2025, teremos a volta de Trump à Casa Branca e só 12% dos brasileiros governados por um(a) prefeito(a) de esquerda. O que, por fim, leva a uma explicação relativamente simples. Contra Trump, Kamala foi a vice do governo popularmente mal avaliado de Biden. Em tese e antítese, isso explica todas as eleições que cobri jornalisticamente este ano. Das municipais do Brasil, em que pude antecipar 11 prefeitos; às federais dos EUA, cujo tamanho do resultado ninguém pôde prever.

Em nenhuma eleição de 2024, o ano que não acabará à esquerda do mundo, houve vitória maior que a de Trump.

 

Trump faz barba, cabelo e bigode: presidente, senador e deputado

 

Após ser derrotado na tentativa de reeleição em 2020, Donald Trump volta à Casa Branca, com vitória do Partido Republicano também no Senado e Câmara

 

Foi um vareio de Donald Trump. Como previsto, os estados-pêndulo (swing states) entre republicanos e democratas nas eleições a presidente do EUA, decidiram ontem (5) o novo ocupante da Casa Branca. Mas não foi apertado, como projetavam as pesquisas. Com a apuração ainda em andamento, ele chegou ao número de 291 delegados no Colégio Eleitoral dos EUA, no qual vence quem faz o mínimo de 270.

Trump venceu a democrata Kamala Harris nos sete estados-pêndulo: Pensilvânia, Geórgia, Carolina do Norte, Michigan, Wisconsin, Arizona e Nevada. O estado de Iowa, onde pesquisas chegaram a projetar uma virada democrata, permaneceu republicano.

A vitória do partido conservador dos EUA foi completa. Elegeu também 52 senadores, contra 43 democratas, na renovação de 1/3 da Câmara Alta. Na renovação integral da Baixa, outra vitória no voto: 207 deputados republicanos, contra 188 democratas.

 

Sem favorito nos EUA, Kamala e Trump atrás de 270 delegados

 

Kamala Harris e Donald Trump (Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr)

 

 

Sem favorito entre Kamala e Trump

Com base na análise impessoal das pesquisas, a Folha antecipou a eleição de 11 prefeitos em outubro. No 1º turno, em Campos e outros 9 municípios da região. No 2º turno, na cidade de São Paulo. Em todos eles, alheio à paixão, a objetividade dos números apontava o favorito, confirmado na urna. Através das mesmas pesquisas, não foi possível, por exemplo, antecipar o vencedor a prefeito na disputa voto a voto de municípios como São Francisco de Itabapoana e Quissamã. Como não há favorito nas pesquisas à eleição a presidente dos EUA, realizada ontem, na disputa acirrada entre a democrata Kamala Harris e o republicano Donald Trump.

 

O número mágico: 270 delegados

Um candidato é eleito presidente do Brasil com o mínimo de 50% mais um voto popular. Um candidato é eleito presidente dos EUA com o mínimo de 270 delegados. O critério da eleição presidencial do Brasil é estabelecido pela Constituição de 1988, sétima em 200 anos entre ditaduras e democracias. O critério da eleição presidencial dos EUA é estabelecido pela Constituição de 1787, única há 237 anos na mesma democracia. Em cada um dos atuais 50 estados dos EUA, quem nele vencer a presidente por apenas 1 voto popular, leva todos os delegados daquele estado. No total de 538 do Colégio Eleitoral do país, vence quem bate 270.

 

Por 1 voto, todos delegados do estado

Apenas os estados do Maine e Nebraska dividem seus delegados por distrito e pelo todo do estado — como no sistema eleitoral do voto distrital misto da Alemanha. A partir do quantitativo de população de cada estado, o número de delegados varia do mínimo de 3 ao máximo de 54. Quem tem estes é a Califórnia, estado mais populoso e mais rico dos EUA. Não é preciso pesquisa para saber que a maioria do voto popular na Califórnia dará todos os seus 54 delegados a Kamala. Ou que a maioria do voto popular do Texas, segundo estado mais populoso dos EUA, dará todos os seus 40 delegados a Trump.

 

Estados-pêndulo decidirão

Entre os estados onde a tradição democrata ou republicana foi confirmada fora da margem de erro das pesquisas, Kamala teria 226 delegados, faltando 44 para vencer. Já Trump teria 219 delegados, faltando 51 para vencer. É nos chamados swing-states, estados-pêndulo entre democratas e republicanos a cada eleição, que será definido o(a) presidente. No Sudoeste dos EUA, eles são Arizona (11 delegados) e Nevada (6). No Sudeste, a Geórgia (16) e Carolina do Norte (16). E no Centro-Norte e Nordeste dos EUA, no chamado “Cinturão da Ferrugem”, são Wisconsin (10), Michigan (15) e, sobretudo, a Pensilvânia e seus 19 delegados.

