Adriano Moura — O artista não é apenas uma vítima na cultura de Campos

“Pra todos ou pra ninguém. Sem privilégios”. Distante do que vê hoje em Campos, esta é a fórmula ideal do escritor, dramaturgo e professor Adriano Moura à cultura do município. Embora com várias críticas a fazer ao modelo implantado pelo garotismo/rosáceo, não só na cultura, mas na educação e na própria política, ele não acha que tenha sido diferente, em nenhum desses setores, nos governos passados dos dissidentes Arnaldo Vianna (PDT) e Alexandre Mocaiber (PSB). Tampouco acha, especificamente na questão cultural, que o poder público municipal seja o único culpado: “O artista não é apenas uma vítima no meio disso tudo”.

Folha Dois – Em texto no facebook, replicado depois no blog do jornalista Ricardo André Vasconcelos (aqui), você escreveu: “O que há em Campos é mais que perseguição a Nelson Rodrigues (…) É estupidez mesmo; é gente burra, despreparada, insensível, cafona, ignorante que, por ser ‘amiguinho’ de A ou B, é indicada para administrar setores aos quais desconhece”. Nos dois pólos dessa “amizade”, a quem você se referiu?

Adriano Moura – A lista é grande, pois não é uma característica apenas deste governo. Não me referi a uma pessoa especificamente nem gostaria de nomeá-las. Atuo em vários segmentos educacionais e artísticos da cidade há mais ou menos vinte anos. No entra e sai de governos é gente assumindo cargos não por competência ou currículo, mas por conveniência política apenas. A Fundação Teatro Trianon já foi presidida por esposa de prefeito só por ser esposa de prefeito. Outras instituições tiveram à frente a filha de “fulano”, a amiga de “sicrano”. Não preciso citar os nomes, porque todos sabem muito bem do que estou falando. A “estupidez” e burrice a que me refiro é essa prática. O que vivemos hoje nada mais é do que a continuidade de uma culturazinha de bairro, onde tudo acaba sendo tratado como um problema doméstico.

Folha – Sua crítica foi feita apenas ao setor cultural, onde atua como escritor, dramaturgo e ator, ou também como educador, onde exerce sua profissão em rede pública e privada?

Adriano – Minha crítica se estende a todos os setores. Precisamos parar de pensar cultura como algo não pertencente ao resto do corpo social. O que afeta o meio artístico está presente nos demais setores. É comum vermos pessoas tendo de chegar quase doze horas antes às filas de postos médicos para conseguir uma consulta. Algumas escolas são administradas por pessoas sem nenhum vínculo com a educação pública; algumas por pessoas até mesmo sem vínculo com educação, como já ocorreu na Escola Albertina em Travessão. Não há bibliotecas estruturadas na maioria dos estabelecimentos de ensino. Não dá para pensar em desenvolvimento educacional sem leitura. O setor cultural sofre a íngua do resto da ferida.

Folha – Em outra parte do mesmo texto, você pareceu mais específico ao afirmar: “Desde 1989 que a cidade vive nessa indigência, na dança das cadeiras dos poderes que insistem em permanecer na República do Chuvisco (…) Enquanto alimentarmos com nossos votos esses ‘zumbis’ viveremos nessa indigência”. A solução ao problema que identifica seria, portanto, cultural, educacional ou política?

Adriano – Por todas essas vertentes. A questão é política, mas não político-partidário apenas. A prova disso é o fato de a cidade, desde 1989, ter tido diferentes dirigentes. O problema é que cada um quer fazer as cosias a sua maneira, ignorando o que deu certo na gestão do outro. Parece que o fato de dar continuidade significaria admitir o acerto do antecessor. Cultura, educação e saúde em Campos estão no meio de uma queda de braços entre dois lutadores. Penso que já passou da hora de abandonarem o ringue; mas isso não vai acontecer porque o prêmio deve ser muito bom. Guardadas as devidas proporções, a administração é conduzida como no tempo dos coronéis ainda. Sempre foi assim e ainda não mudou.

Folha – Em entrevista à Folha Dois, o Artur Gomes bateu forte (aqui) na questão religiosa, denunciada (aqui) como motivo à suposta censura à peça “Bonitinha, mas Ordinária”, de Nelson Rodrigues, no Trianon. Um pouco antes, você questionou (aqui): “Nunca vi artista querendo impor regras a religiosos. Por que religiosos tentam impor regras aos artistas?”. Entre uma coisa e outra, qual o limite? Ele é respeitado em Campos?

Adriano – Depois de tanto bate-boca acabei concluindo que essa história de censura foi uma grande falácia, ou desculpa. Particularmente nunca tive problema com censura religiosa aqui, nem mesmo quando apresentei minha peça “O julgamento de Lúcifer”, que não poupa nenhum segmento religioso. Essa história da censura à peça do Nelson Rodrigues tem um lado positivo, pois suscitou outras discussões importantes para o cenário cultural, mas ficou meio sem explicação, pelo menos para mim. Como diz a “filósofa” minha mãe: “tinha mais caroço nesse angu”, mas ficou por isso mesmo.

