Após seguir as indicações de um viajante andaluz acerca do reino das amazonas, Ulrico Schimidel rumou ao norte desmembrando-se do grupo de espanhóis que seguia ao Prata. Durante essa jornada que acabou caindo em meio ao reino batizado por ele como Cornucópolis.
Essas paragens de ponto hoje indeterminado, cogitado como a umas tantas léguas a noroeste de Belém, constavam de uma área mais larga que as tradicionais tribos, onde funcionava uma agricultura mais eficaz que a assistida por essas bandas e providenciava maior fartura do que em quaisquer outros aldeamentos de índios.
Pelos muitos campos coletivos abundavam as roças de mandioca, milho e feijão, além de diversas hortaliças. Complementavam sua dieta com uma sempre farta disponibilidade de carne de caça pelos arredores. Além dos víveres alimentícios, abundavam a madeira e a cerâmica, utilizadas para armazenamento de alimentos para as épocas de baixa produção. Entre as benfeitorias constavam boas ocas, pontes, cercas contra animais e outras estruturas. Um povoado de muita felicidade entre seus moradores.
Constatou o viajante alemão uma nódoa nesse paraíso terreno. Ao centro desse vilarejo existia uma enorme cabeça granítica perfeitamente esculpida de uns dois metros de alturas e três de larguras. Rezava a lenda local que ela caiu do céu em tempos imemoriais e que desde então todos a celebravam como seu deus. E para agradá-la de tempos em tempos sacrificavam alguns de seus jovens, imolando-os em uma imensa pira ao lado do ídolo pétreo.
Ulrico presenciou uma dessas cerimônias de holocausto. Colocaram três rapazes e três moças, nenhum passando dos 20 anos. Amarram-nos a um poste de madeira sobre um amontoado de folhas secas, as quais queimaram e deixaram lá até arder. Entretanto, o laço a prendê-los servia para evitar que pulassem fora movidos por instintos, já que nenhum deles se lamentou por morrer. Na verdade consideravam uma honra falecer para garantir a prosperidade da coletividade, marcando-se eternamente na alma de cada conterrâneo.
Abismado diante de cadáveres chamuscados em tão tenra idade, o visitante comentou com o cacique acerca da crueldade da ritualística. O líder então o convidou para uma longa caminhada pela região, na qual apontou várias outras tribos extintas, fosse pelas intempéries, pela guerra, por doenças ou pela fome. Dentre todas, apenas a sua prosperou. A única que realizava costumeiros sacrifícios humanos.
O cacique conhecia a falsidade daquela estátua. Seus ancestrais mantiveram a verdade enquanto enganaram o restante da população: esculpiram-na para dar uma razão de ser aos habitantes após anos e anos de privações. Então, precisando atender aos desejos de um deus caprichoso, todos se mobilizaram e saíram do seu comodismo, movidos pela premência em expandir sua comunidade. Se precisavam ceder jovens e boa parte de seus bens, precisariam sempre pensar em levar a tribo adiante, pois sempre haveria um deus a devorá-los. Esse desespero os movia.
Ulrico não sabia se vangloriava ou lamentava tal sabedoria. Lembrava dos povoados percorridos e os comparava. Encontrava o limite entre bem e mal extrapolado e ponderava acerca das possibilidades. Assustou-o caso em outros continentes algum déspota decidisse se valer de tal artimanha.
Como não se decidia quanto à qualidade dos ensinamentos proporcionados por esse povoado, livrou-se da responsabilidade de transmitir uma filosofia que poderia ser boa ou má. Rasgou de seu diário as páginas que retratavam essa tribo e preferiu deixá-la flanar ao esquecimento do tempo.