 

(Infográfico: Eliabe de Souza, o Cássio Jr)

 

Entre 93 ou 99 delegados?

Ao todo, são 7 estados-pêndulo e 93 delegados. E, em todos, Trump e Kamala estão tecnicamente empatados nas pesquisas. Há ainda outro pêndulo possível: no estado de Iowa (6 delegados), também no Centro-Norte dos EUA e tradicionalmente republicano, uma pesquisa coordenada pela respeitada especialista Ann Seelzer registrou que Trump teria sido ultrapassado por Kamala na reta final da campanha. Nesta consulta aos 47 do 2º tempo, a diferença de 3 pontos a favor da democrata é muito pequena para cravar a virada. Mas uma pulga passou a morder atrás da orelha na anterior certeza republicana em Iowa.

 

(Infográfico: Eliabe de Souza, o Cássio Jr)

 

Particularidades pró-Trump

Central na campanha presidencial dos EUA, como é hoje na Europa, a questão da imigração ilegal pode influenciar favoravelmente a Trump nos estados-pêndulo de Nevada e do Arizona, ambos próximos ao México. Como a tradição republicana é maior nos pendulares Carolina do Norte e Geórgia. Embora Joe Biden tenha vencido neste estado em 2020, que tem considerável população negra, o próprio ex-presidente democrata Barack Obama buscou se esforçar na campanha de Kamala para superar uma inesperada resistência. De homens negros em votar na vice de um governo em que identificam perda de poder de compra com a inflação.

 

O “Cinturão da Ferrugem”

Até a eleição de Trump em 2016, mesmo atrás da democrata Hillary Clinton por quase 3 milhões de votos populares, os estados de Michigan, Wisconsin e Pensilvânia eram democratas. Foi a decadência das suas indústrias, daí o “Cinturão da Ferrugem”, com a globalização dos anos 1990 no governo Bill Clinton, que os fez pendular eleitoralmente. A entrada de produtos estrangeiros mais baratos caçou vagas de trabalho nos EUA. A filhos e netos desempregados de pais e avôs operários, o slogan trumpista “Make America Great Again” (“Faça a América Grande de Novo”), falso ou verdadeiro, passou a fazer sentido.

 

2016/2020/2024?

Após pendularem a Trump em 2016 e a Biden em 2020, Michigan, Wisconsin e Pensilvânia devem decidir o pleito sem favoritos de 2024. Não por acaso, Kamala fez seu último comício na cidade de Filadélfia, onde foi assinada a Constituição dos EUA no séc. 18 e, ainda hoje, a mais populosa da Pensilvânia. Por sua vez, Trump deixou seu último comício para a cidade de Grand Rapids, 2ª maior do estado de Michigan. No mesmo momento, à meia-noite de terça (5), eram abertos e apurados os primeiros votos a presidente dos EUA. Foram apenas 6, na pequena comunidade de Dixville Notch, no estado de New Hampshire: 3 para Kamala, 3 para Trump.

 

Mais do mesmo ou pega pra capar?

Dos EUA ao mundo, dois principais aspectos: o econômico e o militar. Se Kamala for eleita, a tendência é mais do mesmo — para o bem e o mal. Se for Trump, o protecionismo que levantará contra a China tende a elevar o dólar, a inflação e a taxa de juros em cadeia. Deixará Benjamin Netanyahu, no comando de Israel, ainda mais livre no Oriente Médio. E retirará todo o apoio da Ucrânia, deixando Alemanha, Reino Unido e França se virarem na Europa com a Rússia de Vladimir Putin. Que ameaça com seu arsenal nuclear enquanto sonha com o império czarista e soviético. É o “Sdelayem Rossiyu Snova Velikoy” (“Faça a Rússia Grande de Novo”).

 

Kamala ou Trump? A História!

No Brasil, Lula errou ao manifestar torcida a Kamala. Como Bolsonaro ao quebrar a cara com Trump em 2020. Se Kamala vencer, será histórico: a 1ª mulher, 1ª negra, 1ª de origem asiática e caribenha a ser eleita presidente dos EUA. Para alçar o identitarismo ao maior poder do mundo. E retomar o direito universal ao aborto no país que traz “In God We Trust” (“Em Deus Confiamos”) na nota do dólar. Se Trump vencer, será histórico: o 1º presidente eleito e derrotado na tentativa de reeleição a voltar ao poder nos EUA. Com uma lista de vingança no bolso, incluindo Pentágono e Judiciário. Para retomar a História pela extrema-direita. A ver.

 

Publicado hoje na Folha da Manhã.