“Com o objetivo de salvar vidas e com base em análises técnico-científicas, a Fiocruz considera urgente a adoção de medidas rígidas de distanciamento social e de ações de lockdown no estado do Rio de Janeiro (…) Frente ao agravamento do cenário da pandemia, com o gradativo aumento de circulação de pessoas, a não adoção de medidas imediatas de lockdown pode levar a um período prolongado de escassez de leitos e insumos, com sofrimento e morte para milhares de cidadãos e famílias do estado do Rio de Janeiro”. O alerta foi soado na quarta (06) pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), sediada no Rio e considerada uma das principais instituições do mundo em pesquisa de saúde pública. Lockdown é uma expressão inglesa que significa “fechamento total”. E foi adotado em vários países para conter as mortes pela pandemia da Covid-19. Temeroso pelo desgaste político da medida, na queda de braço com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o governador Wilson Witzel (PSC) descartou inicialmente o lockdown. E nas 24 horas seguintes, de quinta (07) para sexta (08), o estado do Rio passou pela primeira vez São Paulo no número de mortes oficiais pela Covid-19: 189 contra 161. Resultado? Witzel enviou ainda na sexta (confira aqui) um ofício ao Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ), com sua proposta de lockdown para todo o estado. Também na tarde de sexta, a UFRJ enviou ao MPRJ a mesma recomendação: lockdown no estado do Rio.
Enquanto isso, nos primeiros dias de maio no Norte e Noroeste Fluminense, a Defensoria Pública teve que recorrer (confira aqui) a ações coletivas na Justiça para tentar obrigar os governos de Itaperuna, São Fidélis, Italva, Cardoso Moreira, Itaocara, Porciúncula, Cardoso Moreira e Varre-Sai a fechar seus comércios, no lugar de abrirem covas. Considerando o estudo da Fiocruz, na madrugada de sexta a promotora de Justiça Maristela Naurath, do MPRJ, recomendou aos prefeitos de Campos, São João da Barra, São Fidélis e São Francisco de Itabapoana “que elaborem estudo técnico devidamente embasado em evidências científicas e em análises sobre as informações estratégicas em saúde, vigilância sanitária, mobilidade urbana, segurança pública e assistência social a justificar a tomada de decisão sobre a adoção ou não do lockdown, como medida extrema do distanciamento social (…) contra a disseminação do novo coronavírus, com a suspensão expressa de todas as atividades não essenciais à manutenção da vida e da saúde”.
Com sete mortes confirmadas pelo novo coronavírus, outras seis investigadas, 152 casos confirmados e 451 suspeitos, Campos tinha até a manhã de sexta a ocupação de 68% dos seus leitos da rede pública e contratualizada, sendo 82% de ocupação em UTIs e 63% de leitos clínicos. Já na rede particular, a ocupação dos hospitais Dr. Beda, Unimed e Pronto Cardio, segundo estes informaram à secretaria municipal de Saúde, a ocupação seria de 76% dos leitos, entre UTI e Clínica Médica. Sobre a necessidade da adoção de lockdown alertada pela Fiocruz, o gabinete de crise do município respondeu que vai esperar decisão do governo estadual. A quem também cobrou a instalação do Hospital de Campanha, na área da antiga Vasa, investigado em denúncia de superfaturamento (confira aqui) e com prazo de entrega adiado (confira aqui) para a 2ª quinzena deste mês:
— O estudo evidencia o que já vínhamos detectando em virtude de tudo que temos acompanhado em relação à evolução da pandemia da Covid-19. De fato, infelizmente, os números vêm aumentando nas últimas duas semanas, com diminuição do isolamento social. Isso exige reavaliação constante das medidas adotadas. Em Campos, há mais de um mês tomamos medidas para garantir o isolamento social e fomos pioneiros, implantando, em tempo recorde, o Centro de Controle e Combate ao Coronavírus (CCC), o que garantiu que nosso sistema de saúde não entrasse em colapso. Hoje, estamos com alta ocupação de nossos leitos de UTI, o que é bastante preocupante, e a rede privada apresenta índices de ocupação ainda maiores, o que assevera nossa preocupação. Conforme nossa Vigilância em Saúde alerta, estamos a uma semana da cidade do Rio em termos de ápice da pandemia, o que nos permite planejar de maneira mais eficaz nossas ações e projetos. Por esta razão, neste momento, iremos manter as medidas que já tomamos e que aguardaremos as determinações do Governo do Estado, até porque é o Estado que regula os leitos de UTI, uma vez que somos município polo em saúde e, mais ainda, pelo fato de que ainda não podemos contar com o Hospital de Campanha, que é essencial para o combate a pandemia, especialmente na questão de absorção da demanda de outros municípios da região e que são atendidos em Campos.
Por sua vez, São João da Barra tinha, até o início de tarde de sexta, 1 óbito confirmado por Covid-19, 24 casos confirmados e 12 suspeitos. Sobre o estudo da Fiocruz, a prefeita Carla Machado (PP) respondeu, por sua assessoria, que também espera a posição oficial de Witzel sobre a decisão do lockdown:
— Toda forma de evitar o aumento do contágio é válida. Em relação ao lockdown, conforme apontado no relatório da Fiocruz, se o número de casos em São João da Barra chegar ao patamar que seja necessário implantá-lo, o que ainda não acontece, estaremos prontos a aderir às orientações do Estado.
Campos e São João da Barra fecharam em decretos municipais os seus comércios. São Fidélis, com 4 óbitos por Covid-19, 89 casos confirmados e 11 suspeitos; e São Francisco, com 1 óbito pela doença, 15 casos confirmados e 13 suspeitos; nem isso fizeram. Se a dúvida existe entre os poderes públicos estadual e municipais fluminenses, entre os especialistas, a necessidade de lockdown apontada pela Fiocruz é uma certeza:
— Essa demora trará consequências severas nas próximas semanas. Vivemos em um país com algumas peculiaridades e que a implantação de lockdown deverá ser acompanhada de um suporte social e econômico aos mais carentes. Não é fácil. Um grande desafio. Concordo que a subnotificação é muito grande. Considerando que o R0 (taxa básica de reprodução do vírus) é de 1 a 4, talvez mais, e que 80% não apresenta manifestação típica ou formas leves, a diferença entre notificados e pessoas infectadas é bem grande. Acredito que essa desproporção é enorme — ressaltou o médico infectologista Nélio Artiles.
— O lockdown é a única solução para evitar uma Manaus no Rio de Janeiro. Falhamos até agora em “achatar a curva”. Tenho bons amigos em Manaus e eles não aguentam mais fazer declaração de óbito em domicílio. O que vemos pela imprensa de lá é só a ponta do iceberg. A aceleração da curva de casos, mesmo com a brutal subnotificação, leva a condutas mais bruscas. O grande problema é a falta de assistência para casos moderados e graves. O aumento de óbitos quando comparado com o mesmo período dos últimos anos está relacionado à Sars-Cov2 — explicou o médico infectologista Rodrigo Carneiro.
Com Mário Sérgio de Souza
De nada adianta as medidas extremas se não fecharem os bancos, que a meu ver, hoje é o maior vetor de contaminação na cidade de Campos. Está um verdadeiro absurdo. As pessoas têm que limpar as contas. Pq não é possível, desde o início da pandemia as pessoas terem algo a fazer no banco todo dia.