Um dos principais fatores de crescimento das religiões evangélicas no Brasil e no mundo, sobretudo as neopentecostais, é a oferta de “limpar” a ficha, aos supostos olhos de Deus, de toda vida pregressa antes de se abraçar a nova fé. Em conceito já popularizado, passa-se a ter o ex-alcoólatra, o ex-drogado, o ex-assassino, o ex-assaltante e até o ex-gay. Em exemplo meramente hipotético, seria o caso de um político de formação marxista e ateia, que na adolescência roubasse toca-fitas de carros para comprar maconha, conhecendo depois cocaína e ácido lisérgico na juventude hippie, abraçasse na idade madura uma religião evangélica. E, questões de crença à parte, os votos laicos arrebanhados na nova fé não fariam mal nenhum, talvez ao contrário dos velhos “hábitos”.
Em outro caso hipotético, pode haver também aquele que sempre sonhou ser político, desde antes de também se tornar evangélico. Todavia uma carreira empresarial desastrosa, na qual a grande novidade foi falir os negócios do pai, para a vergonha do seu entorno familiar e amizades, pode tornar difícil a transição da iniciativa privada à pública. Impossibilitado, pela própria mediocridade, de transformar sonho em realidade, adapta-se o primeiro: no lugar de ser político, tornar-se o lacaio de um. E tanto melhor se a maneira de servir for ser “laranja” de uma empresa de comunicação que pode se dar ao luxo de gastar mais do que arrecada, onde a falência nos negócios do pai é evitada com desvio e lavagem de dinheiro público ou comissões de empreiteiras.
Emprestada a cara para um negócio do qual não se é dono, pouco problema há em transformar um jornal em descarado panfleto político, distribuindo gratuitamente em ruas e casas o mesmo impresso que finge vender nas bancas, ou oferecendo comissões irreais a publicitários de um concorrente obrigado a obedecer, como qualquer outra empresa do mundo real, à lógica do mercado. Quando esta pode ser ignorada às custas dos cofres públicos, da moral e da lei, ao servo divorciado de qualquer talento como empresário ou político, mas com a goela dilatada desde os negócios do pai, torna-se quase inevitável o desvio aos próprios bolsos do dinheiro que entra, sobretudo em tempos de campanha, após ser desviado do povo. E se a fome for muita e o político não suportar mais, enxotando o lacaio sob a pecha pública de ladrão, a ausência de qualquer vestígio de orgulho, caráter ou vergonha na cara de ambos, pode até fazer com que o primeiro, após algum tempo, chame de novo o segundo a reassumir seu lugar, sem nenhuma novidade, após esgotar as demais opções do “laranjal”.
Afinal, a fé evangélica pode até se propor, sob severos protestos da comunidade gay, a transformar homo em hétero. Já “curar” ladrão, talvez seja mais difícil.
De qualquer maneira, que esses dois espúrios exemplos hipotéticos, de um político e seu lacaio irmanados em fé e em todos seus atos que a contradizem, não acendam nenhum sinal de alerta na vida real, nem a quem porventura ache que implante de crista basta para querer cantar de galo. Mesmo porque não é preciso um caminhão de citações catadas no Google, no pedantismo até cômico de se demonstrar um intelecto que não se tem, para deixar acesa a luz verde, mas só no blog, sem deixar a Folha ser arrastada em coisas menores, e definir qualquer questão na linguagem mais popular possível: “Passe à vontade, seu babaca!”
Perfeito texto ! Aliás lugar comum nos blogs .
me sinto honrada e agradecida por ter um jornal como este, para ler.
Num município, onde quase todos são dos laranjas, sobram poucas opções nas bancas sem máscaras e meias verdades, como fazem vocês.
e aos que sugam Campos dos Goytacazes, mas peregrinam em porta de igreja pedindo perdão para transformá-los em votos, também repito:”Passe à vontade, seu babaca”.