Guilherme Carvalhal — Quinta-feira

Carvalhal 17-11-16

 

 

“Você vai morrer em uma quinta-feira”, dizia a mensagem dentro do bolinho da sorte.

Janaína comeu no domingo (pensou em reclamar com o ambulante que lhe vendeu, mas não o reencontrou) e ignorou a mensagem. Porém, na quarta-feira à noite se encheu de desespero. Não conseguiu dormir, faltou ao trabalho e passou essa quinta-feira reclusa em casa com medo de ser atropelada ou de um detrito de obra cair na sua cabeça:

— Isso é tudo bobagem. Deixa de ser influenciável — brincou Lívia, ignorando os reais temores da amiga.

Passada a quinta-feira, ela relaxou. Levou a vida normalmente até na quarta-feira seguinte, quando a agonia tomou conta novamente. Encheu-se de remédios para dor de cabeça, enxaqueca, pressão, depressão e desejou não passar pela mesma agonia da semana anterior.

Em vão. Todas as possibilidades de morte surgiram na sua mente. Poderia infartar, ter um AVC, uma crise renal repentina, uma hemorragia fatal, um ataque alérgico. Há relatos de combustão espontânea, quando alguém começava a pegar fogo do nada. Além dos casos exteriores, como homicídio e acidente. Bueiros explodiam, assaltantes matavam suas vítimas, gente bêbada atropelava. Pelo sim, pelo não, ficou em casa. Então o bujão de gás incendiaria ou uma bala perdida atravessaria a janela. Poderia escorregar no banheiro e bater a cabeça ou trocar por engano o tempero da comida por veneno de rato.

Ah, tem o risco de contaminação por salmonela.

Encolheu-se a um canto sem se mexer. Não comeu nada — e se morresse de congestão? — e ficou contando as horas até o dia acabar. Quando passou a meia-noite, levantou aliviada.

Os amigos começaram a se preocupar seriamente. Na primeira semana, levaram na brincadeira. Agora, constatada a gravidade da situação, se mobilizaram para ajudá-la. Fizeram uso da razão, explicando que a mensagem desses bolinhos da sorte não passa de mera brincadeira, não havendo nada oracular nisso. Alguém escreveu uma piada de péssimo gosto e ela caiu. Convenceram-na a ir ao médico para uma bateria de exames e de lá saiu com os resultados: possuía uma saúde de ferro e nos próximos tempos não havia risco de nenhum problema de saúde grave.

Assim, confiante, encarou mais uma quinta-feira. Ao contrário da expectativa, o desespero assumiu o controle. Olhava pelas janelas crente que um bandido entraria e não tomou banho receando uma descarga elétrica vinda da tubulação. Pediu a Lívia para lhe fazer companhia e a amiga saiu do trabalho aturdida para socorrê-la.

Encontrou Janaína pálida ao chão, a pressão baixa, prestes a uma síncope. Respirava com dificuldades e apertou sua mão com força quando a aconchegou entre seus braços:

— Você precisa de ajuda urgentemente.

Com extrema dificuldade e apoio de Lívia, superou mais essa quinta-feira. Procurou assistência médica e Lívia se programou para acompanhá-la nesses dias, conseguindo uma dispensa com seu chefe. E assim, por quatro semanas ela começou a tomar algumas doses de clonazepam e de mãos dadas atravessou dias agoniantes.

No que seria a quinta semana, mais precisamente na quarta-feira à noite, Lívia telefonou dizendo que se atrasaria, pois seu carro quebrou. Janaína se exasperou. Tomou muitos de seus remédios, ligou uma música relaxante e tentou se acalmar. Os minutos passavam e ela se desesperava. Precisava tomar uma atitude extrema para não admitir que aquela mensagem estava correta. Precisa provar a si mesma e ao mundo que não se deixaria vencer por tamanha bobagem.

Abriu a janela e subiu nela, apoiando na sua estrutura de alumínio. Olhou para os oito andares abaixo e contemplou a rua, sentindo o vento frio. Soltou-se e se deixou cair, seu riso satisfeito de vitória ecoando entre os prédios antes de se estabacar no chão. Seu relógio marcava 23h59 quando morreu.

 

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Este post tem 2 comentários

  1. Debora

    Execelente texto!

  2. celio marins

    E assim muitos brincam de suicidar-se entrando em um caminho sem volta.

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