Romper um romance aos trinta não é como romper aos dezoito. Em cada fase da vida ama-se de um jeito, é sabido por todos. Aos dezoito se é mais romântico e todo amor é pra sempre. A finitude se torna um drama, do qual se faz logo refeita.
Aos vinte e pouco, supera-se. Ainda não foi dessa vez. Dói, mas passa. O romantismo é menor e geralmente consegue-se ver com clareza os benefícios de ser s-o-l-t-e-i-r-a.
Aos trinta e pouco é que “o bicho pega”, trata-se de desengano. O buraco é mais embaixo porque o objetivo era acertar. Aliás, havia um objetivo. Além de lidar com toda a decepção e solidão, que já é familiar, tem-se que superar o insuperável: o tempo não vai voltar!
Aos trinta e pouco, geralmente, já se tem aquelas conquistas materiais básicas, o necessário pra se sustentar. Aquela vontade de promiscuidade que ia passar passou, foi saciada já. E os primeiros sinais “da idade” começam a aparentar. É o ponto mais alto da curva no gráfico. Estamos no auge, a um passo de declinar. Estamos? Quem disse? Seu corpo. Ah tá.
Começamos a olhar a vida com mais objetividade e a olhar os homens assim também. Não temos problemas morais em trepar por trepar, mas o que queremos mesmo é ir além. Não temos tanta disposição pra festas, em pé, de madrugada. E preferimos, sem sombra de dúvida, uma boa conversa de bar. Revivemos, saudosas, a “MPB da boa”. E não cultivamos, diga-se de passagem, esperança na MPB que virá.
Temos assunto, somos bonitas… Particularmente, a mulher depois dos trinta é uma delícia! Somos mais resilientes, independentes, sem frescura, nos viramos bem. Conseguimos. Vamos em frente. Só tem um porém…
…
Esses dias, na casa de uma amiga, ouvi uma frase de que não esqueci. Ao ler nossos textos, a esposa de um radialista amigo disse: Ah! Mas vocês são muito poderosas, muito desencantadas.
Eu achei engraçada essa observação dela… Não sei se ela percebeu, mas ela relacionou poder ao desencanto, ao se referir a nossa “escrita feminina”. Fiquei pensando nisso… Será mesmo que existe essa relação? Será que os desencantos amorosos, atravessados pela cultura machista-opressora-misógina em que vivemos, leva a mulher, de alguma forma, ao poderio que exibimos hoje? Existe essa relação com os relacionamentos fracassados? E que poder é esse de que ela falava? O poder da escrita? O poder da lucidez? O poder de decidir? De querer? De não querer? O poder de foder sem culpa? De assumir os desejos? De ser o que quisermos, na cama que escolhermos, com quem decidirmos fazer? Nossa… Falando assim rs… Pareço poderosa mesmo… rs… Quanto poder há nas palavras… Por isso gosto delas.
…
Acabo de terminar mais um relacionamento. Aparentemente tinha muito potencial. Aquela dor conhecida de quem se desencantou… Engraçado, mergulhada em desencanto eu não sinto nenhum poder… Sinto o que todo mundo sente, homem, mulher, quando recém-separado – desolação.
desolação
substantivo feminino
- destruição arrasadora; ruína, devastação.
- estado ou condição de um lugar devastado, transformado em deserto; desertificação, despovoamento.
Aquele vazio de quem amou. Você sabe. Então…
O fato é que acabo de sair de uma relação. E assim como aos dezoito, a dor é infinita; mas diferente dos dezoito, sei o que fazer com ela.
Enxergo as possibilidades em estar s-o-l-t-e-i-r-a, mas diferente dos vinte e pouco, esse vislumbre perdeu o viço.
Tenho trinta e pouco. Sei quem eu sou. E quero ser mãe, esse é “o porém”.
Eis a questão.
Depois dos trinta, a cada relacionamento fracassado, ocupa-nos o seguinte pensamento “por que eu não engravidei logo?”. E por que essa vontade forte que não sei de onde vem de querer ser mãe? De onde vem isso? Logo eu, tão ocupada. É uma vontade esquisita, vem das vísceras.
Já é difícil lidar com o fim de um relacionamento em qualquer fase da vida, mas aos trinta e pouco, para as mulheres que querem ser mães, há mais esse “agravante” – a cada relacionamento desfeito parece que também foram desfeitos os filhos. Reflito e percebo logo que esse pensamento deve ser mais um boicote da nossa psique. Aí eu lembro que a despeito de toda a psicologia, os óvulos realmente envelhecem e não adianta conversar com eles. Sim, sim, sim, podemos fazer uma inseminação artificial e termos os filhos sozinhas. Sim, eu sei, não precisamos Deles.
Mas independente da forma que se chegue à fecundação, é estranho assumir essa incompletude. É difícil lidar com a vontade de gerar, com a vontade de ser mais de um. É estranho dizer para o seu organismo que você já é várias – nos textos, nos palcos, na arte e na vida; e aí o seu organismo contraria toda a sua fé feminista e diz “não”. “Você pode ser várias, mas é só você”.
É confuso chegar a esse momento da vida – o momento em que o grito da sociedade, empurrando papéis sociais contra os quais você sempre lutou (e venceu!!!) se confunde com a sua própria voz dizendo pra si mesma “tem que ser agora”. Tem? Quem disse? Seu corpo. Ah tá.
É a imposição mais dolorosa, sobretudo para nós – “poderosas e desencantadas”.
Poderosas sim… desencantadas? Nunca!!!!
Quanto espaço tem o vazio?
Quanto cio cabe no espaço?
Quantos frutos de amor cabem no cio?
Quantos vazios cabem nos desencantos e embaraços?
Quanto poder, esta palavra!