Desde as eleições presidenciais de 2014, no 2º turno entre a então presidente Dilma Rousseff (PT) e o hoje deputado federal Aécio Neves (PSDB), o Brasil padece de bipolaridade política. Fenômeno radicalizado a partir de 2018, com o bolsonarismo. Na mesma oposição irracional ao PT que este fez aos dois governos Fernando Henrique Cardoso (PSDB), entre 1995 e 2003.
Onze anos após 2014, a bipolaridade política do Brasil parece ter evoluído à esquizofrenia. Cujos sintomas se notam nas manifestações mais banais. Como, em link de matéria (confira aqui) sobre o deputado estadual campista Rodrigo Bacellar (União) buscando o apoio do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), no lulopetista que comenta (confira aqui) nas redes sociais: “Daqui a pouco vai visitar no presídio”. E é curtido por um… bolsonarista.
O motivo? Confirmando a baixa capacidade cognitiva que lhe é atribuída como média, o bolsonarista supôs que a referência do “presídio”, feita pelo lulopetista, seria a… Lula.
Seria trágico, se não fosse também cômico. Pelo fato de o lulopetista usar contra seu maior antagonista político a referência “presídio”. Mesmo antes de qualquer julgamento de Bolsonaro e seus asseclas, entre eles seis generais e um almirante, por tentativa de golpe de Estado. Na tentativa de antecipar uma espécie de forra ao “ex-presidiário” até hoje usado pelos bolsonaristas para se referir a Lula.
Relembrando caso de Lula
Lula foi condenado a 9 anos e 6 meses de prisão, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, na 13ª Vara Federal de Curitiba do então juiz Sergio Moro, em 12 de julho de 2017. A sentença foi confirmada em 24 de janeiro de 2018, com pena ampliada a 12 anos e 1 mês de reclusão, pela unanimidade dos três membros da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF 4).
Lula se entregou à Polícia Federal (PF) em 7 de abril daquele ano eleitoral de 2018, quando liderava todas as pesquisas presidenciais. Após ter seu pedido de habeas corpus preventivo negado pela unanimidade dos cinco ministros na 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 6 de março de 2018. E negado, por 6 votos a 5, no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), em 4 de abril, três dias antes de a prisão tirar Lula da eleição à qual era favorito.
Após 580 dias preso numa sala adaptada da Superintendência da PF em Curitiba, Lula seria solto em 8 de novembro de 2019. Sem coincidência, foi no dia seguinte ao STF voltar atrás em sua posição anterior. Para passar a considerar inconstitucional, também por 6 votos a 5, a prisão após condenação em 2ª instância.
Antes disso, a parcialidade política da 13ª Vara de Curitiba havia sido assumida em plena campanha presidencial de 2018. Quando Sergio Moro levantou o sigilo da delação do ex-ministro Antonio Palocci a uma semana do 1º turno presidencial de outubro daquele ano. Com claro objetivo de prejudicar a candidatura petista de Fernando Haddad e favorecer Bolsonaro. Que venceu e pagou em 1º de novembro, quando Moro aceitou ser seu ministro da Justiça.
Essa parcialidade política de Moro, ao julgar e condenar Lula, para depois prejudicar o candidato deste, Haddad, às portas da urna presidencial de 2018, seria comprovada a partir de 9 de junho de 2019. Quando começou a divulgação de conversas no Telegram no episódio conhecido por Vaza Jato. Que evidenciou a promiscuidade entre o então juiz e o então procurador da República Deltan Dallagnol, que investigou e acusou o então ex-presidente.
Quando ainda estava na 13ª Vara de Curitiba, Moro deveria ter se afastado do caso por suspeição, que é um critério subjetivo. Reforçado com a liberação da delação de Palocci para tentar prejudicar Haddad. Sobretudo após as revelações da Vaza Jato, ficou patente o impedimento, critério objetivo, que o magistrado deveria ter para julgar o caso.
