Eventos em Campos sobre o centenário de Wilson Baptista
26/04 – Desfile do Bloco Psicodélicos, no Campos Folia, com o enredo Dos lampiões de Campos, à boemia carioca, em homenagem a Wilson Baptista
27/04 – Desfile do Bloco “Rapaz Folgado”
INFORMAÇÕES: https://www.facebook.com/events/167572930058155/ Panorama completo sobre o evento, com links e postagens sobre os preparativos, o desfile e a repercussão do bloco.
22/06 – O samba carioca de Wilson Baptista, com Rodrigo Alzuguir e Claudia Ventura, no Trianon (ESPETÁCULO CANCELADO)
03/07 – Seria o início da exposição sobre Wilson Baptista no Museu de Campos.
19/08 – Entrevista com Rodrigo Alzuguir e Claudia Ventura, atores do musical O samba carioca de Wilson Baptista, em No ritmo da folia, programa de Marcelo Sampaio na TV Litoral
O QUE ESTÁ POR VIR
Na reunião de Patrícia Cordeiro com os artistas do Nelson Censurado, quando Simone Pedro perguntou à presidente da FCJOL se a Prefeitura não homenagearia Wilson Baptista neste ano, teve como resposta que haveria:
o show de Lene Moraes (“Eu sou assim…”: já ocorrido; ver acima);
uma apresentação do Centro Cultura Musical de Campos, da qual Simone participaria
um evento organizado por Luciano de Paula, da Superintendência da Igualdade Racial, que contaria com Marcos Rodrigues, o ator que interpretou Wilson Baptista na gincana Conversa Literal Papo Reto, na homenagem ao compositor no Dona Baronesa e no show “Eu sou assim…”
Sobre as águas do nosso tempo
Nada prova mais que o tempo realmente passa por nós do que quando, sem nenhum aviso prévio, ele já não passa mais para quem o dividiu conosco. Sobretudo, se esta comunhão se deu em momentos aprazíveis, de confraternização descompromissada, daquelas embutidas na memória e que, como só sabe quem caminhou à beira do seu próprio tempo, são tudo que conta quando nossa hora finalmente chega.
Sendo ele e eu filhos de dois grandes amigos, cujos tempos de vida excedemos, conhecia André Coutinho há muitos anos. Foi, contudo, através da fraternidade construída na juventude com um dos seus irmãos, Maurício, e já em idade madura com outro deles, Gel, que nossa convivência se avizinhou. No correr dos anos, meu filho, Ícaro, ainda se tornaria amigo de João Marcelo, filho de Marcelo, outro irmão de André, no entrecruzamento natural em que a amizade parecia destinada a ficar presa às malhas de uma mesma rede.
Introspectivo no primeiro contato, André talvez fosse o mais afável dos cinco filhos de Geraldo e Audrey, numa prole unida, liderada por Tina. Se era reservado de início, tratava-se de biombo tão facilmente removível quanto a franja que vivia a ajeitar com a mão, quando o topete invariavelmente lhe escorregava à fronte, enquanto se permitia aprofundar amistoso em qualquer conversa, com qualquer um.
Responsável pelo apelido de “Professor Pardal” dado pelos irmãos, outra característica pessoal de André era sua vocação às invenções, particularmente às náuticas, responsáveis por outra alcunha conferida em família: “Comodoro”. Numa balsa que ele mesmo projetou e construiu, há alguns anos, tive talvez o dia mais agradável dos que passei na usina Paraíso, propriedade da família. Saindo de um canal próximo, navegamos, bebemos, jogamos conversa fora, fizemos escambo de cachaça por tilápia, entre cascos de madeira e fibra de vidro, com os pescadores em suas canoas, fritando o peixe fresco na cozinha que André concebeu em sua criação sobre as águas, naquela tarde achada dentro da Lagoa do Jacaré.
Por sorte, a cachaça não foi toda mercadejada em pescado, pois no caminho de volta a balsa acabou agarrada, já com a noite caída, na vegetação do canal. Enquanto esperávamos um trator da usina chegar para rebocar a embarcação e romper à força do diesel o enlace das plantas, a anestesia do destilado de cana foi minha única defesa contra as esquadrilhas ruidosas de mosquitos investindo em ondas cegas da escuridão. Além de aliviar o tormento da caça alada por sangue, não deixava de reconfortar a ideia efêmera de vingança, formulada entre goles queimando a garganta, por deixar aqueles algozes também embriagados pelo que bebiam das minhas veias.
