Reflexo de Picasso no copo de cerveja
Por Edmundo Siqueira, Aluysio Abreu Barbosa, Hanania Monjin e João Monteiro Pessôa
— E fusão do DEM com PSL na quarta? Escolheram o número 44, do PRP, e o nome de União Brasil para a nova sigla. Fundador do PRP em 1945, quando o nazifascismo foi derrotado na 2ª Guerra, Plínio Salgado tinha fundado o integralismo no Brasil dos anos 1930, inspirado no nazismo e no fascismo. Com direito até a encontro com Mussolini. O símbolo do movimento integralista é o Sigma, que significa soma, união. Para virar integralista, só faltam as camisas verdes ao tal União Brasil? — questionou Eduardo, antes de molhar o verde da palavra com o líquido amarelo da cerveja, em cruza “patriótica” involuntária na mesa do bar.
— Acho forçosa essa sua analogia da fusão entre DEM e PSL com os integralistas. Que tiveram 17 integrantes mortos no tiroteio, com outras centenas de feridos, na praça do Santíssimo Salvador. Era 15 de agosto de agosto 1937, vermelho de sangue na história goitacá. O PSL serviu para a vitória em 2018 do clã Bolsonaro, que saiu da legenda numa briga mesquinha pelo fundo partidário. Mas a sua analogia com os “galinhas verdes” se prestaria mais aos dois arregos públicos de Bolsonaro, após sua tentativa desastrada de golpe no 7 de setembro — respondeu Aníbal, não sem disfarçar o riso, enquanto tomava um gole de cerveja. E lembrava da imitação do Marcelo Adnet do áudio de um Bolsonaro acovardado, suplicando que os caminhoneiros bolsonaristas liberassem as estradas fechadas após os protestos bolsonaristas.
— Mas o DEM nasceu da Arena, partido que sustentou a ditadura militar brasileira. Com a redemocratização, passou a se chamar PFL. E, nos anos 2000, DEM — argumentou Eduardo.
— E, entre Arena e PFL, também foi PDS até a eleição de Tancredo a presidente, pelo Colégio Eleitoral em 1985. Hoje, a fusão visa abrir vantagem sobre o PSD de Kassab, Eduardo Paes e Wladimir, formando a legenda de maior força na direita e centro-direita do país. Que terá três alternativas na eleição presidencial de 2022. Uma é apoiar Bolsonaro, cuja reeleição hoje seria matematicamente impossível. Como pode ser encarnar ou apoiar uma opção da terceira via, que não Ciro. A última opção não é ruim. Será a maior força de oposição no Congresso a Lula, caso ele chegue de novo ao poder, como apontam todas as pesquisas. Neste caso, o petista pode ter cobrada a fatura de quando era presidente e disse em comício para eleger Dilma em 2010: “Precisamos extirpar o DEM da política brasileira” — lembrou Aníbal.
— Estou estudando o tema integralismo e pode ser que eu tenha forçado a analogia, Aníbal. Mas faço a ressalva que não se trata de comparar, pelo menos por enquanto, um movimento e outro. Mas foi irresistível a comparação quando eles escolhem o número do PRP e, principalmente, União Brasil como novo nome. Além do DEM ter um histórico ligado à ditadura. Se for um bloco de direita e centro-direita, ótimo, nada mais saudável à democracia. Mas se apoiarem Bolsonaro, mesmo em um eventual segundo turno, se aliarão a um protofascismo muito próximo do integralismo, evidenciado no “Deus, Pátria e Família” e em tantas outras semelhanças nefastas — sustentou Eduardo.
— Já que vocês estão falando de integralismo e nazifascismo, e como é que ficam essas matérias sobre a operação da polícia que prendeu um pedófilo no Rio, na terça? Todas vêm repetindo que as SS eram uma tropa paramilitar ligada ao Partido Nazista. Eu acho que essa definição cabia às SA. Que foram desmobilizadas por ordem de Hitler. As SS, em muitos sentidos, deram origem às tropas de elite das Forças Armadas depois da 2ª Guerra — entrou no papo Hans, que tinha acabado de chegar e sentar à mesa do bar.
