Edmundo Siqueira — De Hamlet a Garotinho e Wladimir

 

Wladimir, Garotinho, o crânio de Yorick e o Hamlet de Mel Gibson (Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

Edmundo Siqueira, jornalista, servidor federal e blogueiro do Folha1

Os conselhos não ouvidos nos ecos da planície

Por Edmundo Siqueira

 

Talvez não seja Campos uma tragédia, mas as famílias que comandam a política local, há algumas décadas, vem protagonizando episódios dignos das violentas brigas entre Capuleto e Montecchio, retratadas em Romeu e Julieta, de William Shakespeare.

A briga mais recente no âmago de uma dessas famílias, entre pai e filho, trouxe contornos de outra obra imortal de Shakespeare: Hamlet. Garotinho queixou-se sobre o fato de seu filho, Wladimir, o ter “excluído mais uma vez da participação política na cidade”.

O filho supostamente teria cooptado um partido político para sua base in absentia (na ausência) do pai. Garotinho — como muitos personagens das tragédias — revida com ressentimento, e cita o Livro dos Provérbios (16:18): “a soberba precede a ruína”.

Ora, estaria o filho desonrando o pai por não o ter convidado para uma negociação política da cidade? Estaria o pai, apenas alertando o filho do perigo de um dos sete pecados capitais?

Em Hamlet, o pai Polônio encontra o filho Laertes na casa de Ofélia, também sua filha, e oferece sua benção, mas o adverte sobre sua demora em seguir sua viagem, no navio que o esperava. Antes de ir, Polônio oferece oito conselhos ao filho Laertes.

Os dois primeiros conselhos seriam essenciais ao pai, na tragédia campista:

 

  1. Não dá voz ao que pensares, nem transforma em ação um pensamento tolo.
  2. Sejas amistoso, sim, jamais vulgar.

 

Já o terceiro e o quarto, o filho deveria ouvir, mesmo que o pai não pudesse jamais orientá-lo nesses quesitos:

 

  1. Os amigos que tenhas, já postos à prova, prende-os na tua alma com grampos de aço;
  2. Procura não entrar em nenhuma briga; Mas, entrando, encurrala o medo no inimigo.

 

Por fim, Polônio adverte Laertes do seguinte:

 

“Presta ouvido a muitos, tua voz a poucos; E, sobretudo, isto: seja fiel a ti mesmo.

Jamais serás falso para ninguém”.

 

Conselhos valiosos para se evitar muitas tragédias.

 

Do PL de Maricá, ataques e resposta do PL de Campos

 

Filippe Poubel, Thiago Ferrugem, Wainer Teixeira e Wladimir Garotinho (Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

Não é só entre o ex-governador Anthony Garotinho (sem partido) e seu filho Wladimir Garotinho (PP) que as rusgas (confira aqui e aqui) pelo apoio do PL do senador Flávio Bolsonaro à reeleição do prefeito de Campos (confira aqui e aqui) vem acontecendo. Tubo de ensaio dos Bacellar como pré-candidato a prefeito de Campos, o controverso deputado estadual bolsonarista do PL de Maricá, Filippe Poubel, também tem manifestado descontentamento.

Em suas redes sociais, o parlamentar bolsonarista tem atacado alguns secretários de Wladimir, por terem apoiado a vitória de Lula (PT) no segundo turno presidencial de 2022. Entre eles, o chefe gabinete do prefeito, Thiago Ferrugem, atual presidente do PL em Campos. Ele respondeu às provocações de Poubel, que lembrou da operação Chequinho e postou uma foto da esposa de Ferrugem fazendo o “L”:

— Lamentável o comportamento do deputado que, ao invés de vir para o debate, se esconde atrás de bravatas, mentiras e ataques pessoais. Sobre as fake news, estamos estudando com os advogados as medidas que vamos adotar. Agora, usar a imagem da minha esposa, mãe dos meus filhos, só demonstra o caráter desse rapaz. Tenho muito orgulho da minha esposa. Diferente desse sujeito, ela é forte, corajosa e livre para tomar suas próprias decisões — reagiu Ferrugem.

No domingo (10), Poubel havia postado em seu Instagram:

— O PL em Campos dos Goytacazes está nas mãos do prefeito Wladimir Garotinho. Em seu primeiro ato, Garotinho coloca na presidência do partido Thiago Ferrugem, político de esquerda, condenado na operação Chequinho, que usava o programa Cheque Cidadão para compra de votos. Em destaque, a esposa do atual presidente do PL Campos, fazendo o L. Peço atenção das lideranças do partido para essa movimentação.