Depois dali, sempre que nos encontrávamos, lembrávamos entre risos e brincadeiras da aventura, combinando reeditá-la numa nova embarcação que o Comodoro tinha projetado e estava construindo a partir da experiência da primeira. Mas não tivemos tempo de levar a ideia a cabo. Ontem, em caminhos de asfalto mais duros que os das águas, André foi um dos tantos cujo tempo a BR 101 não deixou mais passar. Tinha ao lado sua esposa, Gisele, companhia de vida da qual quase nunca se separava.
Diante à tragédia de duas aventuras de existência precocemente abreviadas, pares até nos mesmos 48 anos, pouco ou nada resta a dizer. Solidarizo-me com os irmãos de André, com seus três filhos, Andrezinho, Karina e Mariana; mas sobretudo com sua mãe, Audrey. Afinal, pai curtido da orfandade de pai, como era também André, sei que nada, neste e em qualquer outro tempo humano, pode doer mais que a crueldade antinatural de se perder um filho.
Gel tem uma sentença da qual gosto muito e, volta e meia, com o crédito devido, repito: “Se você não é bom filho, não é bom em mais nada”. Pois André foi um bom filho que soube navegar com serenidade a confluência das águas como irmão, marido, amigo e pai. Infeliz do homem, no confronto inexorável com o fim do seu próprio tempo, que desejar mais.
Acho que todo mundo lembra o que disse num discurso o presidente Kennedy: “Não pergunte o que seu país pode fazer por você, pergunte o que você pode fazer por seu país.” Eu estava lendo os jornais e aí me ocorreu, como já deve ter ocorrido a muitos de vocês, que nossa prática política se orienta por uma atitude oposta a essa exortação. Ou seja, queremos saber o que o Brasil pode fazer por nós, mas não alimentamos muita curiosidade sobre o que podemos fazer pelo Brasil. Isso se expressa no comportamento de nossos governantes, que não disputam nada pensando no país, mas em abocanhar ou manter o poder, aqui tão hipertrofiado, abarrotado de privilégios e odiosamente infenso ao controle dos governados.
Para que mais, a não ser desfrutar desses privilégios, não se sabe, porque não existe projeto, além da cantilena sobre justiça social, saúde para todos, educação de qualidade e outras generalidades com as quais todos concordam. Que modelo de estrutura socioeconômica queremos, que Estado queremos, que país queremos, como chegaremos lá? Que propostas concretas são oferecidas? Ninguém diz — e os programas partidários, como os próprios partidos, causam constrangimento, pela ausência de ideias e compromissos sérios. O negócio é se eleger e se abancar, depois se vê o que se pode fazer, conforme a necessidade e a serventia para a permanência no poder. Na pátria, como se falava antigamente, ninguém se mostra muito interessado.
Tudo o que se faz hoje é visando às eleições, ou seja, a continuação no poder ou ascensão a ele. Descobriram agora essa lambança das concorrências em São Paulo, que não é propriamente inédita na história nacional, e grande parte da reação parece do tipo “viu, viu? nós rouba, mas cês também rouba!” Todo mundo na vida pública rouba, o que pode não ser uma afirmação justa, mas já virou axioma na descrição de nossa realidade e um dado importante em qualquer equação política. Invoca-se o princípio da falcatrua consuetudinária. Ou seja, se é ilegal, mas costumeiro, prevalece o costume e é considerado sacanagem e falta de coleguismo fazer denúncias ou querer punições. Que outras novidades têm para nos segredar? Quem não aposta que nada vai dar em nada?
O Estado às vezes parece ter as pernas bambas. Recomeçou o dramalhão do julgamento do mensalão e muita gente não entende mais nada, a começar por esse singular minueto processual, através do qual o Supremo Tribunal Federal vira penúltima instância, dia sim, dia não. Todo mundo quer saber se as sentenças emanadas do Supremo eram à vera ou não eram, devia ser simples de responder. Essa novela vai por aí, se arrastando já há não se sabe quanto tempo, todo dia aparece uma notícia inesperada e creio que nenhum de nós se surpreenderá se, esta semana, for noticiado que a decisão final do Supremo estará condicionada à resposta a uma consulta feita pela Câmara de Deputados, ou coisa assim, o que, com a gripe que atacou um ministro, o impedimento de outro, e o atraso de outro, leva o caso, para que tenhamos certeza de uma decisão justa, para depois do recesso do Judiciário, no próximo ano.
