Por Aluysio Abreu Barbosa
Hoje, às 19h, no espaço Casa Verde Bar, na rua Baronesa da Lagoa Dourada, nº 29, o professor, dramaturgo, ator e escritor Adriano Moura lança seu segundo livro de poesia. No entanto, “Todo verso merece um dedo de prosa”, da editora Chiado, é um livro de conteúdo híbrido em sua fidelidade ao título, misturando poemas com crônicas e contos, alguns publicados pelo autor nesta mesma Folha Dois.
No começo deste ano, quando o novo livro, apesar de já ter o título atual, ainda era pensado em dedicação exclusiva à poesia, a Folha Letras de 8 de janeiro trouxe um misto de resenha crítica e testemunho em primeira pessoa. Não tratava apenas de “Todo verso merece um dedo de prosa”, mas das transformações que os versos do autor sofreram desde o lançamento do seu primeiro livro de poemas. No diálogo entre passado e presente, uma prova do que você, leitor, poderá conferir no futuro próximo da noite de hoje:
Como externei na orelha do seu primeiro livro, “Liquidifca(dor) — Poesia para vita mina”, de 2007, pela Imprimatur, conheci o Adriano Moura nos FestCampos de Poesia realizados no Palácio da Cultura, ainda nos anos 1990. Antes mesmo de ler, lembro do impacto que foi ouvir os versos de “Os donos do poder”, meu primeiro poema dele, e perceber alguém da mesma idade, vivendo na mesma cidade, fazendo a mesma coisa, mas por caminhos que eu ainda sequer sabia existirem.
Naquilo que Cazuza (1958/90) chamou de “inveja criativa” em relação a Renato Russo (1960/96), dois ícones da nossa geração, dividir tempo, espaço e lida com Adriano, fez crescer muito meu fazer poético, levado adiante a partir da leitura e do estudo que vi refletidos nos versos dele. Em Campos, talvez seja o mais destacado exemplo de poeta egresso do magistério em Letras, fenômeno contemporâneo que tem dominado a arte de versejar nas grandes capitais do Brasil.
Independente da origem, assumo não sem orgulho que, entre conterrâneos e contemporâneos, “ninguém outro poeta no mundo” me influenciou tanto — na referência de Manoel de Barros (1916/2014) a Vladímir Maiakóvski (1893/1930). E é força de gravidade ainda presente, engordada pela leitura prévia dos originais de “Todo poema merece um dedo de prosa”, novo livro de poesia que Adriano projeta lançar nos próximos meses, ainda neste ano da Graça de 2016.
Aliado ao “lirismo profundamente amargo, mutilante e sem concessões” que a professora Analice Martins tão bem define no prefácio do primeiro livro, o segundo evidencia uma clara influência sintática de Manoel de Barros, como por outro lado revela o uso mais desavexado do humor, quase sempre cáustico e debochado, herdado da prosa de um autor também dramaturgo, e talvez dos poemas-piada de Oswald de Andrade (1890/1954), que tanto marcaram o Modernismo brasileiro.
Entre seus dois livros de poemas, Adriano deu-se a conhecer no presente em prosa:
“Minha produção poética atual permanece bastante diversificada, assim como a que deu origem ao meu primeiro livro ‘Liquidifica(dor)’. Porém acredito que eu esteja amadurecendo e caminhando para uma poética de voz mais definida. Tenho me ocupado mais com o trabalho de elaboração de imagens poéticas e, em alguns poemas, optado por certo rigor formal.
A poesia de autores como Manoel de Barros e do moçambicano José Craveirinha (1922/2003) me tem servido de escola no plano imagem, assim como os clássicos de sempre como Arthur Rimbaud (1854/91) e Fernando Pessoa (1888/1935). A influência é importante. Por meio dos grandes mestres do passado e do presente, atingimos nossa dicção poética pessoal e única.
Os poemas de meu novo livro ‘Todo verso merece um dedo de prosa’ ainda são poemas de um autor em formação. Talvez eu nunca tenha uma voz poética definitiva, já que me vejo sempre buscando novas experimentações.
Minha inspiração, se é que isso existe, tem brotado mais de experimento do que de musas.
Mas o essencial mesmo para mim é o incômodo e o espanto com os fatos da vida, sejam os mais extraordinários ou cotidianos”.
Emblematicamente, no poema “Técnica”, do novo livro, o poeta verseja a confissão: “pra poesia não basta inspiração/ tem de saber olhar as coisas/ pela janela”. Através das muitas abertas pela obra desse irrequieto imagético das letras campistas, foram escolhidos dois poemas, um de cada livro, para ilustrar esta página entre os segredos do mar e as nuvens do verso:
Com quantas conchas se faz um verso
Apanhar palavras no vento
É como ouvir os segredos do mar
Nas conchas do caramujos,
São notas perdidas no tempo
À espera de composição.
Cato palavras no vento
Que não me lança contra rochedos em dia de fúria
Mas segredos…
Não há como os do mar!
Então eu ouço os segredos de um,
Colho palavras do outro
E conto para o mundo:
Eis a minha infidelidade.
Queria aventurar-me a maiores turbulências
Mas sou poeta de horas vagas e concursos literários,
Subtraído pelos livros de ponto
E prestações de conta.
Deito a tranquilidade das brisas
E guio o leme dos meus versos.
Vez em quando cato uma concha das grandes
E fico sentido saudade do Ulisses que não fui.
O vento sabe da minha preferência pelo mar,
Por isso em dia de fúria
Varre todos os caramujos da minha margem.
(Do livro “Liquidifca(dor) — Poesia para vita mina”)
Não meta linguagem
Hoje amanheci de poesia
mas não soube dizer,
esperei o verso cair do céu
mas ele quis continuar nuvem,
pensou que mais chuva inundaria meus rios
bueiros
buracos
beiras,
provocaria deslizamentos,
frases orações períodos inteiros
e viraria texto.
Entendo a condição de nuvem do verso:
metamorfose
pode ser planta bicho monstro gente: Deus.
Chuva: apenas gota água lama onda lágrima.
Mas enquanto durar a estiagem,
aprendo a pilotar aviões
e a navegar nuvens.
(Do livro “Todo verso merece um dedo de prosa”)
Publicado hoje (29) na capa da Folha Dois