Ontem (11), Poubel fez uma nova postagem. Atacando dessa vez o secretário de Administração e Recursos Humanos goitacá, Wainer Teixeira (a caminho do PP, também pré-candidato a vereador. De quem o deputado bolsonarista postou uma foto balançando a bandeira de Lula nas ruas de Campos, durante a campanha presidencial de 2022, com o texto:

— Como já foi amplamente noticiado, o PL em Campos irá caminhar com o prefeito Wladmir Garotinho, sob o argumento de que ele teria apoiado o presidente Jair Bolsonaro (PL) nas eleições. Sabe aquele apoio fake, onde você faz uma firula com uma carreata, mas por “debaixo dos panos”, nem tão debaixo assim? E você coloca o seu secretariado para apoiar o seu verdadeiro candidato? Pois bem, esses são alguns dos secretários e gestores na administração Wladmir que apoiaram o ex-condenado sob a tutela do prefeito, que hoje manda no PL em Campos — ressentiu-se Poubel.

Diferente de Ferrugem, Wainer preferiu não comentar. Em 21 de outubro de 2022, nove dias antes do segundo turno presidencial daquele ano, este blog não só noticiou (confira aqui) em primeira mão que Wladimir tinha decidido apoiar a tentativa de reeleição de Jair Bolsonaro, como havia liberado seus secretários e vereadores a manifestarem a decisão pessoal de cada um:

—  Sou um democrata e os secretários e vereadores do governo que pensam diferente e votarão em Lula estarão livres para se manifestarem — disse o prefeito na ocasião.

 

Quem não quis Garotinho no PL goitacá foi o PL nacional

 

Anthony Garotinho, Wladimir Garotinho, Flávio Bolsonaro e Rodrigo Bacellar (Montagem: Joseli Matias)

 

Não foi o prefeito Wladimir Garotinho (PP) quem não quis (confira aqui) seu pai, o ex-governador Anthony Garotinho (sem partido) no comando do PL em Campos. Na verdade, que não quis foi a executiva nacional do próprio PL, para evitar conflitos com o presidente campista da Alerj, deputado Rodrigo Bacellar (União).

É o que revelou na manhã de hoje (confira aqui) o jornalista Ricardo Bruno, do site Agenda do Poder:

— As críticas de Anthony Garotinho ao prefeito Wladimir, seu filho, por supostamente ter sido alijado do comando do PL em Campos, não têm procedência. Uma fonte da direção nacional do PL garantiu que o veto à possibilidade de o ex-governador assumir protagonismo na nova executiva municipal partiu da Executiva nacional.

O comando do PL entendeu que entregar a sigla a Wladimir seria suficiente para atender a sua estratégia eleitoral visando à reeleição. Segundo o dirigente, deixar Garotinho comandar o processo seria um exagero desnecessário. Estimularia ainda mais o confronto com o presidente da Alerj, Rodrigo Bacellar, de quem o ex-governador é inimigo figadal.

Pragmático, Flávio Bolsonaro acredita que deixar o comando com Wladimir está de bom tamanho. Ir além seria provocação desarrazoada.

 

Garotinho se queixa de Wladimir pelo PL em Campos

 

Wladimir e Anthony Garotinho (Foto: Instagram)

 

“A soberba precede a ruína”. A frase compõe a Bíblia no Livro dos Provérbios (16:18), atribuído a Salomão, rei da antiga Israel e filho do rei Davi. E foi usada em vídeo divulgado nas redes sociais pelo ex-governador Anthony Garotinho (sem partido) em advertência pública ao próprio filho, o prefeito Wladimir Garotinho (PP).

O motivo da nova rusga entre pai e filho é o controle do PL de Campos por Wladimir. Que, no último dia 21, divulgou um vídeo com o senador Flávio Bolsonaro, onde este declarou (confira aqui) seu apoio e do PL à reeleição do prefeito de Campos. O que seria confirmado no último sábado (9), com o ex-vereador Thiago Ferrugem, chefe de gabinete de Wladimir, assumindo (confira aqui) a presidência do PL goitacá.

