Morte pichada na UFF-Campos
“Morte aos transfóbicos” e “Fogo nos racistas” foram algumas das frases pichadas (confira aqui) no novo prédio da UFF em Campos, na quinta (15), em meio a várias outras pichações. A não ser a quem prega pena de morte a acusados de preconceito, com o requinte da crueldade da fogueira da Inquisição, o dano ao patrimônio público causou indignação.
Autoria assumida
Nas redes sociais, o Movimento para uma Universidade Popular (MUP) em Campos creditou (confira aqui) o resultado a uma “Oficina de Pixo” na quinta (15): “A atividade teve como intuito apresentar o pixo enquanto fenômeno estético/artístico (…) uma manifestação artística de origem popular e periférica que ao mesmo tempo é demonizada”.
Tipificado no Código Penal
Ou seja, em nome de uma manifestação “demonizada”, não só se demonizou, mas se pregou a morte de qualquer um que seja considerado transfóbico ou racista. Preconceitos que, de fato, existem e devem ser combatidos. Como a depredação de patrimônio público e a apologia ao assassinato, tipificadas, respectivamente, nos Arts. 163 e 287 do Código Penal Brasileiro.
Ex-diretor cobra responsabilização
Ex-diretor da UFF-Campos, o professor Roberto Rosendo foi o primeiro a se posicionar pela universidade. Ele disse à reportagem da Folha: “Certamente não foi com a permissão da UFF. Esperamos que a direção apure os fatos e, dentro das regras instituídas, responsabilize os que cometeram estes atos deploráveis”.
Após Rosendo, nota da UFF-Campos
Após Rosendo, a direção da UFF-Campos também se manifestou (confira aqui) em nota: “Na noite do dia 15, foi realizado, nas dependências do novo campus da UFF Campos, um evento intitulado ‘Oficina de Pixo’, promovido por um grupo de estudantes sem o conhecimento ou a autorização da direção”.
“Perplexidade e indignação”
“Parte dos participantes realizou pichações em diversas áreas do campus, causando perplexidade e indignação em nossa comunidade. A direção não compactua com tais práticas e reforça que o espaço público universitário é fruto de intensas lutas coletivas e do investimento da sociedade, devendo ser preservado por todos”, seguiu a nota da UFF-Campos.
“Medidas administrativas cabíveis”
Por fim, a nota da direção da UFF-Campos garantiu que tomará “as medidas administrativas cabíveis diante do ocorrido e reiteramos nosso compromisso com o diálogo, a liberdade de expressão e a convivência democrática. Contudo, tais princípios não podem ser confundidos com ações que atentem contra o patrimônio público e o bem comum”.
Constatações óbvias
À nota da UFF-Campos, algumas constatações óbvias. Como um ato de pichação pode ocorrer na universidade “sem conhecimento ou autorização da direção”? E, sim, “o espaço público universitário é fruto de intensas lutas coletivas e do investimento da sociedade”. Não é o quintal da casa de Torquemadas identitários e apologistas de homicídio.
Sindicância e encaminhamento à PF
Por fim, até para que não ocorra de novo, urge que sejam realmente tomadas “as medidas administrativas cabíveis”. Com sindicância interna, apuração de responsabilidades e encaminhamento para abertura de inquérito pela Polícia Federal (PF) e eventual oferta de denúncia pelo Ministério Público Federal (MPF), já que o bem público depredado é federal.
Para “mulher negra da periferia” limpar
Há ainda o fato de que a indignação não se restringiu à comunidade acadêmica da UFF-Campos. Sociólogo e professor da Uenf, Roberto Dutra observou sobre o caso: “Os ‘revolucionários’ fazem o vandalismo e depois a ‘mulher negra da periferia’, com quem dizem se importar, é quem vai limpar a sujeira”.
Cumplicidade ou providências?
Dutra foi além na cobrança de responsabilidades: “A Uenf é considerada ‘conservadora’ por muitos destes vândalos. O pior é que os gestores, cedendo a pressões desses ‘artistas’, costumam ser cúmplices. Eu tinha esperança que o novo prédio pudesse civilizar esse pessoal. Duvido muito que a atual direção tome providências. Quero estar errado”.
De oprimidos a opressores
“Os extremos nunca são lugares para se exercer a cidadania. Roberto Dutra está correto: a consequência é alguém limpando isso. Não educou ninguém, só deu mais trabalho e atendeu ao anseio de quem fez. Recordando Paulo Freire: ‘Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor’”, lembrou Henrique da Hora, professor do IFF.
“Omissão inadmissível”
“A responsabilidade maior é da instituição, que deve explicações sobre a preservação do próprio patrimônio. Jovens são jovens. Esperar autocontenção de pessoas nessa idade não é prudente. A instituição não ter mecanismos para monitorar ou coibir esse tipo de prática é uma omissão inadmissível”, cobrou Igor Franco, professor do Uniflu.
Política interna
Bastidores da UFF-Campos dão conta de que a depredação do prédio foi também motivada por política interna. A atual diretora, professora Ana Costa, não se candidatará este ano à reeleição ao cargo. Que tem como único candidato o professor Cláudio Reis. Ele seria considerado “conservador” pela extrema esquerda, que teria feito a pichação em protesto.
Por que não basta apagar?
Uma reunião entre os pichadores e a diretoria da UFF-Campos teria ocorrido ontem. Quando os primeiros teriam admitido o erro e se comprometido a apagar a pichação que promoveram no novo prédio público. É até louvável. Mas não basta. Como não poderia bastar aos bolsonaristas que vandalizaram prédios públicos em Brasília no 8 de janeiro de 2023.
Quando a estupidez bate recorde
Na bipolaridade política que idiotiza o país, os pichadores bateram um recorde. Conseguiram ser ainda mais estúpidos que os manifestantes de extrema direita que protestaram contra Lula, quando este veio a Campos em 14 de abril (confira aqui) para inaugurar o prédio da UFF. Que foi fruto de uma luta de 18 anos do conjunto da sociedade goitacá, não de meia dúzia de aloprados.
Publicado hoje na Folha da Manhã.