Vimos também a cena envaidecedora em que nosso ministro das Relações Exteriores se manifestou, conforme ouvi num noticiário, “com dureza”, sobre a espionagem cibernética americana, numa fala dirigida em pessoa ao secretário de Estado John Kerry. Disse umas verdades na cara do gringo, que o escutou com atenção, cortesia e respeito, para logo após retrucar que nos devotava desmesurado amor e descomedida amizade, mas continuaria a espionar e, acreditássemos, era para o nosso próprio bem. Se não gostarmos, claro, temos todo o direito de nos queixar ao bispo, ele compreende.
Esse mesmo ministério, aliás, deve estar às voltas com o perdão de dívidas milionárias que alguns países africanos têm com o Brasil. Comenta-se que isso é por causa do esquerdismo do atual governo, notadamente em sua política externa. Comenta-se também que o perdão dessas dívidas possibilita que os governos beneficiados fechem novos contratos com empreiteiras brasileiras. É o que dá o envolvimento com setores notoriamente de esquerda, como nossas empreiteiras, essa linha avançada do socialismo. Há apenas um ligeiro embaraço na coisa, pois se sabe que as empreiteiras, com toda a certeza, vão receber o dela, mas os financiadores, ou seja, nós, vamos contribuir mais uma vez para os crimes e as contas bancárias de déspotas, genocidas e saqueadores de riquezas nacionais
No cada vez mais fugidio setor de grandes realizações, a complexa coreografia governamental se tem exibido em torno do trem-bala, que o pessoal lá do boteco deu para chamar “trem-bala perdida”. O trem-bala é um exemplo notável de aumento de custos recordista, talvez sem precedentes em todo o mundo, porque já perdemos a conta de quantas vezes esses custos foram revisados para cima. E agora li não sei onde, maravilhado com os nossos mecanismos de distribuição de renda, que, mesmo que se venha a desistir do trem-bala, o custo dele já terá sido mais ou menos um bilhão de reais. Não entendi direito, mas não se pode deixar de manifestar admiração.
Diante dessa sarabanda agitada e da luta para não largar o osso, lembro-me de quando eu era menino em Itaparica, punha um pedaço de rapadura no chão e ficava esperando formigas brotarem do nada, várias espécies que só tinham em comum gostar de açúcar. Umas ruças, grandalhonas, eram minhas favoritas, porque ficavam frenéticas e não paravam um segundo, para lá e para cá, em cima da rapadura, apesar de que, volta e meia, uma parecia se saciar e caía imóvel — dura para trás, dir-se-ia. Eu não sabia, mas estava vendo o Brasil, só que as formigas não se saciam e quem cai para trás somos nós.
O presidente do PSDB, Aécio Neves, e a presidente Dilma têm interesse direto em ver José Serra deixando os tucanos. Aécio quer Serra fora do partido porque deseja tirá-lo do caminho e consolidar sua candidatura. Dilma quer que ele saia porque deseja enfraquecer a candidatura de Aécio. Os petistas acreditam que, em caso de segundo turno, Serra poderia apoiar Dilma.
“Entristece-me que tenham sido extintas a secretaria de Cultura e as fundações Trianon e Zumbi dos Palmares. Concentrar poder e recursos num só lugar é temerário por muitos motivos”. Em oposição à última reforma administrativa da prefeita Rosinha (PR), que submeteu toda a política cultural do município à administração da presidência da Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima (FCJOL), a advertência em nome da diversidade foi feita por quem, além de ex-presidente da mesma Fundação, é também filha daquele que a batiza: Cristina Lima. Embora tenha evitado responder se seu pai, Oswaldo Lima, aprovaria o que hoje é feito na Fundação que leva seu nome, ela não se furtou em dialogar com vários pontos polêmicos levantados nas entrevistas anteriores, publicadas neste caderno, com os professores e escritores Artur Gomes, Adriano Moura, Deneval de Azevedo Filho e Arthur Soffiati, nas quais têm sido debatida a política cultural de Campos. Esta, para Cristina, teria que ser sobretudo democrática, podendo até atender à “baianização” dos trios elétricos, ou aos shows de nomes nacionais, mas desde que também valorizasse aquilo que é produzido aqui, como as centenárias bandas locais, atualmente “alijadas da programação oficial”.
