Sugestão para escutar enquanto lê:
Está escuro, aqui, no alto do Imbé.
Lá embaixo um pedaço do rio é iluminado pela lua.
Com o peito nu abro os braços para a imensa escuridão…
Consegue sentir?
O sussurro dos ventos nos meus ouvidos, os poros se arrepiarem de dor, o peito se abrir em flor?
Com a pele dilacerada veja meu pulmão deixar o meu corpo, bem à minha frente, iluminado pela lua, cai n’água de forma brusca.
Não consigo respirar, corro para a beira do abismo enquanto a poeira se levanta com o batuque dos meus pés, pulo, mergulho, soturno, para dentro de mim, perfuro a gota do oceano diluída na multidão de uma pessoa só.
¡Nado, nado, nado a braços largos, meu pulmão iluminado pela lua do fundo do oceano se afasta cada vez mais de mim, se não conseguir alcançá-lo em pouco tempo morrerei asfixiado. Chego até a areia do fundo e quase consigo pegá-lo, mas logo se enfiou entre os grãos se batendo como meu coração. Cavei até sair em um campo com gramas verdes e úmidas, ao longe, meu pulmão voa, corro, mas minhas pernas já estão cansadas pela falta de oxigênio.
Me apoio ofegante numa grande árvore colorida, lá em cima ele está parado, brilhando com a luz do sol, se enchendo e esvaziando. Subo a árvore e ao sair do amontoado denso de folhas percebo que o verde se transformou em branco das nuvens, além do céu meu pulmão voa enquanto pulo de nuvem em nuvem tentando alcançá-lo, mas ao pisar forte em uma grande e carregada nuvem de chuva, afundo, fundo, caio sem paraquedas com a cidade inteira abaixo de mim, meus cabelos arrepiados, minhas bochechas querendo deixar o corpo de tanto vento, vejo meu pulmão ao lado, mas o vento me impede de chegar até ele.
Corto o ar com braçadas fortes, como se estivesse nadando, mas já não há tempo, estou caindo e o chão é próximo. Bato tão forte na terra que paro no meio da Terra, em meio as lavas procuro meu pulmão, mas não consigo enxergar nada, dentro de um vulcão em erupção sou expelido para fora como um jato de lava e ao me pôr em pé na superfície do planeta, vejo que já não caibo mais nele, se tornou do tamanho de uma bola de futebol, me equilibrando com apenas um pé, olho para cima e vejo meu pulmão já perto de plutão, pego impulso e pulo em sua direção. Já se passou um minuto e meio e estou roxo, talvez não aguente chegar até o final do sistema solar, até o final do sistema solar… Pedras, meteoros me impedem de chegar, me seguro em Júpiter, tentando alcançar, meu pulmão, o final do sistema solar…mas já não há mais tempo, não consigo mais segurar, continuo tentando alcançar…
Tentando alcançar
Tentandoalcan
Tentan
Tent
Te
A
Até
Até mim
Até mim ele
Até mim ele veio
Até mim ele veio, entrou em meu peito e consegui novamente respirar.
…::… …::… …::… …::… …::… …::…
Abismo alto, aqui, escuro está
Lua iluminando o rio d’um pedaço lá embaixo.
Escuridão imensa, braços abro nu peito
Sentir, consegue?
Flor abrir-se em meu peito, de dor arrepiarem-se os poros, ouvidos meus nos ventos dos sussurros?
Brusca forma no rio cai…
Uma pessoa só de multidão, diluída na gota de um oceano, perfura soturna, mergulha, pula pés de batuque enquanto levanta a poeira na beira do abismo corre respirar, mas falta oxigênio pelas cansadas pernas, corre, voa pulmão longe nas úmidas e verdes gramas em um campo meu coração batendo como os grãos no fundo da areiaasfixiado se não conseguir alcançá-lo em pouco tempo, de mim afasta-se cada vez mais oceano, fundo de lua iluminando meu pulmão de largos braços dona, dona, dona!
Sim… eu senti a inenarrável vontade de comentar, mas tive imensa dificuldade de fazer, cometer tal ato, me faltou oxigênio… meus pulmões fugiram do meu peito, mas consegui pegá-los a tempo e, respirei… fundo, um respiro longo e armazenei o ar, como se fosse o último. Também meu coração disparou, mas não tanto, como deve ter disparado o do autor, o Fabio Botrell, meu caro Aluysio, que em seu Opiniões, de quando em vez, publiciza essas belezas que nos deixam – pelo menos a mim deixou – sem fôlego, sem ar, como se fôssemos morrer asfixiado em Cultura… fiquei preocupado, conseguiria chegar ao final? Resistiria à sofreguidão da leitura? Consegui chegar e aí, me senti de alguma forma, vivo e com fôlego, para reler e reler e me sentir mais esperançoso com o fato consumado de que, na irrefreável democracia das redes sociais – como bem cunhou o Aluysinho – há vida inteligente sim.
O texto é cativante, mais ainda pela apresentação gráfica, esta ideia de representar a pulsação cardíaca com o ‘registro’ dos pulsos vitais, depois, complementado em igual divisão na ‘pausa’ da própria palavra.
Preferi ouvir curtindo ‘Asturias” de Isaac Albeniz, com este anjo aqui:
https://www.youtube.com/watch?v=inBKFMB-yPg&feature=em-share_video_user