Vingança, não justiça
Como é objetivo o impedimento de Alexandre de Moraes para julgar agora Bolsonaro. Depois de revelado que este tinha conhecimento e participou do planejamento do sequestro, assassinato e exposição pública na Praça dos Três Poderes do corpo do ministro do STF. Que, nesse intento, chegou a ser campanado por militares golpistas.
Em qualquer Estado Democrático do planeta Terra, que preze pela lisura do devido processo legal, uma vítima não pode julgar seu algoz. Caso contrário, o que se terá não é justiça, mas vingança.
Quem finge discordar, por mera paixão política, que responda com sinceridade: que isenção qualquer um teria para julgar quem planejou sequestrá-lo, assiná-lo e expor seu corpo em praça pública? A resposta é tão óbvia, e objetiva, quanto a parcialidade de Moraes.
Revisões do entendimento no STF
Após ganhar a liberdade em 2019, no dia seguinte ao STF revisar seu entendimento de cumprimento de pena em condenação de 2ª instância, Lula teria outras vitórias na instância máxima da Justiça do Brasil. Que, em 8 de março de 2021, com o ministro Edson Fachin, tornaria o ex-presidente elegível. Ao anular suas condenações na Lava Jato por questão de foro. Que seria a Justiça Federal de Brasília, não a 13ª Vara de Curitiba.
A decisão de Fachin em 2021 revisou outro entendimento anterior do STF. Antes de morrer num acidente aéreo em 19 de janeiro de 2017, o ministro Teori Zavascki decidiu em 13 de junho de 2016 enviar os cinco processos da Lava Jato ao juízo de Moro em Curitiba. Em 15 de abril de 2021, no entanto, o entendimento de Fachin contrário a Zavascki foi endossado pelo plenário do STF, por 8 votos a 3, na anulação das condenações de Lula pela questão do foro.
Lula teria mais vitórias no STF, que pavimentaram sua reconquista da Presidência da República pelo voto popular em 2022. Comprovada na Vaza Jato, a despeito da ilegalidade na obtenção das provas por um hacker, a parcialidade de Moro ao julgar Lula foi endossada em 23 de março de 2021 pela 2ª Turma do Supremo, por 3 votos a 2.
A maioria mínima foi garantida por outra mudança do entendimento anterior, pela ministra Cármen Lúcia. Coincidência ou não, foi só 15 dias após Fachin anular as condenações de Lula por questão de foro. E antes de a decisão da 2ª Turma sobre a parcialidade de Moro no julgamento de Lula ser confirmada no plenário do STF, por 7 votos a 4, em 22 de junho daquele mesmo ano de 2021.
Rememorados todos esses fatos, seu resumo: Lula teve suas condenações anuladas pela questão técnica do foro e pela parcialidade comprovada de Moro. Ambas, determinadas pelo Supremo em revisão de decisões anteriores da Corte. O que parece dar razão a quem entende que foi uma reação dolosa desta para tornar elegível o único político do Brasil com capacidade eleitoral para derrotar Bolsonaro, e seus ataques abertos ao Supremo, nas urnas de 2022.
Alerta de juristas sobre Moraes
Sobre a parcialidade de Moraes, para juristas independentes e conceituados, como Wálter Maierovitch, parece não haver dúvida. Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP), colunista do UOL, comentarista da rádio CBN e Prêmio Jabuti em 2022 na categoria ciências sociais, ele explicou (confira aqui) em 19 de fevereiro:
— Há prova de que queriam matar Lula, Alckmin e Moraes. Ora, não dá para querer que ele seja imparcial; ele está envolvido nisso. “Ah, dá para ele travar as emoções”. Não. Um segundo ponto, que me parece fundamental e é um problemaço, diz respeito à velha regra do princípio constitucional do sistema acusatório. Não existe juiz de instrução, e Moraes foi um.