Folha Dois – Nem todos que falam da Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima sabem quem foi a pessoa cujo nome a batiza. Como era ele, como homem de cultura, jornalista e pai?
Cristina Lima – Meu pai era um homem formidável, que amava, sobretudo, três coisas: a família, a cidade de Campos e o Liceu. Viveu para os três e para os livros, que era a forma que tinha de ganhar o mundo. Foi diretor do Monitor Campista por muitos anos, secretário de Educação do antigo Estado do Rio e, quando morreu, em 1973, era presidente do Conselho Municipal de Cultura. Como pai, eu resumiria numa frase: foi a pessoa mais simples e mais importante das vidas de quem o conheceu de perto.
Folha – Acha que ele aprovaria o que é feito hoje na Fundação que leva seu nome? Por quê?
Cristina – Antes é preciso explicar por que a Fundação leva o nome de Oswaldo Lima. Quando Rockfeller de Lima foi prefeito, entre 1971 e 1972, e iniciou a obra do Palácio da Cultura onde era a antiga Praça da Bandeira, meu pai foi radicalmente contra a extinção da praça e, de sua máquina de escrever Olivetti cinza, fez campanha pela manutenção da praça, alegando a necessidade de preservar um espaço verde em frente a um hospital, a Santa Casa. Derrotado em sua campanha, quando Zezé Barbosa assumiu o poder, em 1973, numa provocação a Rockfeller, que tinha deixado muitas contas da obra a pagar, deu o nome da Fundação criada para funcionar no prédio de Oswaldo Lima. Se ele aprovaria ou não a “política cultural” deste ou de qualquer governo é temerário opinar porque as épocas são diferentes, os parâmetros outros.
Folha – Em entrevista à Folha, o professor e poeta Adriano Moura, em relação à política pública municipal adotada pelo grupo que comanda em Campos desde 1989, disse (aqui) “Outras instituições tiveram à frente a filha de ‘fulano’, a amiga de ‘sicrano’”. Acha que ser filha de Oswaldo Lima contribuiu para que Anthony Matheus, então prefeito recém eleito, convidasse você para presidir a FCJOL?
Cristina – Muitas vezes já ouvi chamar até a fundação de “pai dela”. Isso nunca me incomodou porque sei da complexidade que envolve a área cultural, suas sutilezas, interesses, paixões e, principalmente, vaidades. O artista, seja ele de qualquer área, é vaidoso por natureza, como Narciso. Em 1989, acredito que o convite de Anthony para que eu assumisse a Fundação Cultural ocorreu porque ele entendeu que meu nome representava aglutinação de diversas correntes.
Folha – Também poeta e professor, Artur Gomes lembrou (aqui) do primeiro verão do governo Anthony Matheus, naquele hoje distante 1989, no qual Campos promovia mais cultura com muito menos dinheiro. Você admitiu ter saudades daquele tempo. Entre o saudosismo natural de um passado mais romântico e a realidade, acredita que algo se perdeu de lá para cá? O quê?
Cristina – É verdade. Tenho saudades do idealismo daqueles tempos, das dificuldades que desembocavam na criatividade. Muito dinheiro numa área tão complexa quanto a da cultura, pode redundar numa obra fantástica ou num desastre irreparável. No primeiro governo de Anthony tudo era novo, tudo era desafio. Havia praticamente tudo a ser feito. E, naquele verão de 1989, houve uma profusão de ideias que fomos colocando em prática até instintivamente, como varal de poesia, gincana cultural e muitas outras atividades que fizemos na casa que servia aos prefeitos anteriores e que, naquele verão, virou uma casa da cultura. E tinha uma equipe empenhada, idealista e competente que, muitas vezes, até fome passava porque a Prefeitura não tinha nem crédito nos restaurantes da praia. A máquina da PMCG não estava na praia como se viu nos anos posteriores. O próprio Artur, que você citou, foi um valoroso companheiro que permaneceu em nossa equipe como diretor da Divisão de Literatura até que, por um problema administrativo no antigo Cefet, onde ele tinha um vínculo com dedicação exclusiva, precisou se desligar. Se não dá para comparar o tempo de Oswaldo Lima com os de hoje, também 1989 e 2013 são dois pontos dispersos no ar. Outras são as prioridades , as diretrizes e as próprias demandas da população.
