Fernando Leite — Carta pública ao prefeito Rafael Diniz

 

Leite 09-01-17

 

 

Fiquei matutando sobre o que escrever nesta inauguração de meus escritos no blog Opiniões, a convite do jornalista Aluysio Abreu Barbosa. Grande responsabilidade. Uma coisa é escrever no meu bloguinho, outra coisa é o blog Opiniões, vitrine virtual do jornal Folha da Manhã. Nos “Outros Quintais”, estou em casa, de bermuda e sandálias, mas, aqui, é “casa dos outros” e como dizia minha mãe, “é ambiente que exige recato”.

De onde escrevo, regularmente, num canto do hall dos quartos da minha casa, onde divido a mesa com minha pequena estante (aprendi com o mestre Ariano Suassuna que, quem se aventura nas alamedas da literatura, deve escrever todo dia) vi, na prateleira em frente, a lombada do livro de Gabriel Garcia Marquez, “Ninguém escreve ao coronel”, gritar meu nome. Pensei em fazer uma analogia do título com a derrocada do nosso “coronel de tênis”, mas logo desisti. O conto do colombiano, escrito aos 29 anos, denso como tudo que escreveu na vida, antes de entregar ao mundo, o romance universal, “100 anos de solidão” é muita coisa para ilustrar o crepúsculo da nossa personagem.

Cogitei a barbárie do Presídio do Amazonas, em Manaus e me lembrei que, no final da década de 1970, do século e milênio passados, eu começava a minha militância partidária. O regime militar, já exaurido, dava os primeiros passos em direção à abertura política. Logo no início dos anos 80, o general Figueiredo, era indicado presidente da República e anunciava que quem se colocasse contra a volta do Poder Civil, ele “prendia e arrebentava”. Naquela época, ainda havia, em menor escala, os órgãos de controle e repressão e o meu maior medo era ser preso. Pensava comigo: prefiro morrer! De lá para cá muita coisa mudou no País, mas o sistema prisional continua o mesmo, uma câmara de horror. Ainda que tenha sido concebido como instituição reformadora, capaz de ressocializar o infrator. Não, tema muito áspero para início de conversa.

Quem sabe, então, uma carta pública, dessas que a gente nunca manda, ao novo inquilino do Poder Executivo Municipal, Rafael Diniz. Essas cartas em que a gente diz o que pensa e vai além. Seria pernosticismo de minha parte, eu que nunca consegui, sequer, vencer as barreiras do partido, para ser candidato a prefeito, embora tenha tentado 3 vezes. Mas, vá lá! Na carta e, seria carta mesmo, e não, e-mail, sugerir que ele convide os místicos da Planície, para uma sessão de descarrego civil no centro administrativo municipal, o nosso Passo, uma vez que ali, nos últimos 8 anos, uma seita partidária, cumpria, dia a dia, o ritual sedutor do culto à personalidade ao líder espiritual dos povos (ele, de novo!), guardando as proporções, uma versão papagoiaba do que os bocheviques faziam para Stálin, naquele castelo horrendo do Kremlin. E essa praga pega.

Antes, porém, recomendar, o que dizia o acadêmico Austregésilo de Athaíde, perguntado sobre o que faria se fosse um gestor público, “mandaria costurar a chave do cofre no cós da calça”.

Depois, pedir o esforço de reinventar a cidade – essa nossa vila formosa de São Salvador dos Campos. As cidades são espaços urbanos vivos, que se movem, e, se não cuidadas, incham, sangram em sua vielas infectas, adoecem e morrem. Cidades não são obras prontas e acabadas. São construídas, dia a dia, por isso correm o risco de se tornarem ambientes tristes, feios, inóspitos, se deixadas aos cuidados de aproveitadores, todos “com a mesma boca torta, a mesma artéria aorta, o mesmo sangue ruim”.

Colocar música clássica nos corredores dos hospitais e maternidades, depois de sanar as goteiras e consertar os elevadores, além de abastecer as farmácias de remédios. Está, cientificamente, comprovado que uma cantata de Bach, uma sinfonia de Bethoven, ou a “Feira de Mangaio”, de Sivuca, e “Asa Branca”, de Luis Gonzaga, filho de Januário, têm efeito curativo. Criar os corais dos pacientes dos CRAs, promover a inclusão pela arte, fazer nosso jardim botânico, semear creches para o resgate da primeira infância desassistida, ensinar nossa história nas escolas e convidar os artistas, os operários, as mulheres dos cortiços, as donas de casa que nunca foram ao teatro ou ao cinema, os enganados pelos mercadores da fé, os viventes das periferias para que digam que cidade querem. Eles que nunca tiveram cidade. É desse jeito que se reinventa um lugar para se viver de verdade. Com menos carros e mais bicicletas. Com poesia declamada nas praças, mesmo que só as flores prestem atenção. O começo é sempre assim. O poeta Ferreira Gullar, advertiu há décadas “a arte existe porque a vida não basta”. Ora direis, isso é coisa de doidivanas e eu responderei: amém!

