O artigo publicado (aqui) na postagem anterior, da lavra do jornalista Rodrigo Gonçalves, não carecia de companhia domingueira. Aborda com lucidez a sequência de erros do governo Rosinha Gartinho (PR) até os boatos de surto de meningite no município, gerados a partir da omissão de quem depois mostrou desespero (e despreparo) ao negar. Mas da planície ao Planalto, acabei de ler só agora o texto principal da coluna dominical do decano Elio Gaspari, em O Globo, e fiquei igualmente impressionado sobre as várias caras que essa questão da negação é capaz de assumir.
Já disse mais de uma vez que tenho o jornalista brasileiro nascido na Itália como o (ainda) maior na mídia escrita por tupiniquins viventes sob a última for do Lácio. Pela contudência sem maniqueísmo, memória impressionante, criação de personagens impagáveis, como “Eremildo, o Idiota”; pelo estilo quase literário, ainda que sempre objetivo; uma das coisas que Gaspari gosta de fazer é “psicografar” missivas de personalidades históricas falecidas para remetê-las aos ainda carnados que parecem demandar conselhos do além.
A carta “póstuma” publicada hoje é “assinada” pelo catalão Ramon Mercader (1913/78). Espião a soldo do genocida soviético Joseph Stálin (1878/1953), ele assassinou covardemente, pelas costas, com golpes de picador de gelo sobre o crânio, o ex-líder da Revolução Russa (1918) e criador do Exército Vermelho, Leon Trotsky (1879/1940), dentro da casa deste, em exílio na Cidade do México.
Mercader cumpriu 20 anos de cadeia sem contar o que todos sabiam (que Stálin lhe mandara executar seu opositor) e sua história pode ser melhor conhecida no bom livro “O homem que amava os cachorros”, do cubano Leonardo Pandura. Redivivo na coluna de hoje do Gaspari, o assassino de Trotsky “escreveu” para aconselhar ao ex-tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, condenado a 15 anos de cadeia na Lava Jato, mas com tendência de aumentar a pena, a falar o que todos também já parecem saber, sobretudo os poucos que ainda insistem negar.
Se você ainda não leu, vale a pena investir alguns minutos desse início de noite de domingo para conferir abaixo:
De ramon.mercader@edu para j.vaccari@pol
Por Elio Gaspari
Companheiro Vaccari,
Você não é Ramon Mercader. Como eu, houve poucos no mundo. Matei o Leon Trotsky em 1940, passei 20 anos na cadeia e não contei o que todos sabiam: acabei com o velhote a mando do Stálin. Quando saí da prisão, você tinha dois anos e quando morri, em 1978, você tinha acabado de se filiar ao sindicato dos bancários de São Paulo. Eu era um velho de 65 anos e você, um garoto de 20. Não vou tomar seu tempo contando minha história porque se você não leu “O Homem que Amava Cachorros”, do cubano Leonardo Padura, peça-o a sua família. O final do livro não presta, mas de resto é coisa fina, sobretudo para quem está preso.
Vaccari, eu era do aparelho de segurança soviético, você era do braço do sindicalismo bancário petista, coisas inteiramente diversas. Daqui, já percebi que você, o José Dirceu e dois diretores da Petrobras (Duque e Zelada) estão em silêncio. No seu caso, a condenação está em 15 anos e deve aumentar. Se você tiver que pagar cinco anos em regime fechado, sairá da cela, em 2020, aos 62 anos. Admiro sua resistência e seu vigor ideológico, mas escrevo-lhe para dizer que são fúteis.
Na cadeia, eu sabia que tinha sido condecorado com a Ordem de Lênin. Ao sair, fui proclamado “Herói da União Soviética”. Vivi bem em Moscou e em Cuba. Você nunca será um “Herói do PT”. Sua família sofre com sua prisão, enquanto minha mãe estimulava meu silêncio.
Tudo o que o PT pode lhe oferecer são algumas visitas discretas de parlamentares. Não ouvi ninguém louvar publicamente seu silêncio.
Durante os 20 anos que ralei, eu sabia que no dia 1º de Maio a União Soviética desfilava seus foguetes na praça Vermelha. Graças a artes do PT (e suas), o presidente do Brasil chama-se Michel Temer e Dilma Rousseff vai morar em Porto Alegre.
Os empreiteiros que atendiam teus pedidos disseram coisas horríveis a teu respeito. Estão no conforto de suas tornozeleiras eletrônicas e posso supor que as solícitas OAS e Odebrecht colocarão mais cadeados nas tuas grades. Todos viverão com patrimônios superiores ao teu.
Eu morri com saudades de Barcelona, a cidade onde nasci, mas quando os comunistas espanhóis ofereceram-me ajuda para visitá-la, queriam que eu contasse minha história. Morri em Cuba sem rever a Catalunha e minhas cinzas foram para Moscou.
Valeu a pena? Não sei, mas garanto que no teu lugar, eu chamaria o Ministério Público para uma conversa exploratória.
Saudações socialistas
Ramon Mercader
O mais baixo dos canalhas é o dedo duro.Talvez Vaccari não queira se igualar aos que chegaram á esse patamar,como muitos outros o fizeram após mamar nas mesmas têtas.Talvez tenha feito as contas e colcluiudo que vai valer à pena,literalmente.Sei não…Parece que Elio e nós vamos ter que esperar o final dessa longa e tenebrosa história.Quem sabe,durante essa espera, Elio “psicografe” Vaccari,ou Temmer ou tantos outros!
Caro Decio,
E eu que pensava que o mais baixo dos canalhas era o ladrão do dinheiro público que, descoberto, preso e condenado, não se arrependesse do ato, nem contribuísse para devolver ao povo os recursos desviados. De qualquer maneira, acredito que os escrivãess da PF de Curitiba terão ainda muito trabalho laico, antes de precisarem apelar à mediunidade de um Chico Xavier. Daí, justamente, a fina ironia premonitória do Gaspari. Aguardemos…
Abç e grato pela chance do debate!
Aluysio
“concluído”,claro!
Bezerra da Silva dizia ´que ” Era caguete sim”. Podemos dizer que temos a indústria bem lucrativa no Brasil. O indivíduo pode roubar a vontade, se for descoberto faz as contas, devolve um certo valor, seleciona alguns ex companheiros e entrega,sua pena é reduzida em 90%, usa uma tornozeleira em uma casa de campo e etc.
Caro Paulo Henrique,
Tenho por sua persistência a admiração inversa àquela que nutro por seu ideário e, sobretudo, pelos argumentos que usa para ainda tentar justificá-lo. Daqui a ainda mtas delações e operações, qd a Lava Jato estiver pelo menos próxima do fim, o que por ora parece mt distante, para o desespero de Lulas, Cunhas, Dilmas, Aécios, Renans, Cabrais e Garotinhos, veremos quem cantará com mais propriedade os versos mais famosos de Bezerra da Silva: “Malandro é malandro/ E mané é mané/ Diz aí!/ Podes crer que é…”
Abç e grato pela chance do complemento!
Aluysio
Caro Aluysio,
Não há admiração inversa, aliás, o inverso depende do pensas que é verso. Penso que todos os corruptos precisam ser punidos, inclusive os que selecionam para punir.
Caro Paulo Henrique,
Inverso de admiração é desprezo. Mas se o que vc realmente versa é a punição indistinta de todos os corruptos, comungamos do mesmo desejo.
Abç e grato pela chance da concordância, desde que jamais seletiva!
Aluysio