Folha – Artur também citou o maior evento daquele verão no Farol, com Moraes Moreira, que a Folha havia contratado para um show em Atafona, bisado de graça no balneário campista. Ali começou a se formar a opção por shows de nomes nacionais, em detrimento da fomentação da cultura local, como outro professor e poeta, Arthur Soffiati, ressaltou (aqui) em entrevista ser o norte da política pública de cultura até hoje em Campos?
Cristina – Acho, sempre achei, que há uma ambiguidade quando se fala em cultura e entretenimento. Em alguns momentos o gestor político opta pelos grandes eventos, como forma de juntar espectadores. É a obsessão pelas multidões. Isso sempre existiu e não só em Campos. A diferença é que, gerindo uma área complexa como a da cultura, é preciso investir nas brechas e frestas para incentivar iniciativas de médio e longo prazos como formação de plateias para teatro, dança, música e artes plásticas. Me lembro que, de 1989 até mais ou menos o ano 2000, Campos tinha, anualmente, festivais de teatro infantil e universitário. A área era tão efervescente que chegamos a sediar festivais estaduais e até um nacional de teatro. Na música, a gênesis da atual ONG Orquestrando a Vida, esse trabalho fantástico do maestro Johny William Villela Vianna, está lá atrás nos Festivais de Música de Inverno, que eram realizados com patrocínio da Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima. Hoje, vejo com tristeza nossas bandas centenárias alijadas da programação oficial das festas tradicionais, enquanto naquela época elas tocavam todas as semanas dentro do projeto “Pra ver a banda passar”.
Folha – Soffiati não teve papas na língua para afirmar que essa opção por shows de nomes e cachês nacionais, também teria como objetivo a prática de ilícitos financeiros. Como se deram essas contratações enquanto você esteve à frente da FCJOL, por oito anos?
Cristina – Posso falar apenas pelo tempo em que estive à frente da Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima. Além de ter tido muito menos recursos que os presidentes posteriores, contratávamos muito menos shows e por preços de mercado, sem que tivéssemos uma única denúncia e nem mesmo notificação do Tribunal de Contas. Volto a lembrar que os tempos são outros e quando presidi a Fundação no último ano, em 1996, o orçamento do projeto “Verão do Farol” ficou em torno de R$ 190 mil. O orçamento da Prefeitura de Campos também era muito menor. É preciso mensurar as coisas porque o aumento da arrecadação com os royalties foi mais intenso a partir de 1997/1998.
Folha – Alguns apontam o fenômeno dos shows bancados com dinheiro público municipal, sobretudo nos verões do Farol, como um processo gradativo de “baianização” e, mesmo, de “mediocrização” da cultura campista. O que pensa a respeito?
Cristina – Não dá para resumir só nisso. De novo vamos discernir cultura e evento. O que convencionou-se chamar de “baianização” é o excesso de trios elétricos, mas até 1996 tínhamos um trio para o verão todo e só aos sábados e domingos. Hoje são vários trios, indo e vindo e vários dias por semana e não só no verão do Farol. Dias atrás, vi na blogosfera que a PMCG alugou, por dois meses, um trio elétrico por R$ 120 mil. Aqui, aparece um dilema para o gestor público da área cultural: atender o que se acredita ser a demanda do público por esse tipo de entretenimento ou ser autoritário e impor outro tipo de infraestrutura para projetos de teatro, poesia, dança, cinema, música erudita, ópera? Eu penso a cultura de maneira mais abrangente, num universo em que convivem evento e iniciativas de médio e longo prazos, principalmente para informar aos mais jovens da existência de outras manifestações culturais, além das que a mídia massifica e não abre espaço para questionamentos. Na gestão da minha equipe à frente da Fundação, guardo com muito orgulho os festivais de teatro, de poesia, concursos de contos, salões contemporâneos de artes plásticas, mas também de eventos memoráveis como a apresentação da Orquestra Sinfônica Nacional em plena Praça do Santíssimo Salvador e a encenação do balé “O Lago dos Cisnes”, de Tchaikovsky, com o corpo de baile do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, com Ana Botafogo. Ambos os eventos foram apoteóticos. Ou seja, as pessoas têm o direito de conhecer manifestações diversas para saber se gostam ou não. É a democracia cultural.
Folha – O que destacaria como maior legado do seu período à frente da FCJOL, na primeira gestão Anthony Matheus e na seguinte, de Sérgio Mendes? Em sua visão retrospectiva apontaria também alguma falha, algo que deixou de fazer ou hoje faria diferente?
