Carol Poesia — Sobre meninos e bonecas

 

 

 

Há um ano conheci uma mulher muito interessante, nós começamos a trabalhar juntas e viramos amigas. Logo eu conheci toda a família – marido, filho e filha adultos. Eu fiquei muito impressionada com a gentileza, educação, cuidado e delicadeza do rapaz. Era notável que tivera uma educação diferenciada. Então perguntei a minha amiga “Como você fez?”, ela me respondeu “Coloquei pra brincar de boneca, repreendi quando queria mandar na irmã, foram as mesmas regras para ele e para ela”.

A filha é espetacular, um luxo! Mas homens sensíveis, seguros e extremamente respeitosos são mais incomuns do que mulheres assim, por isso a minha surpresa com Ele. A partir desse encontro, passei a prestar atenção na relação entre homens educados e a infância que tiveram. É claro que esse interesse não se constitui em nenhuma pesquisa científica, e embora haja muito material teórico que fundamente a associação entre homens respeitadores e meninos que tiveram uma educação menos machista, essa conclusão se torna evidente com uma simples observação cotidiana persistente.

Em outro momento, defendi, na sala dos professores, o benefício de meninos brincarem de boneca, para que no futuro não se tornem machistas e para que não usem a agressividade como resposta, ou seja, para que não usem a agressividade como recurso para a falta de argumento. A reação dos meus colegas foi previsível – risadas e piadas que se resumem ao medo do filho “virar gay”.

Não obstante essa fixação generalizada (e cafona!) com o tema “ser ou não ser gay”, fiquei pensando em por que as pessoas associam menino brincando de boneca à sexualidade e não à paternidade. Quando uma menina brinca de boneca ninguém pensa “olha lá, vai ser hétero”, é apenas uma menina brincando com um bebê de borracha, é apenas uma menina brincando de ser mãe. Por que os meninos não podem brincar de serem pais? Por que isso induziria a algum desejo de ordem sexual? Por que uma menina pode ter panelinhas, utensílios domésticos como brinquedos e o menino não? Por que aos meninos cabem os robôs e carrinhos e dragões e às meninas cabem as princesas?

Para além da paranoia paterna e materna a respeito do desejo sexual que o filho desenvolverá, há um equívoco primário nessas associações. Esse equívoco diz respeito às restrições do que se entende, no senso comum, como universo feminino e universo masculino. Ora! Do que estamos falando afinal? Que senso comum é esse? Hoje, mães se orgulham de filhas engenheiras, chefes de segurança no trabalho e pais se orgulham de filhos chefes de cozinha. Então por que esses mesmos pais insistem em repetir a fórmula “rosa dela X azul dele”?

Os brinquedos e brincadeiras infantis desenvolvem habilidades cognitivas e motoras, assim como podem favorecer a criatividade e a sensibilidade. Os brinquedos de armas e carros podem sugerir movimento, velocidade, ímpeto, coragem, ação. Os brinquedos de bonecas e panelas podem sugerir cuidado, organização, limpeza, responsabilidade.

Sabemos que na vida adulta, seja homem ou mulher, precisamos todos ser guerreiros em algum momento, e vencer batalhas para as quais precisamos de coragem, força, ímpeto, entre outros atributos. Assim como há momentos em que a falta de organização nos impede o avanço, ou a falta de cuidado mina oportunidades, tanto no âmbito pessoal quanto no âmbito profissional.

Com maturidade e um pouquinho de sabedoria, possível àqueles que superam os medos infundados, percebemos os benefícios de força e delicadeza caminharem lado a lado na mesma pessoa. Saber se posicionar com firmeza e ao mesmo tempo com elegância abre muitas portas, até o senso comum reconhece isso.

Então vamos rever as cores do enxoval e repensar essas restrições de brinquedo, brincadeiras e afins. Afinal já está óbvio que o sujeito bacana, o ser humano respeitável e respeitador é aquele que carrega em si tanto o soldadinho de chumbo quanto a bailarina cor de rosa, independente do sexo.

 

 

 

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Este post tem um comentário

  1. Sandra Santos

    Show não tinha pensado nisso antes

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