Poema do domingo — O mundo é sortido, Senhor, como dizia meu pai

Ensaios fotográficos

 

Talvez só após a morte de Manoel de Barros (1916/2014), tenha percebido (aqui) o quanto a obra do poeta influenciou a minha, desde que a conheci a primeira vez, em 2000, a partir da publicação naquele ano do livro “Ensaios fotográficos”. Nele, alguns anos antes do tema diversidade ficar tão em moda, um dos poemas que mais me marcou foi “O aferidor”. Seja numa açucena, no nome de Deus ou num homem sentado nas pedras da própria ruína, entre tantas outras fugas de Bach passíveis de reflexo nos olhos das criaturas, sábio (e saudoso) será o pai que ensinar seu filho a aferir o sortimento do mundo.

 

Atafona, janeiro de 2015
Atafona, janeiro de 2015 (foto de Aluysio Abreu Barbosa)

 

O Aferidor

 

Tenho um Aferidor de Encantamentos.

A uma açucena encostada no rosto de uma criança

O meu Aferidor deu nota dez.

Ao nomezinho de Deus no bico de uma sabiá

O Aferidor deu nota dez.

A uma fuga de Bach que vi nos olhos de uma criatura

O Aferidor deu nota vinte.

Mas a um homem sozinho no fim de uma estrada

sentado nas pedras de suas próprias ruínas

O meu Aferidor deu DESENCANTO.

(O mundo é sortido, Senhor, como dizia meu pai.)

 

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Este post tem 9 comentários

  1. Paulo Ciranda

    Que bom que foste tocado pela poesia que brotou do barro,
    e seguiu desenhando em palavras a pureza mais bela de toda a natureza.

  2. José Luis Vianna da Cruz

    Querido Aluysinho, obrigado por me brindar com o Manoel de Barros esta manhã. Ele é um dos mais queridos. Só que não consigo deixar de chorar ao ler e reler este poema mil vezes. Obrigado!!!!

  3. ninobellieny

    Mágico.

  4. sandra.maria

    Lírico .Emocionante.

  5. Gildo Henrique

    Fiz um seminário sobre Manoel de Barros na UniCampi ano passado. Entrei em outra dimensão. Magia.

  6. Aluysio

    Caro Paulo Ciranda,

    Só para não restar dúvida, bom frisar que os versos escolhidos pelo blog ao domingo são do Manoel de Barros, não meus, que me sinto tão tocado por eles qt vc, o José Luis Vianna da Cruz, o Nino Bellieny, a Sandra Maria e o Gildo Henrique. Minha autoria reverencial se atém à prosa e à foto que introduzem o poema.

    Abç e bom resto de domingo a todos!

    Aluysio

  7. Darcy Amorim

    Presente lindo, num domingo solitário e de reflexão. Dia de passar a vida a limpo. Texto comovente, lírico e de aparente simplicidade. Valeu! Obrigada!

  8. Aluysio

    Cara Darcy,

    Touché! Em Manoel a simplicidade é tão aparente qt a tão decantada inspiração, sobre a qual o poeta ressalvava: “Conheço só de nome, de ouvir falar, mas nunca vi. Poesia é trabalho”.

    Abç e uma ótima semana!

    Aluysio

  9. laura

    Olá amigo só agora a noite ,com esse céu lindo de Atafona pude ler com calma o poema .Tornou a noite mais clara e luminosa .Adorei .

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