Felipe Fernandes — “Imaculada” desperdiça oportunidades

 

 

Felipe Fernandes, cineasta publicitário e crítico de cinema

Milagre, submissão e violência

Por Felipe Fernandes

 

Quanto tinha apenas 16 anos, a atriz Sydney Sweeney fez um teste para um papel em um filme que se passava em um misterioso convento, mas o filme não saiu do papel. Vários anos se passaram e a agora nova queridinha de Hollywood montou uma produtora e resolveu dar vida ao projeto que nunca saiu de sua cabeça.

“Imaculada” é o longa de estreia do roteirista Andrew Lobel e o segundo longa da parceria entre Sweeney e o diretor Michael Mohan (eles trabalharam juntos em “Observadores”, de 2021) e narra a história de uma jovem freira recém chegada a um convento remoto no interior da Itália, que funciona como uma espécie de retiro para freiras idosas e doentes, que são cuidadas pelas mais novas. Algumas coisas estranhas começam a acontecer, até que a protagonista Cecília descobre estar grávida. Uma situação impossível, que é tratada por todos como um verdadeiro milagre.

A primeira cena traz uma freira tentando sair do convento, mas acaba sendo atacada por um grupo de pessoas misteriosas, cobertas com uma roupa que indica que fazem parte de uma espécie de culto. Essa cena já estabelece três elementos da narrativa. Que de fato existe algo sinistro e muito perigoso naquele lugar, que o filme é um terror que vai apostar em conteúdo violento e que os efeitos especiais vão deixar a desejar.

O longa parece uma mistura de “O bebê de Rosemary” com “Suspiria”, dois longas que trabalham essa ideia da jovem chegando a um novo local, precisando lidar com as diferenças enquanto tenta se encaixar a sua nova realidade. O roteiro de Lobel carece de um certo refinamento, essa cena de abertura exemplifica bem como ao entregar de cara que algo está terrivelmente errado, o longa perde a oportunidade de trabalhar qualquer tipo de dúvida em relação a protagonista com sua nova realidade.

O filme aposta no susto barato e nos piores clichês do gênero (ninguém aguenta mais cenas de pesadelo e de pássaros se chocando aleatoriamente contra um vidro), funcionando melhor quando busca o choque, trabalhando o terror de forma mais direta. Tematicamente o longa tem temas muito atuais e interessantes, que poderiam agregar discussões religiosas e morais pertinentes sobre dogmatismo religioso, corpo feminino e aborto, temas que ficam apenas na superfície.

As implicações da gravidez e as regalias que ela passa a ter no convento, poderiam gerar uma relação de poder dela não só com as outras freiras, mas com os cardeais da igreja, uma outra ideia que é muito pouco explorada, mas traz duas das melhores cenas do longa.. As mudanças na personagem acontecem até de uma forma satisfatória. Sua mudança de mulher submissa, para um postura agressiva de sobrevivente, funciona muito devido a entrega de Sweeney, que interpreta Cecília em uma intensidade crescente.

O filme parece ter sido construído a partir de sua reviravolta e de sua cena final, o que não é necessariamente um problema, mas faz com que a narrativa flua de forma mais artificial, pois precisa se encaixar no desfecho. A cena final tem potencial para gerar muita polêmica, mas parece que o corajoso desfecho não atingiu o efeito esperado, já que as redes sociais não vêm debatendo todas as complexas questões envolvendo o clímax do longa.

“Imaculada” é um longa que poderia crescer bastante como um suspense focado em debater suas temáticas de forma direta e corajosa, trabalhando seus simbolismos em contraste com os dogmas da igreja, mas acaba seguindo pelo caminho mais básico do cinema de terror. Passa longe de ser um desastre, mas é um filme sem identidade, que parece misturar suas maiores referências na construção de uma narrativa que não assusta, nem se aprofunda em suas problemáticas. Busca uma catarse em uma impactante cena final que comprova seu potencial desperdiçado.

 

Publicado hoje na Folha da Manhã.

 

Confira o trailer do filme:

 

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