Em seu vídeo, Garotinho disse que, antes do encontro de Wladimir e Flávio, ele já vinha articulando a vinda do PL ao seu grupo político. E teria conversado sobre por telefone neste sentido com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e os deputados federais Altineu Côrtes e Sóstenes Cavalcante, ambos do PL fluminense. Garotinho disse que comunicou isso a Wladimir, que se mostrou surpreso, mas recebeu depois uma ligação de Flávio, para marcar um encontro entre o prefeito e o senador em Brasília.

— E lá, para minha total tristeza e até uma certa indignação, Wladimir acertou, e eu não sei o motivo, que o partido (PL) em Campos ficaria sob o comando dele. E que ele iria escolher os membros da executiva do município de Campos. E assim o fez. Eu não entendo, com toda a sinceridade, por que o meu filho me excluiu mais uma vez da participação política na cidade. Há um provérbio que diz que a soberba precede a ruína — disse Garotinho.

Há alguns aspectos a serem considerados nessa rusga pública entre pai e filho. É fato, por exemplo, que Garotinho falou a verdade quando também disse no vídeo: “Quando iria acontecer a eleição da Câmara (de Campos, em 15 de fevereiro de 2022) antecipada eu disse (a Wladimir): ‘olhe, não antecipe porque vai perder’. Perdeu! E vocês viram as complicações que ele teve que enfrentar na Câmara de Vereadores”.

Mas há outros aspectos. A reação natural à ofensiva verbal e pública de um pai contra um filho, sobretudo quando este não retruca, é de lamento e repúdio ao ataque. Ademais, sobretudo ao eleitor da 98ª Zona Eleitoral de Campos, da classe média e média-alta do Centro da cidade, historicamente refratário a Garotinho, toda mostra de independência política que Wladimir demonstrar do pai será sempre bem vista.

Após a publicação da postagem, o ex-governador complementou ao blog:

— A situação é mais ampla e envolve outros fatores. Eu, Rosinha e Clarissa estamos fechados na reprovação às atitudes políticas de Wladimir. Quanto ao perde e ganha, acho ele perde mais, e independente disso não vale a pena perder o respeito da família — disse Garotinho.

 

Atualizado às 22h25. 

 

PAC do Lula 3 a Campos e sua “paternidade” sob análise

 

Existem “pais” e “mães” políticos dos R$ 51,41 milhões projetados para Campos dos Goytacazes pelo novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), anunciado (confira aqui) na última quinta (7) pelo presidente Lula (PT)? Pré-candidatos à Prefeitura de Campos, o prefeito Wladimir Garotinho (PP), o professor Jefferson de Azevedo (PT), reitor do IFF, e a deputada estadual Carla Machado (PT) tentaram (confira aqui) surfar essa onda na semana passada.

Mas, afinal, o PAC deve ser encarado como um “favor” de políticos com olhos nas urnas, ou uma simples obrigação do Governo Federal (confira aqui), por integralmente custeada pelos impostos do contribuinte? Para tentar responder a essas perguntas, o blog ouviu também a professora, ex-vereadora, presidente do PT em Campos e pré-candidata a vereadora, Odisséia Carvalho; o economista Alcimar das Chagas Ribeiro, professor da Uenf; o presidente do Sindipetro NF, Tezeu Bezerra (PT); e o jornalista Sebastião Carlos Freitas, ex-editor-geral da Folha da Manhã.

Confira abaixo:

 

PAC do governo Lula 3 para Campos sob análise de Odisséia Carvalho, Alcimar das Chagas Freitas, Tezeu Bezerra e Sebastião Carlos Freitas (Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

Odisséia Carvalho – “A reconstrução de um país após quatro anos de um processo contínuo de desinvestimento, passam por superar as posições partidárias. Campos é mais um exemplo a ser observado. Mesmo com o alinhamento entre o atual prefeito e o ex-presidente Jair Bolsonaro, serão investidos R$ 51,41 milhões no PAC. Estes investimentos serão importantes em uma cidade que, mesmo recebendo vultosos valores advindos do repasse dos royalties, ainda tem graves problemas em áreas como transporte, moradia e um expressivo número de pessoas em situação de vulnerabilidade. Fundamental o reconhecimento pelo prefeito de Campos, Wladimir Garotinho e pela população, deste empenho em retomar o crescimento do país demonstrado pelo Governo Federal neste momento. Campos terá uma candidatura própria do Partido dos Trabalhadores. Ao colocar Campos no PAC, o Governo Federal deixa clara seu compromisso com a cidade”.