A posição está longe de ser solitária entre juristas brasileiros independentes. Não os agora mudos do Grupo Prerrogativas. Mas os que não são seletivos politicamente e também questionam a isenção de Moraes para julgar Bolsonaro. Em entrevista à BBC Brasil de 20 de fevereiro, Aury Lopes Jr. endossou (confira aqui) Maierovitch quase integralmente. Doutor em Direito Processual Penal e professor da PUC do Rio Grande do Sul, o primeiro disse:
— O ministro Alexandre deveria se dar por suspeito e não deveria participar desse julgamento (…) Não só porque já instruiu esse caso, então ele está contaminado, juridicamente falando, mas também porque existe uma suspeição dele dada toda aquela circunstância de ameaça em relação à vida dele (…) É inequívoco que ele foi afetado pelo fato, ele era alvo do golpe. Então, seria muito interessante e salutar para a própria jurisdição que ele se afastasse.
Na mesma esquizofrenia política dos bolsonaristas até hoje cegos à parcialidade de Moro com Lula em 2018, os lulopetistas de 2025 questionam até a independência dos juristas que alertam à parcialidade de Moraes com Bolsonaro. Quando a advertência só se dá porque a corrupção passional do juízo tende a cobrar o mesmo preço: corromper a condenação.
— Estamos diante de um caso grave, onde se tentou rasgar a Constituição, instalar de novo uma ditadura e o golpismo levou até o 8 de janeiro (…) Não estou criticando trabalhos, mas colocando questões técnicas. Quero uma história na qual fique comprovado que houve o golpe e que não existiram outros caminhos para que isso não fique sujo, maculado — alertou Maierovitch.
— O que existe é um imenso prejuízo (de imparcialidade) que decorre dos pré-juízos que ele (Moraes) já elaborou. Não é uma questão de bondade, de maldade, de perseguição ou não, é uma questão de inconsciente, de dissonância cognitiva. Quando você é chamado a tomar várias decisões sobre o caso e depois você tem que julgar esse caso, você está contaminado. Você já tem uma visão pré-estabelecida, isso é da natureza humana — ressaltou Lopes Jr.
Autoevidente, o impedimento de Moraes para julgar Bolsonaro foi negado por ampla maioria do STF. Que, em 13 de dezembro de 2024, por 9 votos a 1, dobrou a aposta e negou tirar a vítima da relatoria do caso do algoz.
Foi a senha à Procuradoria-Geral da República (PGR). Que, em 18 de fevereiro, denunciou (confira aqui) o ex-presidente e outros 33 acusados pelos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, formação de organização criminosa armada, dano qualificado sobre o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.
Após tiro pela culatra em 2022, “bala de prata” a 2026?
A cada nova pesquisa nacional mais emparedados pela queda de popularidade de Lula, com a de Bolsonaro inalterada mesmo após ser condenado duas vezes à inelegibilidade pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2023 e denunciado pela PGR por tentativa de golpe de Estado em 2025, os lulopetistas parecem crer que a condenação e prisão do ex-presidente seria uma “bala de prata” às urnas presidenciais de 2026. Daqui a 1 ano e 7 meses.
Além do fetiche com “presídio”, comum a bolsonaristas e lulopetistas, na esquizofrenia compartilhada entre justiça e vingança, o problema é também de memória. Ao fato de que, mesmo preso, Lula pôs Haddad no 2º turno presidencial de 2018, vencido por Bolsonaro com a ajuda de Moro. E que, martirizado por 580 dias de prisão, o líder petista voltou ao poder nas urnas de 2022. Mesmo que por apenas 1,8 ponto de diferença nos votos válidos.
Com Gleisi Hoffman alçada ao ministério das Relações Institucionais, o governo Lula 3 parece mais um Dilma 2 e ½ na fórmula: controlar preços artificialmente e abrir a porteira dos gastos públicos. No vale-tudo para jogar dinheiro na rua, estimular o consumo e tentar seduzir o eleitor perdido. Exatamente como Bolsonaro fez e quase conseguiu em 2022.
Na dúvida sobre quem subirá a rampa do Palácio do Planalto em 1º de janeiro de 2027, a certeza: 2026 promete. Quando, no lugar de carta fora do baralho, mesmo se condenado e preso, Bolsonaro pode ser o coringa que espera no morto. Como foi para Wladimir Garotinho (PP) se reeleger prefeito de Campos no 1º turno de 2024. E Rodrigo Bacellar busca para ter chance a governador em 2026.