Crônica: Bolsonaro, Trump, Lula, Machado e Nelson na mesa de bar

 

 

— E aí? Vamos começar por onde? — indagou Paulo Ernesto, copo de cerveja na mão, já sentado à mesa do boteco.

— Rapaz, é até difícil. Xandão usou Machado para atender ao pedido do MPF de colocar tornozeleira eletrônica em Bolsonaro: “A soberania nacional é a coisa mais bela do mundo, com a condição de ser soberania e de ser nacional”. Mas a realidade do Brasil supera qualquer ficção — disse Aníbal, após puxar a cadeira, sentar e emendar pedindo um copo ao garçom.

— É verdade. Podemos morrer de tudo no Brasil, menos de tédio. Com a ajuda de Trump, então, nem se fala.

— Antes da carta de Trump a Lula, ameaçando taxar os produtos do Brasil em 50%, por conta do julgamento de Bolsonaro, todas as pesquisas apontavam que o Lula 3 estava morto para 2026. Mas, como disse o Edmar Bacha, um dos pais do Plano Real: “Mais uma vez, Lula mostrou que nasceu com a bunda virada pra Lua”.

— É verdade. O nacionalismo brasileiro é uma força pacata, meio reprimida, nada xenófoba. Infelizmente precisamos de um bufão laranja para ver isso. É uma força obviamente para além de esquerda e da direita, que um lado ou outro, em momentos distintos, mobiliza melhor.

— Da mesma maneira que a esquerda entregou a bandeira do Brasil à direita, em 2018, a direita entregou a defesa do interesse do Brasil à esquerda em 2025. Apoiar a taxação de Trump, ou comemorar, como fez o beócio do Eduardo Bolsonaro, é de envergonhar até o vira-lata de Nelson Rodrigues.

— Verdade. Nunca foi o Brasil acima de tudo. Sempre foram os interesses pessoais de Bolsonaro acima de tudo.

— Pois é. Copiaram o lema “Deus, pátria e família” dos integralistas, os galinhas verdes nazifascistas do Brasil. Mas esqueceram de explicar: Deus é Trump, pátria é os EUA e a família é só a de Bolsonaro.

— Não sei como tanta gente foi entrar nessa. E olha que tem quem ainda busca relativizar.

— As pesquisas, felizmente, mostram que é cada vez menos gente. É mais ou menos como a torcida do Botafogo na Copa do Mundo de Clubes.

— Como assim?

— Último colocado entre os quatro times brasileiros no Mundial, o Botafogo torceu escancaradamente para o PSG na final, só para dizer depois que ganhou do campeão. E viu o Chelsea, amassado pelo Flamengo de virada na fase de grupos, dar um baile de bola no decantado “melhor time do mundo” — disse Aníbal, frisando as aspas com os dedos indicador e médio das mãos esquerda e direita.

— Fala, não. O Botafogo entrou na final torcendo para levar o forçoso título de “campeão moral”, que ficou com o Flamengo. Mas saiu como vice do vice — outorgou Pedro Ernesto, quase engasgando com o gole de cerveja sobre a gargalhada.

— Com a atuação de Palmer à la Rivaldo, canhoto, passadas largas, batida elegante e muita visão de jogo, o Chelsea fez com o PSG, e de tabela com o Botafogo, o que STF fez com Trump na tornozeleria de Bolsonaro. Nas palavras de outro capitão, o Nascimento: “Quem manda nessa porra aqui sou eu!”

— É o que o povo brasileiro está dizendo depois da ameaça de Trump.

— Exato. Na pesquisa Quaest de maio, Lula estava em empate técnico nas simulações de 2º turno com Bolsonaro, Tarcísio, Michelle, Ratinho Jr. e Eduardo Leite. Depois de Trump, na Quaest de julho, Lula ganharia de todos no 2º turno se a eleição fosse hoje. Só teria empate técnico com Tarcísio. Assim mesmo, no limite da margem de erro.

— Tarcísio queimou a largada. Foi muito mal. Primeiro, criticou Lula, mas não Moraes, como os bolsonaristas queriam. E depois tomou esporro público de Dudu Bananinha por tentar mediar um acordo sobre as tarifas. Que até agora não teve peito de criticar com veemência.

— É o efeito Canadá no Brasil. Quando Trump assumiu pela 2ª vez como presidente, em janeiro deste ano, os conservadores canadenses tinham 20 pontos de vantagem sobre os progressistas em todas as pesquisas.

— Aí Trump entra e, além de taxar o Canadá, ainda ameaça anexar o país vizinho. Que sempre foi seu aliado. Inclusive, nas praias da Normandia contra as casamatas nazistas, no Dia D da II Guerra Mundial. É na parte real que Spielberg não mostra na ficção “O resgate do soldado Ryan”.

— Como nós fomos aliados dos EUA contra os nazistas na neve dos Apeninos, na Itália da II Guerra. Enquanto Trump tem no currículo militar ter fugido de lutar na Guerra do Vietnã. E, no Canadá de hoje, erodiu a larga vantagem que os conservadores de lá tinham. Para eleger o progressista Mark Carney como primeiro-ministro do país no final de abril.

— Acha que a mesma coisa pode acontecer no Brasil?

— No Canadá, Trump ameaçou o país entre janeiro e fevereiro e a resposta na eleição foi em abril. No Brasil, ainda há mais de 1 ano e 2 meses para a eleição. Se fosse hoje, tenho pouca dúvida que Lula se reelegeria. Mas como é em outubro de 2026, há tempo para a onda de impacto bater na margem e retornar. Só o tempo e as pesquisas dirão.

— Com os Bolsonaro, Lula e o PT, o “Imponderável de Almeida”, primo do “Sobrenatural de Almeida” de Nelson, é presença quase obrigatória nos rumos do país.

— Concordo. Mas vou dizer mais: nessa história toda, Bolsonaro é só boi de piranha. O que Trump quer, na verdade, é atacar o STF para tentar defender os interesses das Big Techs contra a regulação das redes sociais.

— Pode ser.

— Para mim, é tão certo quanto Trump dizer que nunca foi amigo de Bolsonaro, no mesmo momento em que Bolsonaro se declara apaixonado por Trump — lembrou Aníbal, enquanto observava a vira-lata caramelo, magra e de tetas arriadas, que passava pela rua.

 

Publicado hoje na Folha da Manhã.

 

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