— A SS cumpria múltiplas funções na Alemanha Nazista. Era a polícia política com a Gestapo, controlava os campos de concentração e também tinha as unidades militares, as Waffen-SS. E a qualidade dessas tropas era bastante heterogênea. Nas mais de 50 divisões da Waffen-SS, só um punhado se encaixa como tropa de elite. A maioria era de tropas paramilitares, mal treinadas e armadas, compostas por homens mais velhos ou adolescentes. Era uma organização separada da estrutura regular das forças armadas alemães, e subordinada diretamente ao Partido Nazista. Era como a SA, só em maior escala. A semente das atuais forças especiais, nos dois lados da 2ª Guerra, eram as forças de elite aerotransportadas. Na Alemanha, os paraquedistas do exército. Nos Aliados, a famosa SAS britânica — disse Jean, que completara o quarto lugar na mesa do bar. E já entrou em campo fazendo embaixadinha.
— Você está certo nisso, mas existiam comandos especiais da Waffen-SS que também podem ser incluídos aí, em especial a tropa comandada por Otto Skorzeny — armou Hans sua Linha Maginot na defesa da área.
— Skorzeny era da SS, mas paraquedista. E me referi à própria Waffen-SS, cuja maioria das unidades foi formada após 1943, quando a Alemanha já sofria déficit de homens aptos ao serviço militar. Curioso é que cerca de 250 mil prisioneiros de guerra soviéticos acabaram fazendo parte dos efetivos da Waffen-SS, por conta dessa carência de soldados — explicou Jean.
— Li em algum lugar que as Waffen-SS eram as tropas alemãs com maior número de estrangeiros voluntários. Eram muitos franceses, nórdicos em geral, holandeses e belgas, fora os espanhóis que migraram em peso. Se não me engano, até tropas indianas eles tinham — globalizou Hans, antes de molhar a garganta com cerveja.
— Verdade, e algumas das melhores unidades eram compostas por esses estrangeiros. Outro fato curioso, a última unidade combatendo pelos nazistas na batalha de Berlim foi a divisão Carlos Magno, composta por franceses. A realidade às vezes é mais improvável do que qualquer ficção — vaticinou Jean, batendo continência com o copo à boca, em gole longo.
— O Otto Skorzeny era oficial da SS e considerado pelos EUA o homem mais perigoso da Europa. Ele ganhou fama por salvar Mussolini. Está rolando na Netflix um bom documentário espanhol sobre sua vida. Relata a Espanha de Franco, aliado de Hitler que sobreviveu à queda do nazismo e abrigou o nazista Skorzeny, onde ele fez fortuna e trabalhou para o Mossad, serviço secreto de Israel — retornou Eduardo ao papo.
— Ia indicar o filme da Netflix quando o Hans citou o tenente-coronel da SS Otto Skorzeny. Mas sua blitzkrieg, Eduardo, foi mais rápida. Também assisti. Mesmo a quem já acumulou alguma leitura sobre a 2ª Guerra, o documentário é capaz de ensinar coisas novas. Inclusive que o homem de ação favorito de Hitler, que resgatou Mussolini dos Apeninos, mesmo se mantendo um nazista orgulhoso e convicto depois da II Guerra, seria colaborador do Mossad, para proteger Israel. É como sentenciou o Jean: “A realidade às vezes é mais improvável que qualquer ficção” — endossou Aníbal, também de volta ao jogo.
— Eu assisti. É muito bom. Também li o livro dele. Tem uma passagem sobre como Skorzeny meio que assumiu o controle da capital Berlim e frustrou os planos da resistência alemã, no episódio do atentado a Hitler — complementou Hans.
— E Skorzeny aliado ao Mossad, para resguardar Israel do Egito, me fez lembrar que o DEM, após pular fora da ditadura para dar sustentação à eleição de Tancredo em 1985, substituiu este por morte no desastroso governo Sarney. O DEM depois comporia chapa com FHC em seus governos, os primeiros sociais-democratas do Brasil. Como também seriam os de Lula. Os dois sob os mesmos princípios macroeconômicos do liberalismo. O diabo, certamente, não são os outros — finalizou Aníbal, enquanto encarava seu reflexo de Picasso no copo de cerveja.
Publicado hoje na Folha da Manhã.
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