
— E aí? O que achou do Mengão? — bateu de primeira Leonardo, já sentado à mesa do boteco, assim que Aníbal chegou, se sentou e pediu um copo ao garçom.
— Achei o que acho desde 2019. O jogo é grande? Gigante? Chama o Bruno Henrique! — respondeu com mesma satisfação com que enchia seu copo de Estrela Galícia.
— É inegável. Bruno Henrique tem muita estrela. Saiu do banco, empatou o jogo e deu a assistência ao segundo, de Danilo.
— E foi eleito com justiça o melhor da partida. Ainda que Gérson, como o equatoriano Plata, também tenham jogado muito bem.
— Esses 3 a 1 de virada, em cima do Chelsea, com direito a grito de “olé” da torcida, numa Filadélfia rubro-negra, talvez tenha sido a melhor atuação do Flamengo desde que Filipe Luís assumiu como técnico do time principal, há um ano.
— Sim, Filipe Luís também tem muita estrela. Teve coragem de tirar seu melhor jogador tecnicamente, Arrascaeta, que não brilhava, para colocar Bruno Henrique, que empatou o jogo. E, como você disse, deu o passe de cabeça ao segundo, de Danilo. E este teve sua escalação na zaga bancada por Filipe Luís, no lugar de Léo Ortiz, desde o início.
— E o terceiro gol do Flamengo também saiu das mãos de Filipe Luís. Tanto quanto dos pés da jovem promessa Wallace Yan, de apenas 20 anos, que o treinador mandou a jogo. E que, até ontem, jogava videogame com os adversários do Chelsea que encarou e venceu no mundo real, para fechar o placar.
— Sim. Mas, na verdade, tudo começou no 0 a 0 do Palmeiras com o Porto, no domingo retrasado.
— Não entendi.
— Embora o Porto e o futebol português não estejam na primeira prateleira do futebol europeu, foi a primeira demonstração na Copa do Mundo de Clubes de que o futebol dos melhores times do Brasil não está abaixo da média que se pratica na Europa.
— Sim. E essa imagem ficou ainda mais nítida em outro 0 a 0, do Fluminense contra o alemão Borussia Dortmund na terça.
— Com certeza. Com 40 anos, Thiago Silva colocou o perigoso Guirassy no bolso. E o centroavante guineano do Borussia tinha sido o artilheiro da última Champions, com 13 gols, ao lado do brasileiro Raphinha, do Barcelona.
— O colombiano Jhon Arias, para variar, também jogou muito.
— Verdade. Assim como o jovem volante piauiense Hércules. Que demorou um pouco para se adaptar da sua vinda do Fortaleza. Mas, diante do Borussia, teve uma atuação diga do seu nome.
— E o Botafogo derrubando Paris Saint-Germain do pedestal de campeão do mundo na quinta?
— Rapaz, optei por ver o jogo 6 da série final do basquete da NBA, entre o Oklahoma City Thunder e o Indiana Pacers, quase no mesmo horário. Vi o gol de Igor Jesus que definiu a partida, na tela do celular. Mas só pude acompanhar ao vivo os últimos minutos do jogo.
— E como foi o basquete?
— Exibição de autoridade do Indiana de Haliburton. Ganhou a partida de 108 a 91 e empatou a série em 3 jogos a 3. Agora, no primeiro sétimo jogo de uma final de NBA que teremos em 9 anos, desde que o Cleveland Cavaliers de LeBron James ganhou o sétimo jogo e o título em 2016, contra o Golden State Warriors de Stephen Curry. Melhor time da temporada regular deste ano, o OKC do canadense Shai Gilgeous-Alexander terá a chance de fazer o sétimo jogo neste domingo, a partir das 21h, no Paycom Center, dentro da sua casa.
— Do basquete ao futebol, não dá mais para dizer que o Botafogo é só um bairro.
— Desde o Brasileiro e a Libertadores de 2024, o Botafogo alcançou outro patamar, próximo às suas glórias do passado, com Garrincha, Didi e Nilton Santos. Ainda assim, o Botafogo é bairro, o Flamengo é bairro, o Madureira é bairro. E Saint-Germain idem. À margem esquerda do rio Sena, é um bairro de Paris.
— E o que acha dos botafoguenses dizendo que agora são campeões do mundo? Pois, na fórmula em que o Flamengo foi campeão mundial em 1981, num jogo único entre o campeão da Libertadores da América e da Champions da Europa, eles venceram.
— Acho que os botafoguenses têm todos os motivos do mundo para se orgulharem. Mas uma coisa é se preparar para tentar ganhar um título em jogo único, outra disputar um torneio com primeira fase de grupos em pontos corridos e depois mata-mata, em que o campeão terá que jogar sete jogos. São duas perspectivas e preparações bem diferentes.
— O próprio Luis Enrique, treinador espanhol do PSG, admitiu que o Botafogo impôs a melhor marcação que seu time estelar sofreu de um adversário nesta temporada. Em que o PSG se sagrou campeão da Champions após golear a Inter de Milão por 5 a 0 na final. Ou seja, pela menos na quinta, o Botafogo marcou melhor que time grande da terra do “catenaccio”.
— Pois é. E, após a merecida vitória sobre o PSG, a torcida botafoguense saiu do Rose Bowl, na Califórnia, cantando e tirando onda: “Não é mole, não; o Botafogo não é a Inter de Milão”.
— E o que você achou?
— Como disse, não vi o jogo do Botafogo. Mas prestei atenção ao que disse o jornalista inglês Tim Vickery, radicado no Rio, que viu. E comentou para diferenciar as vitórias históricas dos dois clubes cariocas: “Sem tirar nenhum mérito do grande jogo que fez, o Botafogo assumiu uma inferioridade diante do seu adversário. O Flamengo nunca fez isso”.
— Como assim?
— O Fluminense de Renato Gaúcho não fez gol, mas partiu pra cima do Borussia. Pelo que vi, ouvi e li depois do jogo, o Botafogo teve competência para marcar seu gol e se defender, mas foi o polo passivo do jogo com o PSG. Contra o Chelsea, o Flamengo foi o polo ativo, propôs o jogo quase o tempo todo. E seus três gols foram fruto disso. Enquanto o gol inglês, do português Pedro Neto, só nasceu de um erro individual de Wesley.
— Ainda assim, o Botafogo foi o primeiro clube sul-americano, em quase 13 anos, a vencer um europeu em jogo do Mundial de Clubes. A última tinha sido em 2012, quando o Corinthians venceu o Chelsea, em outro 1 a 0, quando o Mundial ainda era disputado no Japão.
— E 44 anos após aqueles 3 a 0 no Mundial de 1981, no baile de Zico e companhia em cima de um time histórico do Liverpool que levantou nada menos que quatro Champions, o mesmo número de Messi no Barcelona, sou grato por ter vivido para testemunhar mais uma vez. Agora, com Zico na arquibancada e nos 3 a 1 contra o Chelsea: “botou os ingleses na roda” — cantarolou Aníbal. Com as catedrais de Augusto dos Anjos no peito, a voz embargada, olhos infiltrados e um nó na garganta. Que desatou lentamente com o gole longo de cerveja.
Publicado hoje na Folha da Manhã.