Crítica de cinema — O sapateiro vai além dos seus sapatos

De olhos bem abertos

 

 

trocando os pés

 

Mateusinho 2TROCANDO OS PÉS — O lendário programa da NBC  Saturday Night Live  é uma enorme fábrica de comediantes. A lista realmente impressiona. Desde sua criação, em 1975, saíram dele direto para Hollywood figuras como Chevy Chase, John Belushi, Steve Martin, Bill Murray, Will Ferrell, Mike Myers, Eddie Murphy e muitíssimos outros. Muitos deles conseguiram consolidar seus trabalhos no cinema criando um estilo próprio de fazer humor, desenvolvendo em cada filme um universo pessoal.

Uma dessas figuras é Adam Sandler, que a partir da sua saída do programa, em 1995, realizou mais de 40 filmes.  Embora nunca tenha dirigido nenhum de seus trabalhos, não é difícil perceber que ele é o verdadeiro autor de suas comédias. Nelas, o personagem principal é sempre um sujeito imaturo e afável, porém propenso à irritabilidade quando contrariado. Ao seu redor, uma série de atores-amigos e atrizes muito bonitas fazem parte do elenco habitual. As  situações, não raro, costumam cair no terreno da grosseria e da escatologia.

Esta fórmula resultou em grandes comédias como “O paizão” e “A herança de Mr. Deeds”. Em paralelo, o diretor Paul Thomas Anderson conseguiu  aproveitar o arquétipo de Sandler e focá-lo desde um outro ponto de vista, mais obscuro e sentimental, na bela comédia dramática “Embriagado de amor”.

Em Trocando os Pés, porém, a tentativa de se afastar do tom pueril não deu muito certo. Sandler interpreta um sapateiro judeu, Max Simkin, que mantém a loja familiar, no Lower East Side de Nova Iorque, quase que por obrigação filial. Sua vida não é muito empolgante; divide seu tempo entre a reparação de calçados e o cuidado de sua mãe, uma idosa senil. Certo dia, ao utilizar uma velha máquina de costurar solas que se encontrava esquecida no porão da loja, descobre a possibilidade de se transformar em qualquer um de seus clientes, ao calçar os seus sapatos.

O uso do fantástico já rendeu alguns sucessos ao próprio Sandler, como por exemplo em “Click”, onde um controle remoto dava a ele a capacidade de manejar a sua vida como a estivesse reproduzindo num DVD. Ou em “Como se fosse a primeira vez”, tentando reconquistar a cada dia  a desmemoriada Drew Barrymore.

“Trocando…” pinta muito bem nos seus 20 primeiros minutos, com a descrição dos personagens e o ambiente onde estão inseridos (um bairro de classe média baixa que resiste aos embates de incorporadoras imobiliárias), e nos passa a sensação que vamos assistir uma história com certa sensibilidade melancólica. Entretanto, a partir do instante em que Sandler adquire o ‘poder’ de ser qualquer outro (desde que esses outros tenham deixado seus sapatos na loja) o roteiro adquire as características de uma trama policial com doses de comédia, que não é nem tão policial, nem tão cômica assim. Há também uma subtrama envolvendo o pai de Max, interpretado por Dustin Hoffman, que resulta completamente inverossímil e ridícula até para os padrões da filmografia de Sandler.

O filme praticamente não foi lançado nos Estados Unidos, com exceção de umas poucas salas, sendo comercializado diretamente em Blu-Ray e nos sistemas de streaming. O fato dos distribuidores brasileiros decidirem exibi-lo nos cinemas revela que existe a expectativa de que Sandler continue resultando atraente para o público local. O problema é que Sandler já não está tão simpático assim.

Post Data: Como envelheceu Steve Buscemi!

 

Mateusinho viu

 

Publicado hoje na Folha Dois

 

Confira o trailer do filme:

 

 

fb-share-icon0
Tweet 20
Pin Share20

Deixe um comentário