Alcimar das Chagas Ribeiro – “Enquanto se discute a importância das poucas dezenas de milhões e os responsáveis pela transferência ao município de Campos, não se investiga o que realmente importa: como os recursos são executados e a favor de quem? Em 2023, dos R$2,9 bilhões de receitas correntes no município, foram executados em investimento só 5,21%. O restante foi para custeio da máquina: 40,23% em pessoal e 46,81% em despesas outras. Apesar do volume representativo de receitas correntes, o município mantém forte dependência das transferências de benefícios sociais do Governo Federal. No ano passado esse volume somou R$ 677,9 milhões. A fragilidade socioeconômica de Campos pode ser confirmada na geração de emprego em 2023: do saldo de 4.151 novas vagas, 68,34% ocorreu no setor de serviços, cujo perfil é de baixo padrão tecnológico e rendimento limitado. A discussão sobre as transferências no contexto do PAC, sua importância e, sua origem, podem não ter a relevância que se imagina”.

Tezeu Bezerra – “Acho que o prefeito tenta navegar na onda do PAC como um bom articulador, mesmo tento uma visão ideológica diferente do PT, ele tem porta aberta com o companheiro André Ceciliano. E a partir disso consegue ter espaço de diálogo do governo Lula. De fato, o papel do gestor municipal é pensar na cidade e acho que bater na porta do governo Lula mostra maturidade. E Lula abre a porta a todos os gestores municipais e estaduais, diferente do candidato perdedor na eleição de 2022, que perseguia e tentava atrapalhar os gestores que pensavam diferente. Vamos ver se o prefeito vai saber retribuir a generosidade do governo Lula e o apoiar em 2026. Os investimentos do PAC são muito importantes. Acho que o prefeito poderia falar como foi a priorização dos projetos, pois o Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) existe de 1990 e só agora Campos passa a ter esse programa tão importante à Saúde Pública”.

Sebastião Carlos Freitas – “Com relação ao PAC, tem sempre alguém querendo ser o pai e a mãe da criança bonita. Se todos tivessem consciência política, não teria espaço para esses aproveitadores. Assim como surgiu a desculpa “rouba, mas faz”, slogan criado para definir o ex-governador paulista Ademar de Barros (1901/1969) e sempre reforçado pelos eleitores de Paulo Maluf (PP), no caso do PAC, além da tentativa de aproveitamento eleitoreiro, vem também a narrativa do ‘sim, ele está fazendo o que obrigação, mas os outros não fizeram’”.

 

Eleições de Campos e SJB em outubro no Folha no Ar desta 3ª

 

(Arte: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

Ex-vereador, bacharel em Direito e presidente do Agir em Campos, Thiago Virgílio é o convidado do Folha no Ar desta terça (12), ao vivo, a partir das 7h da manhã, na Folha FM 98,3. Ele falará sobre a operação Chequinho de 2016, sua presidência municipal do Agir e da montagem das nominatas governistas.

Thiago também falará sobre a polêmica recente do PAC para Campos e do apoio dos Bolsonaro à reeleição do prefeito Wladimir Garotinho (PP), e avaliará a possibilidade da ex-governador Rosinha Garotinho (sem partido) concorrer a prefeita em São João da Barra. Por fim, ele analisará o governo Wladimir e, com base nas pesquisas, tentará projetar as eleições municipais de 6 de outubro, daqui a pouco mais de 6 meses.

Quem quiser participar ao vivo do Folha no Ar desta terça poderá fazê-lo com comentários em tempo real, no streaming do programa. Seu link será disponibilizado alguns minutos antes do início, nos domínios da Folha FM 98,3 no Facebook, no Instagram e no YouTube.

 

Elio Gaspari — Por que Lula perde aprovação nas pesquisas?

 

Já disse e escrevi mais de uma vez que considero Elio Gaspari o maior jornalista brasileiro entre os vivos. Mais que qualquer historiador, não se conhece as entranhas da última ditadura militar do Brasil (1964/1985) sem acesso à exaustiva pesquisa reproduzida em seus cinco livros sobre o tema.

