TROCANDO OS PÉS – De filmes de comédia a terror, como “Se eu fosse você” (1 e 2; 2004 e 2008), de Daniel Filho, e “A chave mestra” (2005), de Iain Sofltey, a criação de roteiros nos quais os personagens trocam de corpos, espécies e personalidade é uma das formas interessantes e atraentes de explorar o mundo da ficção e da fantasia, tanto em cinema quanto nas artes cênicas e literatura. No rito de passagem para novas realidades, o protagonista, geralmente, enfrenta situações adversas que o levam a modificar sua identidade, seja por repetição de palavras – como ocorre nos filmes dirigidos por Daniel Filho – ou pelo uso de fórmulas mágicas, tal como acontece em cenas da obra literária e cinematográfica “Stardust – O mistério da estrela” (2007), escrita por Neil Gaiman e dirigida por Matthew Vaughn. O mais recente longa-metragem que segue o estilo é “Trocando os pés”, estrelado por Adam Sandler e dirigido por Thomas McCarty.
Sapateiro de Nova York, o judeu Max Simkin vive dos lucros gerados por uma pequena loja no Lower East Side. Herdado do pai, o comércio resume o cotidiano do homem, que passa grande parte do seu dia no local. Em casa, onde vive com a mãe idosa, ele passa por momentos carregados de maior densidade dramática do que de comédia e leveza, diferentemente de outros filmes protagonizados por Adam Sandler, como “Zohan – o agente bom de corte” (2008). Abandonados por Abraham Simkin, interpretado por Dustin Hoffman, mãe e filho vivem entre memórias deixadas pelo pai. O único amigo do protagonista é Jimmy (Steve Buscemi), barbeiro que trabalha na loja vizinha à de Max.
Certo dia, durante o horário de expediente, a máquina de costura de sapatos de Max quebra. Com uma encomenda para as horas seguintes, ele se lembra de outra, deixada pelo pai. Ele contava ao filho, quando criança, que aquele objeto era especial e, por isso, só deveria ser usado em poucas ocasiões. A máquina foi dada por um homem sem-teto a seu bisavô, que o abrigou e alimentou. O presente foi uma retribuição ao carinho recebido. Devido ao problema, Max opta por utilizar o aparelho e descobre, a partir de seu funcionamento, que pode vivenciar histórias diferentes das suas e descobrir novas realidades ao usar os sapatos consertados por ela.
Com a troca de personalidades e corpos, Mas vive prazeres e se sente mais vivo à medida que passa por experiências nunca imaginadas. Em cena, Adam Sandler, mais voltado, neste papel, ao drama do que à tradicional comédia, traz fortes expressões faciais e aparência levemente envelhecida e abatida, cabendo adequadamente ao personagem, cujas características vagam entre tristeza e solidão e que atraem mais a atenção do espectador em comparação a outros pontos do filme.
A exploração e mistura de aspectos cômicos e dramáticos, em muitos momentos, deixa confusa, para os espectadores, a real intenção do filme. A trilha sonora, cujo uso se adéqua mais a cenas de comédia, é erroneamente utilizada em passagens de drama. Em uma sequência filmada na casa de Max, o protagonista questiona a mãe sobre o almoço. A idosa responde que está dentro do microondas, basta o homem esquentar a refeição. Ao abrir o aparelho, ele encontra a bolsa dele. Nesse momento, a expressão de Sandler e a canção instrumental são completamente opostas e atrapalham o envolvimento do público com a situação de drama – a mãe idosa e com problemas de memória – pela qual passa o personagem. Devido a esses usos equivocados de recursos, “Trocando os pés” abre diversas portas e se esquece de fechá-las, deixando no espectador a sensação de que o enredo ainda não foi concluído.
Publicado hoje na Folha Dois
Confira o trailer do filme:
Leia aqui a crítica do Gustavo Alejandro Oviedo sobre o mesmo filme