Lucas Rodrigues Barbosa — “O Agente Secreto”

 

 

Lucas Rodrigues Barbosa, crítico de cinema e graduando em Letras no IFF

The Secret Agent

Por Lucas Rodrigues Barbosa

 

Acabou que “O Agente Secreto” se tornou meu filme favorito do Kleber Mendonça Filho (KMF). Fica evidente como suas influências vastas em diversos tipos de cinema se misturam em uma coisa muito original, e que ainda consegue brincar com noções de cinema de gênero (como ele já havia feito em “Bacurau”) de uma forma bem diferente do convencional. Ao mesmo tempo em que remete a muitas coisas, nunca soa derivativo, mas sim como homenagens ao cinema, incluindo enquanto espaço físico, mas principalmente enquanto memória.

A memória é o principal foco de interesse do KMF. A memória é fundamental, mas ao mesmo tempo anticlimática e sem glamour se dentro da realidade. Por isso, o final do filme, que pode gerar sentimentos conflitantes, faz total sentido com a proposta narrativa, temática e formal do longa.

Não se trata de uma tentativa de heroificar uma figura, mas de levantar uma preocupação sobre a manutenção dessa memória. Ele faz isso brincando com a estruturação que nos lembra que estamos assistindo a um filme. Essa constante quebra, que só funciona pela ambientação criada, funciona como um jogo com nossas sensações e sentimentos, tanto em relação a memória quanto em relação a filmes.

Diferente de “Ainda estou aqui”, cujo problema principal era justamente essa quebra temporal que me retirou da imersão ao fim da narrativa, em “O Agente Secreto” essa quebra é proposital. Cria esse questionamento de como lidamos com nosso investimento emocional em filmes e em memórias, mas, principalmente, na junção de ambas as coisas, ou seja, em narrativas.

Toda a trama da perna, ou o constante retorno para os jornais e na investigação as garotas do tempo presente, acabam por fazer essa junção da realidade com a verdade fílmica. Trabalha ativamente para construção de uma narrativa palpável, mas que mesmo assim gera estranhamentos, ou melhor, desconfortos propositais.

Esses desconfortos operam nas arestas, onde a realidade fílmica se constrói, como, por exemplo, no jogo de câmera/olhares que constrói toda a tensão da cena inicial. A tensão se faz no não-dito. Sendo assim, essas sensações, mesmo que fictícias, são reais no espectador.

Acaba por ser um jogo muito bem construído de representação gerada pela memória física (as fitas de áudio) com a memória inventada, mítica, que não temos acesso. Assim, a quebra final tira todo glamour que poderia ser dado ao protagonista, produzindo a sensação de frustração que tem ecos na realidade.

Outro ponto que remete a uma preocupação com o real está no retrato da ditadura militar. Forças estatais reprimindo e caçando pessoas, mas sem ignorar que essas forças estatais agiam em serviço dos interesses privados. Interesses privados que agiam contra a pesquisa em universidades públicas, contra a produção de conhecimento fora do eixo Rio de Janeiro/São Paulo.

A trama da perna sintetiza tudo dito ao longo do texto. Uma perna, que muito provavelmente era de uma vítima da ditadura, encontrada dentro de um tubarão. O não-dito é ficcionalizado, mitificado em histórias sobre uma perna assassina, mas, retirado o glamour, é só uma perna, cuja presença e significação geram inquietação que se traduz no folclore, na tensão do ar. Mas, no fim, é só uma perna sem corpo. Uma perna sem memória.

 

Confira abaixo o trailer do filme:

 

Publicado originalmente aqui.

 

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