Crítica de cinema — Prende a atenção, mas não empolga

Caixa de luzes

 

 

O franco-atirador

 

 

Mateusinho 2O franco-atirador — Pelas várias cenas em que aparece sem camisa a exibir o físico invejável para um senhor de 54 anos, podemos conferir crédito a analogias como a do crítico Lucas Salgado (aqui), do site “AdoroCinema”, de que o estadunidense Sean Penn estaria querendo seguir os passos do irlandês Liam Neeson, brilhando já na terceira idade em filmes de ação, após ser oscarizado mais jovem como ator de drama? No particular dessa aparente mudança de rumo por parte de Neeson, Oscar de melhor ator por “A lista de Schindler” (1993), de Steven Spielberg, o Gustavo Oviedo já expôs (aqui) neste mesmo espaço de Folha Dois a sua tese, na boa crítica que assinou na semana passada sobre o filme “Noite sem fim”, de Jaume Collet-Serra.

Mas e Sean Penn? Após ganhar não apenas um, mas dois Oscar de melhor ator — por “Sobre meninos e lobos” (2003), de Clint Eastwood, e “Milk – A voz da igualdade” (2008), de Gus Van Sant — estaria ele tentando agora dar uma guinada aos filmes de ação? Poderia ser, sobretudo se levado em conta que seu novo filme “O franco-atirador”, ora em cartaz nos cinemas de Campos, é dirigido pelo francês Pierre Morel, mesmo cineasta de “Busca implacável” (2008), com Liam Neeson como protagonista, cujo sucesso de bilheteria abriu uma franquia com as sequências de 2012 e 2014.

Todavia, quando se detém sobre a filmografia de Penn, vê-se que ele estrelava filmes de ação desde “Juventude em fúria”, de Rick Rosenthal, e do excelente “Colors – As cores da violência”, do easy rider Dennis Hopper. E os dois títulos são, respectivamente, de 1983 e 1988. Se, desde o começo de carreira, o (excepcional) ator já evidenciava que testosterona e adrenalina podem caminhar paralelas com capacidade dramática, nada mudou em sua carreira na maturidade, na qual já tinha encarnado mais recentemente outros papéis em longas de ação, como “A intérprete” (2005), de Sidney Pollack, ou “Caça aos gângsteres” (2013), de Ruben Fleischer.

Em “O franco-atirador”, Penn interpreta o mercenário Martin Terrier, enfurnado em Kinshasa, capital do Congo (ex-Zaire), onde trabalha para uma empresa ao estilo da estadunidense Blackwater (atual Academi), cuja atuação mercenária na vida real tanta polêmica causou nas invasões e ocupações dos EUA no Iraque e Afeganistão. A soldo de uma empresa corporativa de mineração, ele é o escolhido para assassinar um ministro local que quer nacionalizar a exploração dos recursos naturais do seu país, cujas riquezas contrastam com a miséria do seu povo.

Efetuada a execução a sangue frio em nome dos anônimos interesses do capital internacional, o protocolo da sua empresa determina que ele abandone imediatamente o país. Na decisão cumprida com rigor militar, o matador de aluguel deixa para trás a paixão da sua vida, a médica Anie (Jasmine Trinca), que estava naqueles cafundós d’África em missão de ajuda humanitária. Ela é o motivo pelo qual Terrier foi escolhido para assassinar o ministro congolês, opção definida por Félix, interpretado pelo espanhol Javier Bardem, Oscar de coadjuvante por “Onde os fracos não têm vez” (2007), dos irmãos Cohen, e cuja figura talvez seja viril demais ao papel do bundão que só conquista a amada após mexer seus pauzinhos para tirar o oponente da disputa.

Arrependido pelo assassinato e por ter abandonado a mulher da sua vida sem nenhuma explicação, Terrier volta ao Congo anos depois, não como mercenário, mas tentando expiar os pecados desta lida, enquanto pisa sobre as pegadas deixadas na África por quem ainda ama, integrando também ele uma missão humanitária. Mas o passado volta para assombrá-lo, em outros matadores de aluguel e dentro da sua própria mente. Após uma tentativa encomendada de assassinato, ele volta para a Europa, primeiro Londres, depois Barcelona, belas cidades mostradas em tomadas aéreas de alguns de seus principais cartões postais. E, na busca de respostas, reencontra o amor que deixou para trás.

Nesse trajeto de retorno do protagonista, destaque à atuação coadjuvante sempre convincente do inglês Ray Winstone, presença na tela cuja virilidade não deixa a dever a Penn e Bardem (ou Neeson), embora por motivos diferentes.

Com seu final tipicamente hollywoodiano, após todo o sangue jorrado na violência gráfica inaugurada no cinema por “Coração valente” (1995), de Mel Gibson, no lugar de uma suposta guinada de Sean Penn aos filmes de ação que sempre fez, “O franco-atirador” acaba mirando na hiperativa militância política do ator, que também assina o roteiro com Dom Macpherson e Pete Travis, na adaptação do romance do francês Jean-Patrick Manchette. Sem ler o livro, a moral da história do filme se baseia na chatérrima (e manjada) ditadura do “politicamente correto”: o capital corporativo multinacional é o vilão e aqueles que querem salvar o mundo, numa adolescência anacrônica de meia idade, são os mocinhos que vencem no final.

Noves fora sua pretensão maniqueísta, o filme é um thriller de ação que prende a atenção, mas não empolga. Ao desavisado monoglota, pede-se o favor de não confundi-lo com o clássico de 1978 homônimo (só) na tradução em português do Brasil, dirigido por Michael Cimino e estrelado por Robert de Niro, Meryl Streep e Christopher Walken — Oscar de melhor filme, diretor, edição, som e coadjuvante (Walken).

Como ator, não sem motivo, Penn já foi apontado como novo De Niro. Nem mais tão novo, apesar do shape sarado, não envelhecerá melhor por esse filme.

 

Mateusinho viu

 

Publicado hoje na Folha Dois

 

 

Confira o trailer do filme:

 

 

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