Apoiar as manifestações criadoras, instituir uma volante para vigiar as margens do rio Paraíba do Sul, não, permitir que a especulação financeira violente este corpo feminino d’água que alimenta homens e animais desde sempre, sem exigir nada em troca, nem um aplauso solitário, no final do dia quando fica mais dourado, com a inclinação do sol. Ficam também sob a guarda da Volante, as lagoas, os riachos e rabichos d’água que varam a Planície à procura da vazante. Para que cumpram o seu destino de virar mar.

Pode soar détraqué, piegas, sei lá, mas criar oportunidades para os meninos e meninas, mormente, àqueles que ficam horas em frente as vitrines com os pares de tênis mais reluzentes, absolutamente, inacessíveis para seus pés descalços, neste paraíso capitalista, cujo grande tesouro é a democracia que permite tudo, desde que você tenha posses. Por aqui, até os socialistas mais convictos são democratas. Eu sou anarquista, graças a Deus!

Pedir cuidado, muito cuidado com os tartufos, que Molière tão bem identificou, nas lonjuras do século 17. São idólatras do Poder, independente de quem o exercite, no momento. São exímios bajuladores e têm como missão tirar o governante do mundo real. Só pensam em si mesmos estes sicários modernos.

Por derradeiro, lembrar ao jovem prefeito as façanhas de Lulu Bergantim, personagem do nosso patrício, da Baixada da Égua, o gigante Zé Cândido de Carvalho. O prefeito que não se curvou aos formalismos, ao rito oficial, à liturgia obsoleta do cargo e do alto de sua santa loucura transformou Curralzinho Novo numa cidade resolvida e confortável para o seu povo, agente protagonista da mudança que transforma para melhor e não para ficar igual.

Porque administrar todos administram, uns com mais tirocínio que outros, com mais esperteza desonesta, mas governar é ir além, é conduzir. Obras são perecíveis, ações são perenes.

Mas é tanta coisa, ao mesmo tempo e junta, que, em sã consciência, ninguém consegue fazer. Até Deus precisou de 7 dias para semear galáxias neste universo curvo. Eu sei. Por isso não sugiro prazo para tamanha tarefa. Peço, apenas, que comece. Já é um grande presente.

Então: Meu caro prefeito Rafael, nestas mal traçadas linhas…

 

Atualização do texto às 10h43

 

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Este post tem 16 comentários

  1. José Luis Vianna da Cruz

    Maravilha, Fernando!

  2. José Luis Vianna da Cruz

    Reli e reli várias vezes, Fernando. Obrigado, parabéns por você existir nas nossas manhãs de frustrações e desencantos! Fecho com o seu manifesto e programa de Governo. Santo anarquismo, é coisa de Deus!

  3. Josias Azeredo

    Apesar do contato cotidiano com suas publicações, fiquei impressionado com sua primeira participação neste blog. Simplesmente brilhante. Que Rafael se permita orientar por Deus!

    1. Alex

      É pra quem ja foi um dos maiores puxa saco de GAROTINHO… Ate que as linhas finitas de suas frases andam esperancosas por demais !

      O inicio do texto me remeteu ao velha e boa lambida da vaca, ou seria (trecho excluído pela moderação) ? Da mesma forma que fazia com GAROTINHO o seu rei à epoca, e pelo visto sera da mesma forma ao novo prefeito RAFAEL…

      Mudam-se os personagens mas o teatro e o mimimi continuam os mesmos…

      Campis que nao muda de jeito nenhum com as mesmas ideias antigas… Me lembrei do jurassic park oi seria jurassic Campos ?

      Enfim a mesma (trecho excluído pela moderação) de sempre !

      O dia que Fernando Leite tiver capacidade politica para algo… Pode parar e descer por que com certeza voce estara no lugara errado !

