“Entre nós, falta autocrítica, sobra autoengano”. A advertência foi feita pelo deputado federal Chico Alencar (Psol), em entrevista publicada (aqui) na edição da Folha do último domingo. E o que se viu na votação daquele mesmo dia, quando a Câmara Federal aprovou o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT) por 367 votos favoráveis, 137 contra, sete abstenções e duas faltas, confirma que a ressalva do deputado foi ignorada de todos os lados, inclusive pelo próprio. Como continuou a ser nas manifestações pelas redes sociais, pelo resto da noite de domingo e a madrugada de segunda, por parte de quem assistiu à votação.
Essa Câmara Federal tomou posse em 1º de janeiro de 2015 e muitos nela se reelegeram, como a própria presidente Dilma. Isto posto, querer fazer crer que, só na noite de 17 de abril de 2016, se tenha descoberto o baixo nível dos deputados federais brasileiros, é autoengano escorrendo pela borda. Tão patético, por parte de quem assistiu e se manifestou sobre a votação, quanto quem nela pretendeu se justificar com Deus, pai, filho e espírito santo.
E onde o autoengano mina do chão, a autocrítica morre à míngua. Enquanto a Câmara teve as miudezas particulares de seus deputados satisfeitas nos 13 anos de governo federal do PT, em troca de apoio parlamentar, ela teve um nível melhor? Ou só “desceu até o chão” quando o seu português ruim, como o do ex-presidente Lula, passou a ser ecoado pelo impeachment pedido nas ruas durante as manifestações de 13 de março, maiores na história do país?
A maioria dos deputados que disseram sim ao impeachment de Dilma tem exatamente a mesma cara dos eleitores que os elegeram. Nem melhor, nem pior. Via de regra, ao embalo da confusão entre “étnica” e “ética” cometida por Dilma na coletiva de ontem, é a mesma face real dos negros, índios, trabalhadores, LGBTs, pobres, sem terra e quaisquer seus opostos, quando despidos da idealização maniqueísta de quem votou contra. Como tão covarde quanto quem saúda uma ditadura e seu torturador, é quem naquele cospe, dá as costas e corre em fuga. Diante ao espelho, a oposição só deve preocupar quando o reflexo repugna nos dois lados.
Assim, as contas na Suíça de Eduardo Cunha foram mais uma vez lembradas por Dilma, em sua coletiva de ontem. E no mesmo dia um laudo da Polícia Federal, com base na quebra do sigilo fiscal da empreiteira Andrade Gutierrez, apontou (aqui) o pagamento de R$ 3,6 milhões para o ex-presidente Lula entre 2011 e 2014, trilhando mesmo percurso do dinheiro que abasteceu empresas investigadas por lavagem de dinheiro de propina alvo da operação Lava Jato.
É o mesmo Lula que espera definição amanhã (20/04), pelo Supremo Tribunal Federal (STF), para saber se pode ou não ocupar o ministério da Casa Civil, para o qual foi nomeado por Dilma, naquilo que o procurador geral da República, Rodrigo Janot, ainda estuda denunciar como obstrução da justiça. Seria outro crime de responsabilidade da presidente que diz não o ter cometido com as “pedaladas” fiscais que ajudaram a quebrar o país.
Independente do desfecho dessa crise, no Senado se fala em setembro, a certeza é de que até lá o Brasil fica paralisado. Para quem conquistou emprego público mediante concurso, a estabilidade garantida pela meritocracia capitalista dá certo alento. Para quem, no entanto, está na livre iniciativa que sustenta o aparelho do Estado, a incerteza preocupa consideravelmente mais, seja empregado ou empregador. Muito embora, como provam os servidores fluminenses penando para receber de um governo estadual solidário (aqui) a Dilma, a crise tenha o condão didático de juntar a todos no mesmo barco — sem rumo e a fazer água.
Sem autocrítica, é fato: morreremos todos afogados no autoengano.
Publicado hoje (19/04) na Folha da Manhã
Um a Câmara de deputados presidida por Eduardo Cunha, comandando o processo de impeachment, com o baixo clero dos deputados depositando o seu SIM e saudando pai, mãe, filho, neto, cachorro, gato e etc, explica o nível da politica no Brasil atual. Chego a conclusão de que a frase do jogador de futebol Pele, lá pelos idos dos anos 70, estava correta para as dias atuais. “O Brasileiro não sabe votar”