Cristina – Na gestão de Anthony (1989-1992) praticamente foi inaugurada uma nova era na cultura campista. Até mesmo porque o município passou a ter recursos financeiros que os antecessores não tiveram. Além disso, o jovem prefeito vinha do teatro e com ideias revolucionárias para a época. Tudo era desafio, novidade, utopia e satisfação. Com Sérgio foi uma continuação, uma consolidação já em bases mais sólidas. Há uma injustiça histórica com Sérgio Mendes sobre o Trianon. É verdade que Anthony Matheus foi quem sensibilizou o Bradesco a dar US$ 1 milhão para iniciar as obras do Trianon, mas o governo de Sérgio prosseguiu as obras e, segundo levantamento que fizemos à época, entre 1993 e 1996, Sérgio fez mais de 30% da parte de construção civil do teatro. Sobre o que não fizemos é difícil dizer porque um inventário de uma gestão pública deve sempre ter mais débitos do que créditos. Faltou, por exemplo, um bom programa de bibliotecas nas escolas municipais com seus círculos de leitura. Faltou levar cinema às comunidades.
Folha – Seria capaz de estender essa análise crítica sobre aqueles que a sucederam na FCJOL, chegando até os dias de hoje? O que destacaria como principais erros e acertos de quem veio depois?
Cristina – O processo é evolutivo, graças a Deus. Gosto muito de lembrar da Bienal do Livro, criadas nas gestões de Lenilson Chaves e Fernando Leite. Me alegra ver o Museu de Campos restaurado e sendo indicado a um prêmio nacional, mas me entristece que, depois de estruturados os organismos culturais, tenham sido extintas a secretaria de Cultura e as fundações Trianon e Zumbi dos Palmares. Concentrar poder e recursos num só lugar é temerário por muitos motivos, inclusive pelas escolhas das atrações.
Folha – Desde a entrevista com Adriano, passando por Deneval Azevedo e, sobretudo, Soffiati, os artistas de Campos também sofreram críticas. Baseada na experiência que teve diretamente com a categoria, por quase 10 anos, até que ponto falta à maioria a capacidade de também analisar e discutir criticamente o seu papel na sociedade?
Cristina – A diversidade da gente que faz cultura é o grande barato de estar nesse meio. É dessa miscelânea, desse caldo de culturas, que se extrai a cultura de um povo. Com esse conceito, sempre transitei em todas as áreas e todas as mais diferentes e díspares correntes que integram o cenário cultural de nossa Campos dos Goytacazes. Cada um deve saber o seu papel e desempenhá-lo no palco da vida. Sinto muita falta de artistas locais no palco do Trianon recebendo o apoio que os artistas de fora recebem, mas que a qualidade do espetáculo justifique o apoio. Daí, minha obsessão pela formação de novos públicos e novos artistas a partir dos festivais de teatro nas escolas. É na educação, acredito como acreditava meu pai, que está a solução para todos os males da cidade e do país.
Folha – Existiu ou existe entre os artistas locais a cultura do pires na mão? Ela interessa mais a quem paga ou a quem recebe?
Cristina – Essa é uma realidade daqui e de qualquer lugar. A questão é se a cultura deve ser subsidiada pelo Estado, pelos governos, ou não. É uma discussão complexa e com matizes ideológicos diversos. Eu, pessoalmente, acho que é obrigação do Estado investir em cultura, mas como escolher entre as mais diferentes formas de manifestação cultural e entre os mais diferentes representantes delas, qual apoiar sem ser autoritário?
Folha – Concorda com o que disse Deneval (aqui): “Há muito amadorismo na cultura campista”? Por quê?
Cristina – O “amadorismo” pode ser uma conseqüência da opção preferencial pelos eventos que atraem grandes públicos em detrimento de políticas de formação cultural. Mas não podemos nos esquecer de que os agentes culturais que estão aí, como Orávio de Campos Soares, Maria Helena Gomes, João Vicente, Kapi e o próprio Anthony Matheus, são originários do teatro amador. Portanto, são exemplos do amadorismo positivo, mas se Deneval refere-se à falta de profissionalismo, concordo, mas torço pela iniciativa dos artistas, de todas as áreas, em procurar profissionalização e que o poder público disponibilize mecanismos para tal.
Publicado hoje (18/07) na versão impressa da Folha.