Além da vasta cultura e informação, tem requinte de romancista, sem ser afetada ao leitor médio. E não faz favor a nenhum político. Fernando Henrique Cardoso (PSDB), em seus dois governos, era tratado ironicamente de “FFHH”. Como Lula, nos 13 primeiros anos do PT no poder, era o “Nosso Guia”.

Ao último e novamente presidente, Gaspari acendeu hoje a luz amarela. A partir da queda brusca de aprovação popular do agora “Lula 3.0” nas recentes pesquisas Quaest e Ipec.

Deveria servir de alerta aos petistas capazes de enxergar a realidade para além da passação de pano. Como poderia ser bússola aos bolsonaristas que pretendem ser levados a sério fora da “caverna das sombras” da sua bolha.

 

(Arte: André Mello)

 

 

Elio Gaspari, jornalista e escritor

O lulopetismo tem um problema: Lula 3.0

Por Elio Gaspari

 

As pesquisas do Ipec e da Quaest revelaram que entre agosto e março a aprovação do desempenho de Lula caiu enquanto a reprovação cresceu. As duas linhas se aproximaram, e o resultado confirmou a pesquisa do Ipec de dezembro, que mostrava a boca do jacaré aberta: 50% dos entrevistados não confiavam nele, contra 48% que confiavam. A diferença cabia na margem de erro. Em março, não cabe mais: 51% não confiam, contra 45% que confiam.

Alguma coisa está funcionando mal no governo de Lula 3.0. Não se pode dizer que seja a economia. Anda-se de lado, mas anda-se. Também não é a política, pois em mais de um ano de governo, aprovou-se a reforma tributária e levou-se o andor sem escândalos. Lula restabeleceu a relação civilizada com governadores filiados a partidos da oposição e enfrentou uma crise militar com um desempenho capaz de causar inveja ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e a Nelson Jobim, seu ministro da Defesa. Para quem já teve um presidente que falava em “meu Exército” e anunciava que não compraria a vacina adquirida pelo governador paulista João Doria, isso não é pouca coisa.

Num país ainda dividido, seria razoável que algum mau juízo persistisse, mas não precisava crescer. Uma possível explicação para esse crescimento está no próprio Lula. Ele foi o motor da vitória eleitoral, mas há um ano despreza o arco democrático que o elegeu, supondo que foi uma frente de políticos. A diferença entre o arco e a frente pode ser fulanizada: o ex-ministro Pedro Malan esteve no arco, mas não está na frente.

Afora esse enguiço, Lula tem verdadeira paixão por duas cascas de banana. Uma é a falecida Operação Lava Jato, coisa de 10 anos atrás. Outra são as encrencas internacionais, uma logo ali, na Venezuela; outra, a milhares de quilômetros, na Faixa de Gaza. Sua insistência, em ambos os casos, aliena parte do eleitorado que teve ou poderá vir a ter. As bandeiras de Israel na campanha presidencial de Bolsonaro eram presepada. Já as que foram levadas para a Avenida Paulista há duas semanas, tinham real significado.

A República de Curitiba foi primitiva, onipotente e parcial, isso está entendido. Contudo, a Lava Jato detonou roubalheiras documentadas e confessadas. Quando Lula fala dos seus defeitos e esquece o que houve de virtuoso, prega para convertidos, sejam eles petistas ou empreiteiros, mas agride parte do eleitorado, que não aprova o que soa como uma indulgência com os corruptos.

As duas cascas de banana pouco têm a ver com o desempenho do governo. São inutilidades a serviço de uma espécie de autoglorificação presente no Lula 3.0.

Nos dois governos anteriores, Lula foi um presidente que mostrava interesse em dar certo. Afinal, como ele mesmo dizia, um ex-operário tinha chegado à Presidência, não tinha o dinheiro de errar. O terceiro Lula comporta-se de outra forma. Não mostra a humildade de quem quer acertar porque está convencido de estar certo, a respeito de seja lá o que for, da oposição venezuelana, à importância do governo americano na exposição das roubalheiras ocorridas na Petrobras.

Num juízo sereno, a reprovação do governo de Lula não deveria ter crescido, pois nada ocorreu de reprovável, salvo o congelamento de expectativas que eram apenas expectativas. Talvez Lula não tenha percebido, mas como profeta, está maltratando o eleitorado.

 

Publicado aqui em O Globo.

