O saudoso jornalista Paulo Francis (1930/1997) certa vez classificou Cesar Maia de “o burro instruído”. Homem de grande erudição, Francis tinha um certo desdém pelo técnico sem grande estofo cultural, que enxergava no ex-prefeito carioca. E olhe que, tanto em termos de excelência técnica, quanto culturais, Maia está anos luz além de muito perfil semelhante de burrice instruída desta terra de planície. Isso sem falar, para completar a distante analogia Rio/Campos, em número votos enquanto político e no poder da atuação como blogueiro.
Pois foi nesta última função, a de blogueiro (ou melhor, de ex-blogueiro) que o ex-menino prodígio do ex-governador Leonel Brizola (1922/2004), ofereceu hoje (cadastre-se aqui) uma elucidativa visão, dividida em 12 pontos, sobre a política de Segurança Pública do Estado do Rio, cujos reflexos são sentidos tanto na guerra civil da capital, quanto nas residências regularmente invadidas por bandidos em Campos. Vamos a ela:
POR QUE A POLÍTICA DE SEGURANÇA DO BELTRAME FRACASSOU! 1. A avaliação das políticas públicas deve ser feita sem fixação nos personagens, a menos que estes, por razões de comportamento ou técnica, os desqualifiquem preliminarmente. Não é esse o caso de Beltrame, até porque, a autonomia conseguida na nomeação de comandantes de BPM e delegados nas DP é uma prova disso. 2. Beltrame é delegado da Polícia Federal e veio da área de “inteligência policial (IP)”. A IP é o inverso da “investigação/inquérito (II)”. Explicando. A II é um processo que começa com um fato conhecido, um roubo, homicídio, estupro, etc. A partir deste fato, se realiza os levantamentos de local, de atores e se investiga em inquérito aberto. A IP atua sobre o “fato negado”, ou seja, sobre um fato não “localizado”. Nesse caso, a investigação procura encontrar os fatos e seus atores e envolvimento. 3. Exemplo: a derrubada do helicóptero abre uma II sobre arma usada, local atingido, autores e circunstâncias. Mas se a polícia quer saber quem são os fornecedores das armas, a ação é de IP. O elemento básico na IP é a infiltração. Não é o único. Varreduras, grampos, etc; são outros. Mas é a infiltração que permite maximizar a eficácia da IP. A informação é o vetor da investigação. A contra-informação é o vetor da IP. 4. Beltrame aplicou no Rio os conceitos de IP. Fixou-se na identificação de paióis (guarda de armas dos traficantes), depósitos de drogas e eliminação dos traficantes. Mas o varejo de cocaína em comunidades há muito não usa depósitos, sendo a guarda da arma, individual, por ocultamento, desde enterrar em plástico, como faziam os angolanos na Maré, até usar casas em rodízio. A busca de paióis é infrutífera e a quantidade de armas pesadas apreendidas tem sido sempre apenas proporcional aos presos e eliminados (armas apreendidas 12 mil/ano, prisões+autos de resistência 15 mil/ano). 5. Da mesma forma, os depósitos de cocaína. O narcovarejo não opera com estoque. A droga entra e sai. O tempo que fica em áreas básicas (atacado do varejo), como Maré e Rocinha, é o menor possível. Outro dia, Beltrame disse que havia encontrado um laboratório de refino na Rocinha. Impossível. O que ele encontrou foi uma área de “endolação”, ou seja, de batismo da cocaína com outro material branco para enganar o consumidor, e envelopamento. Nas comunidades menores a cocaína já chega envelopada. 6. Uma questão central é que o narcovarejo em favelas não admite infiltração. Usam dedos-duros ou X-9s, cuja informação é de baixa qualidade para IP. O resultado nestes 2 anos e 10 meses foi medíocre. Há muito tempo que não se assiste a incineração de cocaína, e o volume de armas pesadas apreendidas é insignificante pelo volume existente. Além disso, nos dois casos, a oferta é elástica, e no máximo afeta-se conjunturalmente o preço e não o volume. 7. A eliminação dos traficantes (3% dos traficantes), inevitável na maioria das vezes, não afeta o quantitativo do tráfico. A substituição é automática e, em geral, os menos experientes que entram, são mais violentos. Aplicar no varejo, em favelas (armas, drogas e delinquentes), a estratégia e métodos que são aplicados no atacado internacional pela PF, DEA, FBI, não poderia ter resultado outra coisa: a política de segurança pública do atual governo fracassou. 8. Tem razão Beltrame, e levou muito tempo para chegar a esta conclusão, que não haverá sucesso sem uma integração operacional com a esfera federal e sob a hegemonia dessa, num crime sem fronteiras. Esfera federal, leia-se cocaína e armas, polícia federal e exército. 9. Talvez o equívoco maior tenha sido um certo desprezo do secretário pelos “crimes de rua”, assaltos a pedestres, roubos e furtos, que ficaram entregues ao esforço dos BPMs sem a prática de usar as informações georeferenciadas do ISP e sem articulação com as DPs, de forma a identificar a dinâmica das manchas do crime e atuar preventivamente. 10. São 300 mil roubos e furtos -registrados- por ano. São 75 mil lesões corporais dolosas -registradas- por ano. São 65 mil ameaças -registradas- por ano. No total -registrados- são 440 mil ocorrências, que apavoram a população. Registrados…, já que as ocorrências não registradas estima-se pelo menos numa mesma quantidade, dobrando o número. A atenção para o patrulhamento deveria ter igual prioridade que o narcovarejo e os 6 mil homicídios dolosos que ocupam as estatísticas publicadas. 11. Sempre é hora de começar de novo. Se os JJOO-2016 servem como horizonte, não há porque não se rever e redefinir a política de segurança pública, que de qualquer forma, terá que ter o fator humano -treinamento, remuneração, qualificação- como fator central. E o personagem pode até ser o mesmo, se tiver humildade para começar de novo. 12. Não se cita o governador, pois a SSP é autônoma e ele pouco é informado e por isso sempre repete a ladainha: “não abro mão da política de confronto”, como se o confronto fosse uma política. |