Veto de Lula ao semiárido e a R$ 22 milhões para a região
Semiárido — Região merece política regional
Por Alcimar das Chagas e William Passos
Seja no recorte geográfico mais antigo, fundado pela criação de gado e pelas lavouras de cana e café, a que damos hoje o nome de Norte e Noroeste Fluminense, seja pela territorialidade mais recente, desenhada pela produção do petróleo e do gás natural da Bacia de Campos, pela sua desvantagem competitiva em face a outras regiões do estado e Brasil, a Região merece uma política regional, mas com debate público qualificado e bem informado e com governança apoiada na ciência, refletindo a magnitude de seu polo universitário e iffetersitário. Explicaremos melhor.
Este artigo está sendo escrito como contribuição ao debate regional no contexto do veto presidencial ao (confira aqui e aqui) Projeto de Lei (PL) n° 1440/2019, do à época deputado federal e hoje prefeito de Campos Wladimir Garotinho. O PL em questão reconhece os 22 municípios do Norte e Noroeste Fluminense como área de clima semiárido. Que ampliaria o acesso de seus agricultores familiares ao crédito agrícola, ao seguro agrícola e ao garantia-safra, um benefício temporário, atualmente no valor de R$ 1.200 e pago às famílias com renda bruta familiar mensal de até 1,5 salário-mínimo, em caso de perda agrícola comprovada decorrente de seca ou excesso de chuvas. A reclassificação para o clima semiárido é assinada pelo Professor Dr. José Carlos Mendonça, do Laboratório de Meteorologia (Lamet) da Uenf. Destaca-se, com isso, o papel da universidade e o impacto da Uenf na articulação política que reacendeu o debate regional.
O PL em questão ainda cria o Fundo de Desenvolvimento Econômico do Norte e do Noroeste Fluminense, uma importante e interessante iniciativa que poderia beneficiar a indústria local com crédito mais barato. Além de abrir uma frente adicional de financiamento da infraestrutura, numa Região que demanda modernização e atração de novos investimentos, visando o pós-petróleo e o pós-royalties.
A estimativa da Firjan, caso o PL fosse aprovado, é de um impacto de R$ 22 milhões nas duas mesorregiões, além da elevação do PIB per capita e da melhoria de seus principais indicadores econômicos e sociais. A exemplo do IFDM, que, assim como o salário médio de admissão no mercado de trabalho formal, de acordo com o Caged, do Ministério do Trabalho e Emprego, situa-se abaixo da média estadual.
A este respeito, cabe acrescentar: nos 15 municípios da Região da Bacia de Campos, isto é, na Região do Petróleo, somente Macaé (R$ 2.792) apresenta salário médio de admissão superior à média nacional (R$ 2.266) e estadual (R$ 2.272), considerando o segundo trimestre de 2025. Na Agropecuária, o município de Campos, do qual se originaram, no passado, os atuais 21 municípios do Norte e do Noroeste Fluminense, registrou salário médio de admissão de R$ 1.635, isto é, levemente acima dos R$ 1.518 do salário-mínimo nacional de 2025.
Também a título de comparação, o salário médio de admissão na Agropecuária brasileira foi de R$ 2.029 no trimestre de abril a junho de 2025, contra R$ 1.630 no Norte e Noroeste Fluminense somados. Pernambuco, um estado historicamente associado à cana-de-açúcar e atualmente integrante da Sudene, formalizou contratos no campo pagando, em média, R$ 1.634 aos novos contratados, enquanto São Paulo remunerou seus trabalhadores do campo com a média R$ 2.055. Em síntese: pelo viés da Agropecuária, considerando as desvantagens de competitividade e produtividade, Norte e Noroeste Fluminense merecem sim, de fato e realmente, uma política regional.
O problema, no entanto, é a cisão ideológica do apoio ao PL n° 1440/2019, cujos atravessamentos partidários converteram o debate regional em pró-veto x anti-veto, pró-Lula x anti-Lula, esquerda x direita, pró-usineiros x anti-usineiros ou ainda pró-desenvovimento x anti-desenvolvimento. Diante disso, chama-se a atenção para o fato de que estamos perante um problema real que, para ser solucionado, depende fundamentalmente do conhecimento científico integrado à empiria e à sensibilidade e vontade política das lideranças governamentais e não governamentais, a fim de que seja possível chegar a um consenso e a um desenho exitoso para a causa.
Importante destacar e recordar que a economia e o território regional enfrentam problemas e desafios como uma estrutura baseada em pequenas propriedades, no caso da Agropecuária, com uma escala de produção diminuta, além da baixa produtividade das lavouras e das dificuldades financeiras, tecnológicas e gerenciais, que, para serem solucionadas, exigiriam o planejamento de uma governança envolvendo governo federal, estadual e municipal, universidades, centros de pesquisa, agentes produtivos e instituições não governamentais.
Por considerar que a saída não se dá unicamente pela via institucionalista, defende-se a importância e o impacto da atuação de lideranças regionais, que podem articular os diferentes atores que precisam ser mobilizados. Ao mesmo tempo, não se pode deixar de destacar o importante papel desempenhado pela imprensa, incluindo o Grupo Folha de Comunicação, que provoca, mobiliza e dinamiza o debate regional, contribuindo para que, diferentemente de outras regiões do Estado do Rio de Janeiro, Norte e Noroeste Fluminense tenham uma discussão regional mais qualificada e sofisticada, baseada numa reflexão intelectual que não se fecha aos restritos e elitizados círculos acadêmicos, mas se abre a toda a sociedade, através do rádio, jornal, TV, site, redes sociais e outros meios de comunicação.
Para finalizar, mas sem entrar no mérito da justificativa da Presidência da República para o veto do PL n° 1440/2019, pontua-se que o desenvolvimento do Norte e do Noroeste Fluminense não contrariam o interesse público, nem regional nem nacional; que o conhecimento científico não deve estar ausente das articulações políticas, especialmente diante de um tema tão sério e com este grau de relevância; e que é necessário entender sim o que levou o território regional a caminhar para a condição de clima semiárido, ao menos do ponto de vista do comportamento da precipitação atmosférica, que configura um componente de fundamental importância para a viabilidade das práticas agropecuárias. Mas que isso passa por uma investigação mais aprofundada sobre as práticas rurais adotadas ao longo do tempo.
Poderiam ser também lançadas outras perguntas, mas opta-se por duas: 1) como os atores produtivos conduziram suas atividades, considerando o necessário equilíbrio entre recursos hídricos e áreas de mata? E 2) como se comportou o Poder Público no processo de uso desses recursos, que não podem permanecer abandonados, já que são a base da geração de riqueza interna?
Publicado hoje na Folha da Manhã.