Folha – Você, assim como os escritores Antonio Roberto Kapi e Vilmar Rangel, têm batido na tecla da necessidade de implementação real do Fundo Municipal de Cultura (saiba mais aqui), numa tentativa de se conferir independência políticas às manifestações artísticas de Campos. No seu ponto de vista, esse deveria ser o eixo da discussão?

Adriano – O Fundo Municipal de Cultura tiraria o artista da posição de mero pedinte, sempre dependendo de acesso pessoal a quem tem poder para viabilizar os projetos; além de ser um processo mais democrático e transparente. Os artistas teriam de se organizar, criar projetos consistentes para poder usufruir dos benefícios.

Folha – Muitos dos que defendem a política cultural de Rosinha, o fizeram atacando os artistas mobilizados a partir da denúncia de censura à peça de Nelson, alegando que estes só o fizeram por terem perdido a guarida que receberiam no governo Mocaiber. Até onde a reação dos artistas, ou parte dela, pode ter servido para forçar e/ou encarecer a venda do passe à cooptação pública municipal?

Adriano – O artista não é apenas uma vítima no meio disso tudo. Muitos participam da “dança das cadeiras” a que já me referi e dançam conforme a música mesmo. Mas isso se dá devido à dependência político-partidária, financeira e desemprego. Funciona assim: quando quem está no poder é o pessoal do “Arnaldo/Mocaiber”, os vilões são os seguidores de “Rosinha/Garotinho”. Quando quem está no poder são “Rosinha/Garotinho”, os vilões são os seguidores de “Arnaldo/Mocaiber”, e assim segue.

Folha – Como artista, você sempre buscou e conquistou seus espaços por conta própria. Seja pelas cifras bilionárias dos royalties, seja por uma política pensada de cooptação da sociedade civil, seria exagero dizer que o pires na mão estendida à Prefeitura, há algum tempo, dita o comportamento da classe artística, como de várias outras em Campos?

Adriano – Por que Campos não levou tantas pessoas às ruas como em outras cidades de mesmo porte? Tudo aqui gira em torno da Prefeitura. Muitos montam uma banda pra fazer show pra Prefeitura, não fazem peça se a Prefeitura não der dinheiro pra fazer; tem os que abrem  uma firma de limpeza sonhando prestar serviço à Prefeitura; ou vive de olho nos possíveis vencedores da eleição porque quer um emprego na Prefeitura. É bem pequeno o número dos que não dependem da máquina pública. Como é grande a quantidade dos que dependem dela, o silêncio também é maior. Já vendi espetáculos e projetos para Prefeitura, mas todos bancados com recursos próprios ou em parceria com a iniciativa privada. Já vendi idéias, nunca meu voto ou voz. Há um grupo corajoso, que  expõe o que pensa e luta pelo que acredita. Geralmente tem mais dificuldade e acesso. Isso precisa acabar. É outra prática doente de todos esses anos.

Folha – Acredita que os espaços alternativos da cidade, os teatros como o Sesc e o Senai, ou a própria Lei Rouanet, de isenção fiscal das empresas nos investimentos em projetos culturais, são alternativas tentadas pelo menos tentadas pela maioria dos artistas locais, antes de se queixarem da falta de espaço e apoio público do município? Por quê?

Adriano – A Lei Rouanet é um sonho. O empresariado e alguns artistas a desconhecem. As empresas querem retorno imediato, coisa que uma peça teatral sem ator famoso não proporciona. Convencer o empresário a comprar um projeto pelo seu valor estético é complicado, mas não é impossível. Eu já tentei e não consegui. Mas isso não é uma realidade só de Campos. Em grandes centros como Rio e São Paulo têm sido muito difícil concretizar um projeto, mas a coisa não para. Projetos alternativos são apresentados em bares, cafés, galpões, salões de festas, ônibus, etc. Em Campos, posso citar o Giu de Souza, por exemplo, que organiza eventos envolvendo música, literatura, artes plásticas, teatro, etc.  Corre atrás, busca parcerias e trabalha, produz. Esse é um dos caminhos. Protesto, trabalho, produção e lucidez na hora das escolhas.

Folha –  Em contrapartida, a exemplo do que faz nos subsídios públicos às organizações carnavalescas, no Campos Folia, acredita que a Prefeitura não poderia também investir na promoção de eventos anuais de teatro, música e dança, prestigiando os artistas locais e fomentando sua produção?

Adriano – Sempre questionei isso. Se há tanta verba para as agremiações carnavalescas, pras bandas de pagode e axé; por que  não para o teatro? A dança ainda é mais privilegiada. Teatro não. Os festivais ocorrem sem obedecer a um calendário. Tem ano que tem, ano que não tem. Ora é regional, ora nacional, ora apenas estudantil. Como sempre, depende de quem está “mandando”, não de um projeto consistente e com condições de sobreviver às intempéries das mudanças de governo. Voltando: se tem dinheiro pro boi pintadinho desfilar no carnaval, tem de ter também alguma maneira de viabilizar outras formas de expressão. Pra todos ou pra ninguém. Sem privilégios.

