Da notícia hoje da morte de Fidel Castro, aos 90 anos, pela proximidade do testemunho de um amigo nos tempos em que a pequena ilha caribenha ainda abrigava sonhos de um mundo melhor — como permanecerá sendo, para alguns —, o texto que mais me tocou foi o do confrade Ricardo André Vasconcelos.
Ao contrário dele, o livro que me revelou a odisseia cubana não foi o famoso “A Ilha”, do também jornalista Fernando Moraes, mas “A Revolução Cubana”, do sociólogo Emir Sader, que devo ter lido mais ou menos quando Ricardo esteve em Cuba, acompanhando o então jovem prefeito de Campos Anthony Garotinho. Isso sem contar a Cuba pré-Revolução de 1959, que conheci nos romances “O Velho e o Mar” e “As Ilhas da Corrente”, de Hemingway (1899/1961) — Ernest(o) de batismo, como Guevara (1928/67).
Dos quatro principais líderes da Revolução Cubana, Fidel sempre estave longe de ser meu preferido, mesmo nos tempos marxistas da adolescência e juventude. Tampouco seu irmão mais novo, Raúl Castro, que continua a governar Cuba nos mesmos moldes — pelo menos enquanto der. Aos dois, preferia, lógico, o charme do Che, xará argentino de Hemingway.
Mas o revolucionário da Sierra Maestra com a qual mais simpatizei, de cara, foi o cubano Camilo Cienfuegos (1932/59). Militarmente superior aos três mais famosos, era ainda assim o mais humilde. Para completar sua mística de herói trágico, logo após a conquista de Havana, cuja vanguarda ele liderou, desaparecia num misterioso acidente de avião, sem que nenhum destroço ou corpo tenham sido até hoje encontrados.
Abaixo, o texto do Ricardo sobre Fidel, com uma ressalva: embora concorde que o ex-presidente dos EUA John Kennedy (1917/63) seja sobrevalorizado, ele merece mais do que Fidel a legenda de responsável pela sobrevivência do mundo, após a Crise dos Mísseis de Cuba, em outubro de 1962. Kennedy e o líder soviético Nikita Kurshev (1989/1971) tiveram que contornar a vontade dos seus próprios altos comandos militares para selarem a paz. Enquanto Fidel, declaradamente, queria manter os mísseis nucleares soviéticos em Cuba, mesmo ao custo de uma guerra atômica.
Calou-se o Comandante
Por Ricardo André Vasconcelos
Das ruínas do socialismo sobrou o sorriso do mais carismático de seus líderes e, sem dúvidas, uma das personalidades mais amadas e odiadas da segunda metade do século XX. Fidel Alejandro Castro Ruz morreu na madrugada deste sábado, aos 90 anos, sem sua Cuba.
A geração que começou a tentar entender alguma coisa no final dos anos 70 e início dos 80, foi apresentada ao “comandante” pelo jornalista e escritor Fernando Moraes, com o seu livro “A Ilha”. Apesar de apontar avanços e problemas na pequena ilha do Caribe, que àquela época contava com menos de três décadas de governo revolucionário, aquele quadro de analfabetismo zero e acesso de todos à saúde, encantou os jovens que ainda sonhavam transformar o mundo numa sociedade só de iguais.
Mais que isso, a mim particularmente encantava como uma pequena ilha distante 165 km de Key West,em Miami, Flórida, enfrentava — com êxito — a maior potência militar do Planeta. A proximidade é tanta, que os cubanos dizem, talvez com uma dose de exagero, que do Malecon (dique que protege o centro da capital da Baía dos Porcos), é possível avistar as luzes de Miami em noites de lua nova.
Exagero ou não, Cuba esteve na mira e nos calcanhares dos norte-americanos desde que Fidel e seus companheiros desceram a Sierra Maestra para derrubar o ditador Fulgencio Batista; depois de virem do México a bordo do legendário “Il Granma”, pequeno barco que virou monumento público numa praça de Havana. Inúmeras foram as tentativas de eliminar Fidel, ou tomar mesmo o país, como tentou o não menos legendário (talvez injustificadamente) Kennedy, com a frustrada tentativa de invasão da Baía dos Porcos, em torno da qual se situa Havana.
Meses depois, Cuba foi o centro do mundo e o estopim de uma quase-guerra total, quando o líder soviético Nikita Kruschev mandou instalar mísseis no interior da ilha e apontados diretamente para os EUA. A crise ficou conhecida como “os treze dias que abalaram o mundo” e contornada pela diplomacia K&K (Kennedy-Kruschev).
Na verdade, no ápice da Guerra Fria, Cuba era a ponta de lança dos soviéticos, que trocavam petróleo pelo açúcar, e mantinha uma economia artificial financiando um meio-socialismo que alguns críticos apontam como marketing de um sistema que já se mostrava impossível.
Em 1991 estive em Cuba em visita oficial acompanhando o então prefeito Anthony Garotinho, de quem era secretário de Comunicação. Cheguei ao aeroporto José Marti (um pouco maior que o nosso Bartholomeu Lysandro) com sonhos e ilusões numa pequena mala.
De fato, durante uma semana, vi boas escolas e avanços na área de saúde preventiva e pesquisas científicas, mas também algumas decepções: vigilância exacerbada, mendicância no coração da Havana Velha, serviços públicos (todos os serviços na época eram públicos) muito deficientes e o pior: o comandante estava inacessível em uma de suas muitas casas onde se escondia quando estava sujeito a atentados reais ou fictícios. Naquela semana de 1991, quatro opositores do regime tinham sido fuzilados no paredão.
Sim, Cuba, a romântica ilha que ainda guarda no Restaurante Floridita a mesa onde Ernest Hemingway tomava seus daiquiris, a Cuba livre de nossos sonhos e da ternura que não se perderia jamais, era, sim, uma ditadura com seus esqueletos, como qualquer outra.
Ausente do poder há quase uma década por causa de doença e com o poder repassado ao irmão Raul, Fidel já tinha virado lenda em vida e caberá a história julgar seu legado.
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