Carol Poesia — Aos 30: poderosa e desencantada

(Capa do romance “A mulher de trinta anos”, de Honoré de Balzac)
(Capa do romance “A mulher de trinta anos”, de Honoré de Balzac)

Romper um romance aos trinta não é como romper aos dezoito. Em cada fase da vida ama-se de um jeito, é sabido por todos. Aos dezoito se é mais romântico e todo amor é pra sempre. A finitude se torna um drama, do qual se faz logo refeita.

Aos vinte e pouco, supera-se. Ainda não foi dessa vez. Dói, mas passa. O romantismo é menor e geralmente consegue-se ver com clareza os benefícios de ser s-o-l-t-e-i-r-a.

Aos trinta e pouco é que “o bicho pega”, trata-se de desengano. O buraco é mais embaixo porque o objetivo era acertar. Aliás, havia um objetivo. Além de lidar com toda a decepção e solidão, que já é familiar, tem-se que superar o insuperável: o tempo não vai voltar!

Aos trinta e pouco, geralmente, já se tem aquelas conquistas materiais básicas, o necessário pra se sustentar. Aquela vontade de promiscuidade que ia passar passou, foi saciada já. E os primeiros sinais “da idade” começam a aparentar. É o ponto mais alto da curva no gráfico. Estamos no auge, a um passo de declinar. Estamos? Quem disse? Seu corpo. Ah tá.

Começamos a olhar a vida com mais objetividade e a olhar os homens assim também. Não temos problemas morais em trepar por trepar, mas o que queremos mesmo é ir além. Não temos tanta disposição pra festas, em pé, de madrugada. E preferimos, sem sombra de dúvida, uma boa conversa de bar. Revivemos, saudosas, a “MPB da boa”. E não cultivamos, diga-se de passagem, esperança na MPB que virá.

Temos assunto, somos bonitas… Particularmente, a mulher depois dos trinta é uma delícia! Somos mais resilientes, independentes, sem frescura, nos viramos bem. Conseguimos. Vamos em frente. Só tem um porém…

Esses dias, na casa de uma amiga, ouvi uma frase de que não esqueci. Ao ler nossos textos, a esposa de um radialista amigo disse: Ah! Mas vocês são muito poderosas, muito desencantadas.

Eu achei engraçada essa observação dela… Não sei se ela percebeu, mas ela relacionou poder ao desencanto, ao se referir a nossa “escrita feminina”. Fiquei pensando nisso… Será mesmo que existe essa relação? Será que os desencantos amorosos, atravessados pela cultura machista-opressora-misógina em que vivemos, leva a mulher, de alguma forma, ao poderio que exibimos hoje? Existe essa relação com os relacionamentos fracassados? E que poder é esse de que ela falava? O poder da escrita? O poder da lucidez? O poder de decidir? De querer? De não querer? O poder de foder sem culpa? De assumir os desejos? De ser o que quisermos, na cama que escolhermos, com quem decidirmos fazer? Nossa… Falando assim rs… Pareço poderosa mesmo… rs… Quanto poder há nas palavras… Por isso gosto delas.

Acabo de terminar mais um relacionamento. Aparentemente tinha muito potencial. Aquela dor conhecida de quem se desencantou… Engraçado, mergulhada em desencanto eu não sinto nenhum poder… Sinto o que todo mundo sente, homem, mulher, quando recém-separado – desolação.

desolação

substantivo feminino

  1. destruição arrasadora; ruína, devastação.
  2. estado ou condição de um lugar devastado, transformado em deserto; desertificação, despovoamento.

Aquele vazio de quem amou. Você sabe. Então…

O fato é que acabo de sair de uma relação. E assim como aos dezoito, a dor é infinita; mas diferente dos dezoito, sei o que fazer com ela.

Enxergo as possibilidades em estar s-o-l-t-e-i-r-a, mas diferente dos vinte e pouco, esse vislumbre perdeu o viço.

Tenho trinta e pouco. Sei quem eu sou. E quero ser mãe, esse é “o porém”.

Eis a questão.

Depois dos trinta, a cada relacionamento fracassado, ocupa-nos o seguinte pensamento “por que eu não engravidei logo?”. E por que essa vontade forte que não sei de onde vem de querer ser mãe? De onde vem isso? Logo eu, tão ocupada. É uma vontade esquisita, vem das vísceras.

Já é difícil lidar com o fim de um relacionamento em qualquer fase da vida, mas aos trinta e pouco, para as mulheres que querem ser mães, há mais esse “agravante” – a cada relacionamento desfeito parece que também foram desfeitos os filhos. Reflito e percebo logo que esse pensamento deve ser mais um boicote da nossa psique. Aí eu lembro que a despeito de toda a psicologia, os óvulos realmente envelhecem e não adianta conversar com eles. Sim, sim, sim, podemos fazer uma inseminação artificial e termos os filhos sozinhas. Sim, eu sei, não precisamos Deles.

Mas independente da forma que se chegue à fecundação, é estranho assumir essa incompletude. É difícil lidar com a vontade de gerar, com a vontade de ser mais de um. É estranho dizer para o seu organismo que você já é várias – nos textos, nos palcos, na arte e na vida; e aí o seu organismo contraria toda a sua fé feminista e diz “não”. “Você pode ser várias, mas é só você”.

É confuso chegar a esse momento da vida – o momento em que o grito da sociedade, empurrando papéis sociais contra os quais você sempre lutou (e venceu!!!) se confunde com a sua própria voz dizendo pra si mesma “tem que ser agora”. Tem? Quem disse? Seu corpo. Ah tá.

É a imposição mais dolorosa, sobretudo para nós – “poderosas e desencantadas”.

 

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Este post tem 2 comentários

  1. Dorinha vianna

    Poderosas sim… desencantadas? Nunca!!!!

  2. Ocinei Trindade

    Quanto espaço tem o vazio?
    Quanto cio cabe no espaço?
    Quantos frutos de amor cabem no cio?
    Quantos vazios cabem nos desencantos e embaraços?
    Quanto poder, esta palavra!

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