      (trecho excluído pela moderação)

      1. Aluysio

        Caro Alex,

        Não tenho procuração ou desejo de falar pelo Fernando. Aliás, como um dos bons escribas de Campos, nem creio que ele precisasse de alguém para desempenhar esse papel.

        Todavia, mesmo com a moderação dos trechos mais ofensivos, seu comentário passou da conta na severidade. Até porque, sempre bom lembrar que Fernando teve capacidade política o bastante para se eleger deputado estadual e cumprir seu mandato entre 1990 e 94.

        Ao fim e ao cabo, bom que jamais esqueçamos a resalva de outro político brasileiro, um tal de Juscelino Kubitschek (1902/76): “Costumo voltar atrás, sim. Não tenho compromisso com o erro”.

        Abç e grato pela chance das observações!

        Aluysio

  4. Fernando

    Caro Fernando
    Parabéns pelo texto com gosto das águas do nosso Paraíba,com a fresca do nosso vento nordeste e com as mazelas da terra Goitacá.
    Também, espero que nosso prefeito entenda o grito daqueles que nada tem e tem que ter para dar(Djavan).
    Esperando sempre que a sabedoria vença a malícia,boa sorte….

  5. Fátima Melo

    Perfeito e que você possa escrever mais cartas, cartas são sempre bem vindas até às de Tarot!
    Avante Rafael e sua equipe!
    Abraço
    Fátima

  6. Nádia

    Dez com louvor!! Palmas de pé prá você Fernando Leite. Que bom ter tido oportunidade de ler sua carta ao Prefeito Rafael Diniz, poderia se particular e nós não leríamos. Parabéns!! Gostaria de participar da sessão de descarrego (adorei), e estamos precisando.

  7. Sérgio Provisano

    De cara me declaro suspeito para falar, pois é público e notório que eu e Fernando Leite, somos irmãos de armas – nossa principal arma é a pena com a qual esgrimimos e combatemos as causas perdidas – sim, Fernando além de ser um Quixote pós-moderno, faz parte desse exército de brancaleones que combatem sempre os bons combates e é um Poeta além disso, o que o torna especial e o destaca.

    Eu sou suspeito para falar mesmo, nossa amizade e relacionamento vêm de quase quatro décadas, nesse tempo cronológico, mas suspeito que a gente já se conhecia, antes mesmo de sermos concebidos, pois eu também, por uma questão de respeito, não ando sem camisa dentro de casa… E adoro quitandas e adoro ler as coisas que ele escreve, mesmo que divirja de uma ou outra coisa e adoro o fato dele estar aqui no Opiniões, que já disse para o Aluysio Abreu Barbosa, a quem carinhosamente chamo de Aluysinho, é, no meu entendimento, o território onde podemos respirar Cultura, no meio dessa pobreza de ideias que grassa pelas redes sociais, eu amei o texto, eu assinaria embaixo, aliás, considero já meu e de quem mais pensar e quiser se tornar um ser inteligente… Não é sempre que temos a rara oportunidade de ver, ler, vida inteligente, nessa irrefreável democracia que são as redes sociais.

  8. Marcia

    Permita fazer minha,CADA palavra!!!
    Brilhante !

  9. Fernando Leite

    Tenho um compromisso familiar, agora, no final da tarde, por isso vou abreviar, aqui, meus agradecimentos à todos que leram em silêncio e os que reagiram, à sua maneira, curtindo ou comentando, o meu texto no Blog Opiniões. A literatura exerce provocações e, consequentes, reações, favoráveis ou não. É como disse o poeta Manuel Bandeira, a poesia é uma nódoa, gruda na pele de quem tem contato com ela. Se não gruda, não é poesia. A literatura, da mesma forma.
    Obrigado à todos!
    Foi um imenso prazer! abraços.

  10. rodrigo

    Foi deputado com ajuda do “garoto” depois achou q caminharia sozinho e se deu mal.
    Lambi para ter boquinha! Como tinha na antiga”fenorte” escreve um livro e vai vender na rua!

  11. Loana Rios

    Maravilha, Fernando!! Você é ímpar

  12. Savio

    Um belo texto! Parabéns, Fernando!

  13. Jurema

    O novo governo de Campos já pode começar a se preparar para uma grande encrenca.

    Ao negociar os cargos de direção de escola para eleger o presidente da Câmara, o prefeito Rafael Diniz está comprando uma briga com os professores.

    Vários educadores começaram a questionar as promessas do moço e já se movimentam para cobrar do governo.

  14. Dorinha Vianna

    Excelente texto! Vc me representou nele! Obrigada!

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