 

Edmundo Siqueira — Só o primeiro passo do Asilo do Carmo

 

(Foto: Rodrigo Silveira/Folha da Manhã)

 

Edmundo Siqueira, jornalista, servidor federal e blogueiro do Folha1

Asilo do Carmo — Apenas o primeiro passo

Por Edmundo Siqueira

 

Típica construção solarenga do período de maior prosperidade campista, relacionada à cana-de-açúcar, o Solar Santo Antônio — hoje conhecido como Asilo do Carmo — é um dos objetos do novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do Governo Federal. O programa promete aportar recursos em ações ligadas à educação, esporte, saúde e cultura.

Para o Asilo do Carmo está previsto algo na ordem de R$ 32 milhões. O trâmite, que não será rápido, se iniciou com o envio pela prefeitura de um projeto que envolvia o Solar e seu entorno, o que foi aprovado pelo PAC. A partir dessa aprovação, a prefeitura, em convênio com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), receberá os recursos repassados para cada etapa do projeto.

A primeira e fundamental etapa após a aprovação pelo PAC é fazer cumprir o edital que possibilitará a contratação do projeto que definirá como será feito o restauro e qual será o uso do Solar Santo Antônio e seu entorno.

Não restam dúvidas que o Asilo do Carmo é um patrimônio histórico essencial para entendermos a história de Campos e da região. O tombamento federal feito pelo Iphan comprova essa importância. Porém, o prédio é utilizado por uma instituição que tem por finalidade dar proteção social a idosos. E isso deixa ainda mais sensível qualquer intervenção no solar.

Construído em 1846 por Joaquim Pinto Neto dos Reis, o Barão de Carapebus, o prédio abriga pessoas idosas desde os primeiros anos do século XX. O uso dos seus salões e fachada para festas da sociedade campista deram uma sobrevida ao Asilo do Carmo por um tempo, mas logo a deterioração do patrimônio foi mais forte. A prefeitura, ao longo dos anos, não dedicou a devida atenção, tanto ao prédio, quanto à função assistencialista e humanitária que o local exerce.

Na situação que o Asilo do Carmo se encontra hoje, ele não serve adequadamente e plenamente como patrimônio histórico-cultural, tampouco como instituição de proteção aos idosos. Assim como outras tantas construções de valor arquitetônico e cultural de Campos, carece de manutenção, zelo, pertencimento e conhecimento do poder público e da população campista.

 

Recursos, mas e o uso?

Os recursos que estão prometidos pelo PAC são motivo de comemoração. É uma grande vitória em meio a tanta batalha perdida no patrimônio campista. Mas pela importância do bem e pelos assuntos sensíveis que permeiam o Asilo do Carmo, a definição do que vai ser desse patrimônio é tão fundamental quanto o dinheiro.

Outras intervenções já foram feitas em patrimônios importantes de Campos. O Solar dos Airizes já teve seu telhado reformado, o Olavo Cardoso recebeu intervenções pontuais e o Solar do Colégio, que hoje abriga o Arquivo Público, foi restaurado pela Uenf antes de um novo abandono, e de uma mudança de rumo que possibilitou o uso arquivístico. E, com exceção do Arquivo, esses patrimônios correm sério risco.

Um patrimônio histórico e cultural só se mantém, e se justifica como tal, se dois fatores andarem juntos: pertencimento e uso. Como qualquer construção antiga, uma reforma ou um restauro são sobrevidas, respiros. Mas não se sustentam quando abandonados novamente.

Não se trata de um olhar pessimista sobre o PAC, ou mesmo da iniciativa louvável do governo municipal atual em propor projetos nessa área. São iniciativas dignas de aplausos. Mas é preciso que a definição do uso, para além da necessária questão assistencialista, seja o mais aberta e participativa possível, para que os recursos aplicados deixem legados que se sustentem.

O Asilo do Carmo é um exemplo gritante de descaso, e de como Campos vem tratando seus patrimônios. O PAC é um alento, mas apenas restaurar não é uma solução definitiva, ou pelo menos sustentável. É preciso dar uso, e um uso que se sustente no tempo e dê aos campistas e ao turista, que precisa ser construído na cidade, algo para se orgulhar e frequentar.

Apresentar Campos aos campistas sempre foi essencial, mas nos últimos anos se mostra emergencial, sob pena de perdermos o que restou do descaso do passado e do presente. Que o PAC acelere também o pertencimento.

 

Publicado hoje na Folha da Manhã.