“Luz! Mais luz!”

Muita gente boa considera “2001 — Uma Odisseia no Espaço” não só o melhor filme do estadunidense Stanley Kubrick (1928/1999), como entre os melhores já produzidos na tal da sétima arte, aquela que nasceu na invenção dos irmãos franceses Auguste (1862/1954) e Louis Lumière (1864/1948) para reunir as outras seis. Arte, assim como a religião, existe para nos ligar ao Mistério, na tentativa de responder aquelas perguntas inerentes a tudo que vive, com consciência de si e do que o cerca: “Quem sou?”, “De onde vim?”, “Para onde vou?”, “Quanto tempo tenho?”, “Que diabos estou fazendo aqui?”…

Metafísica extraída em garimpagem de pirita, o “ouro dos tolos”, à vista dos céticos, o fato mais positivista é que foi a partir dessas indagações, ecoadas dos recônditos da mente (ou da alma?) desde quando ainda lascávamos pedras numa caverna qualquer, que mais tarde seria fundamentada na Grécia Antiga a filosofia, a busca da verdade, compartimentada a partir de Aristóteles (384 a.C./322 a.C.) em todas as ciências humanas. Sem se deixar cegar pelo reflexo das suas luzes no Iluminismo, como ressalvaria séculos depois o escritor alemão Johann Goethe (1749/1832), criador do Romantismo e talvez a prever o que seria o nazismo em sua própria pátria: “Toda vez que o homem quis acabar com o Mistério, caiu na barbárie”. Não por outro motivo, endossou nosso pantaneiro contemporâneo Manoel de Barros, reinventor da língua de Luís de Camões (1524/1580) e maior poeta brasileiro vivo: “Eu preciso de Mistério”.

Mistério é tudo que ronda qualquer conclusão objetiva sobre “2001 — Uma Odisseia no Espaço” e seu mais enigmático “personagem”. Presente no filme desde a gênese da nossa espécie nas savanas da África, até as imensidões do cosmos, na qual homens e máquina (o computador HAL) se lançam numa nave espacial em busca de respostas e da própria sobrevivência, o que seria, afinal, o tal Monolito Negro? Nossa origem mais primeva? O DNA do próprio universo preservado em pedra? Seria Deus?

De tudo que já li sobre a obra-prima de Kubrick, a tentativa de explicação que mais me satisfez foi feita numa crítica de cinema assinada pelo mestre José Cunha Filho, jornalista e escritor, numa hoje distante década de 1990. Também imortal da Academia Campista de Letras (ACL), ele concluía seu texto: “É preciso morrer para renascer”.

No oximoro encerrado nessa própria sentença, como no frio primaveril desta tarde de sexta-feira, refletindo sobre a morte rondando próxima, tantas vezes, em tão pouco tempo, inevitável pensar em Aluysio Cardoso Barbosa, em Pedro Otávio Enes, em Flávia Alexim, em André e Gisela Coutinho, em Johil Coelho, em Suany Abreu, ao receber recentemente a notícia de mais três amigos em momentos superlativos nesta luta perene de tudo que vive, desde que, sabe-se lá por quais desígnios, fomos um dia dados à luz. “Luz! Mais luz!”, suplicaria Goethe ao morrer.

Por todos eles (e por todos nós), segue abaixo um poema dedicado ao amigo e também poeta Antonio Roberto Kapi, guerreiro goitacá da têmpera do craquelê, escrito há quase 16 anos, em diálogo com a crítica de Zé Cunha sobre o filme de Kubrick, orbitando pela vastidão do universo no brinquedo de peão sobre nós mesmos e sobre o sol, na vertigem de existência a nos reunir neste mesmo planetinha azul e girante, neste exato segundo no qual eu escrevo ou nesse em que você me lê, sem nenhuma garantia de vingarmos ao próximo.

Porque descobrir é tudo que resta…

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Este post tem 5 comentários

  1. Machado

    Vamos que vamos guerreiro, sobrevivente .ÉS muito importante para muitas pessoas

  2. José Cunha Filho

    O que importa, Mestre Poeta, é manter-se alerta e combater sempre o bom combate. Como Você tem feito, com talento e competência. O mais é o horizonte sempre mais distante, quanto mais se caminha em direção ao infinito. Abraços, cunha

  3. santos

    Cunha como sempre, desde os tempos da “A Notícia “,usando as palavras como ninguém.

  4. Aluysio

    Mestre Zé Cunha,

    Como nos aconselharia Yeats véio de guerra: “Passe os olhos friamente/ Pela vida, pela morte/ Cavalheiro para frente”

    Gd abç!

    Aluysio

  5. Machado

    \Zé Cunha ícone do jornalismo Goytacá!

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