Publicado hoje na edição impressa da Folha.

fb-share-icon0
Tweet 20
Pin Share20

Este post tem 5 comentários

  1. artur gomes

    Adriano, disse tudo e ampliou o leque do questionamento para todos os setores de um governo que a única coisa que faz com eficácia é propaganda, o resto é o resto, só não vê quem não quer.

  2. Arthur Soffiati

    Venho acompanhando com atenção toda a polêmica iniciada com a propalada censura da peça “Bonitinha mas ordinária”, de Nelson Rodrigues, pela prefeitura de Campos. Inicialmente, preciso definir que parto de duas premissas para me posicionar. A primeira é a distinção entre vertente patrimonial e vertente da produção cultural. A segunda diz respeito às quatro políticas públicas de cultura segundo Abraham Moles: políticas informal, populista, autoritária e democrática. Claro que elas não podem ser vistas de maneira estanque.
    Tive uma experiência de 18 meses como gestor público de cultura e me empenhei em definir uma política democrática de cultura que contemplasse as vertentes patrimonial e da produção cultural. Fracassei não por incompetência, mas por trabalhar com um prefeito que tinha uma visão informal de cultura sem sequer saber que sua visão era essa. Saí sem manchas, até porque recebi apenas dois meses durante os 18 em que tentei algo novo.
    A partir de Garotinho, os prefeitos adotaram, todos eles, uma mistura de política populista com autoritária. Populista por fazerem política partidária com a cultura e por verem na cultura uma forma de ganhar dinheiro ilícito. Autoritária por imporem seus padrões de cultura à sociedade.
    Por outro lado, concordo com Adriano Moura. Aqueles que trabalham com cultura em nosso município pautam sua atuação de forma medíocre e também partidária. São pessoas que desejam apenas se apresentar como produtores de cultura, sem a preocupação e o empenho de se situarem nos processos culturais. Acham que, para fazer teatro, literatura e outras manifestações culturais, basta apenas o desejo. São pessoas que cortejam o poder e o apóiam se seus projetos foram acolhidos. Fora do poder, criticam os governantes se não são contemplados. Claro que não generalizo porque sempre é injusto colocar todo mundo num mesmo balaio.
    Claro também que não espero criadores geniais vivendo em Campos. Os grandes nomes da província foram embora para desenvolver suas vocações. Vejamos José Cândido de Carvalho, Thiers Martins Moreira, José Américo Motta Peçanha, Ivald Granato e Lúcia Laguna, para só mencionar alguns nomes. Essas pessoas guardaram a província em seus corações, mas partiram para outras plagas. Contudo, permanecer na província não exime os criadores culturais de Campos de empreender uma reflexão mais aprofundada sobre sua condição. Neste aspecto, coloco-me como os historiadores neopositivistas, que examinam e julgam as manifestações culturais dentro do seu contexto.
    Certa vez, um poeta se aproximou do saudoso Prata Tavares e perguntou o que ele havia achado do seu livro. Prata, na sua sinceridade rude, respondeu: você precisa estudar poesia. Certa vez, um produtor de teatro me disse que eu seria considerado inimigo do teatro se não assistisse à sua peça. Respondi-lhe prontamente que podia me considerar inimigo do teatro.
    Em síntese, não estamos diante de um filme em que bandidos e mocinhos são absolutamente distintos e separados. Não gosto da visão maniqueísta dos nossos intelectuais e artistas.
    Arthur Soffiati

  3. Gildo Henrique

    JULGANDO AS MANIFESTAÇÕES CULTURAIS DE DENTRO DO SEU CASULO

    Aristides, não sei se você é inimigo do teatro.
    Mas, deveria assistir às montagens desses mesmos grupos dos quais fala, para “empreender uma reflexão mais aprofundada sobre sua condição”.

    Escrevi um conto em sua homenagem, que acabou levado à cena no Teatro do SESI. Fui pessoalmente à sua residência levar o convite para “O Segredo do Capitão Garrafa e outras histórias” – produção independente, sem nenhum apoio.

    Nenhuma palavra. Duvido que tenha lido o conto (premiado em Concurso Nacional).

    Chame um tal de Deneval Filho, que só aparece nas redes sociais para divulgar um novo livro, e

    (seguindo bordão)

    Saiam pra rua!

  4. carmem lucia

    BOA NOITE A TODOS!!
    PENSO QUE A PREFEITA CENSUROU A PEÇA DO NELSON RODRIGUES ” BONITINHA MAIS ORDINÁRIA”.. POR QUE DEVE TER SE LEMBRADO DO SEU PASSADO NA LAPA.. NUMA ÉPOCA QUE ELA TAMBEM ERA DO TEATRO. ACREDITO QUE ESSE TITULO (trecho excluído pela moderação). E HOJE SE DIZENDO EVANGELICA NÃO PODE SE OLHAR NO ESPELHO..

  5. Quiteria

    Gente cuidado com a incontinência digital.
    Julgar a mulher política vale,agora patrulhamento de moral sexual no passado das pessoas, não vale não! Mesmo porque a moça Rosângela era uma boa garota.

Deixe um comentário para Quiteria Cancelar resposta