Jon Jones medido pela distância que transforma os demais em medíocres

Boa atuação de Glover Teixeira não encurtou a distância que ergue o braço de Jon Jones sobre os demais
Boa atuação de Glover Teixeira não encurtou a distância que ergue o braço de Jon Jones sobre os demais

 

Esperei para rever hoje a luta que já havia assistido ao vivo, na noite de ontem, quando o estadunidense Jon Jones manteve o cinturão dos meio-pesados no UFC 172, diante do desafiante brasileiro Glover Teixeira, para tentar fazer uma análise mais detida sobre o combate vencido por pontos, em todos os seus cinco rounds, pelo campeão. Glover lutou com desassombro, tentou sempre caminhar para frente, conseguiu acertar sua mão pesada em alguns cruzados e uppercuts, defendeu muito bem as tentativas  de queda e demonstrou grande condicionamento aeróbico. Mas, e daí? Nada disso bastou para que Jones fosse sequer ameaçado em nenhum momento da peleja.

Antes de falar da sua última luta, talvez seja necessário falar da primeira que vi de Jon Jones, contra Stephan Bonnar, no UFC 94, em 31 de janeiro de 2009. De fato, fiquei tão impressionado com a exuberância técnica, a fluidez do jogo e a tranquilidade demonstradas por aquele garoto negro, alto e esguio, então com 21 anos, diante de um adversário duro e bem mais experiente, mas batido por pontos com espantosa facilidade em todos os três assaltos, que me arrisquei a fazer aos amigos e conhecidos uma previsão: esse menino vai varrer a categoria dos meio-pesados, na época a mais parelha e disputada do UFC, com o cinturão trocando de mãos a cada nova defesa de título; vai lutar e derrotar o campeão dos médios, o então imbatível brasileiro Anderson Silva; e depois vai subir aos pesados, para tentar conquistar não só a coroa da categoria acima, como a de maior lutador de Artes-Marciais Mistas (MMA) de todos os tempos.

Da promessa de 21 anos ao campeão meio-pesado consagrado aos 26 como maior nome na atualidade do UFC, preenchendo o vácuo aberto pelas duas derrotas de Anderson frente ao estadunidense Chris Weidman, e pela aposentadoria temporária do meio-médio canadense Georges St. Pierre, o jogo de Jones só vem evoluindo. Ontem, diante de Glover, foram tantas as inversões de guarda executadas pelo campeão, oras lutando como destro, oras como canhoto, que não só o desafiante brasileiro, mas os milhões de espectadores mundo afora, acabaram se confundindo. E só quem já praticou qualquer luta, sobretudo de trocação em pé, sabe o quanto é difícil inverter todo o lado do corpo para atacar e se defender. Fazer isso com a mesma naturalidade de Jones, só vi outros dois: Anderson, no MMA, e o estadunidense Roy Jones Jr., no boxe. Se valer futebol, cabe a lembrança dessa mesma perfeição ambidestra a Leandro, ex-lateral-direito dos inesquecíveis Flamengo de 1981 e Seleção Brasileira de 1982.

Por certo, além do bom jogo de chão do brasileiro, que levou Jones a tentar poucas quedas (apenas quatro em cinco rounds), Glover é um dos trocadores mais respeitados do MMA, pela força e velocidade dos seus punhos. E ao aceitar trocar com ele em vários momentos, devolvendo os socos do brasileiro com suas temíveis cotoveladas, o fato de Jones ter sido acertado algumas vezes, apesar do seu consistente jogo de defesa, sem ter dobrado as pernas em nenhuma delas, evidencia outra característica desanimadora a qualquer desafiante do campão: ele aguenta pancada, tem queixo duro ou, como se diz no jargão das lutas, poder de encaixe. Ontem, nos dois assaltos iniciais, Glover chegou a disputar com Jones o centro do octógono, posição que na dança equivale à do par masculino, que determina as ações às quais cabe ao(a) outro(a) apenas reagir. Mas da metade do terceiro round em diante, Jones usou seu excelente wrestling, do qual é egresso, não para derrubar, mas para empurrar o desafiante de costas à grade, ditando a partir dali, além da luta, a própria maneira como ela seria lutada.

Antes do UFC 172, escrevi aqui que sua luta principal serviria para medir a distância entre Jones e Glover. Apesar deste ser excelente lutador, assim como também são os brasileiros Maurício Shogum, Lyoto Machida e Vitor Belfort, ou os estadunidenses Quinton Jackson e Rashad Evans, todos derrotados por Jones desde que conquistou o cinturão, a distância entre ele e todos os demais parece ser a mesma que Marcel, ex-pivô da Seleção Brasileira de basquete, definiu como comentarista de TV na transmissão ao vivo de jogo play-off de um dos seis títulos da NBA conquistados pelo Chicago Bulls de Michael Jordan, nos anos 1990: “Nessa quadra, há 10 excepcionais jogadores. Qualquer um destes 10 que jogasse em qualquer lugar, que não a NBA, seria um ídolo de todos os tempos, mais ou menos como Oscar foi no Brasil. Agora, há um entre os 10 capaz de transformar os outro nove em medíocres. E este um é Michael Jordan”.

Certo que Jones deve, inclusive a si mesmo, uma revanche contra o sueco Alexander Gustafsson, por quem era derrotado por pontos, até encontrar uma cotovelada giratória que abriria o supercílio do adversário e seu caminho para vencer os dois últimos assaltos e a luta na qual manteve o título, por vantagem mínima, no UFC 165, em 21 de setembro de 2013. E, no meu entender, a altura, a entrega tática e o boxe alinhado de Gustafsson, embora não possam mais surpreender, são os únicos obstáculos reais que o campeão tem em sua categoria, além, talvez, da força e do wrestling igualmente afiado do estadunidense Daniel Cormier. Ademais, como se trata de luta, que sempre pode ser definida num único golpe, ofertando ao pior a possibilidade concreta de bater o melhor, não se pode falar em certezas. E esse suspense até o segundo final de cada combate é o maior fator da popularização em escala geométrica do MMA, assim como também acontece no futebol, em diferença marcante para outros esportes como basquete, vôlei ou tênis, onde a vitória quase nunca deixa de sorrir ao melhor.

Mas a distância que Jon Jones abriu aos demais lutadores de MMA do planeta, e parece alargar a cada nova peleja, lembra muito aquela que Marcel um dia atribuiu, no basquete, a outro negro alto e esguio dos Estados Unidos.

 

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