Artigo do domingo — Quando o lulopetismo gera Bolsonaro como resposta

 

 

 

Pizza mexicana

Por Aluysio Abreu Barbosa

 

Começo de março de 2016. Um mês antes de Dilma ter seu impeachment aprovado na Câmara, cinco antes do tiro de misericórdia no Senado, Lula acabara de ter sua condução coercitiva para prestar depoimento na operação Lava Jato.

Era a noite daquele dia. O casal fora buscar o irmão dela, para que este saísse um pouco da casa dos pais. Servidor federal lotado em outro município, Fernando se refugiara junto aos genitores para se curar de uma doença física, enquanto delirava politicamente, na demonstração prática da teoria freudiana da negação.

Quando Fernando entrou no carro, seu cunhado, André, falava sobre o noticiário da política nacional com outra pessoa ao celular, enquanto esperava estacionado com a namorada, Poliana, diante da casa. Percebida a deixa do acaso, o segundo não acusou o encerramento da ligação. Manteve boca e ouvido ao aparelho, e emendou em voz alta:

— Lula foi preso de novo? Mas você tem certeza? Foi direto para Curitiba? E já desembarcou?

Enquanto a luz interna do carro se apagava com o bater da porta traseira do carro, a face de Fernando desabava, como criança mimada prestes a chorar, na velocidade em que desaparecia nas sombras. Lembrou a cara de pânico de Fred, centroavante brasileiro na Copa de 2014, com o beicinho inferior em convulsões, após o quinto dos sete gols feitos pela Alemanha.

Diante das gargalhadas desavexadas de André e mal contidas de Poliana, a revelarem a pegadinha, a cara de Fernando foi resgatada das suas trevas particulares. De súbito, passou a expressar um misto de alívio, tentativa de resgatar as aparências e a raiva do coelho Pernalonga — comediante contumaz tendo os outros como alvo, que revela sua pele de ovo quando se descobre de nariz vermelho e calças arriadas, no centro do picadeiro.

Depois que chegaram à pizzaria, a discussão política só foi retomada por Fernando quando apareceram Maria Luiza e Velasco. Poliana e André os haviam convidado anteriormente. Com plateia, o servidor federal se animou, impostou a voz e alongou a inflexão para servir fatias retóricas de sabores tão raros quanto mussarela e calabresa:

— Porque eu sou um educador. E o que o Brasil vive hoje é um conflito de classes…

Da brincadeira à pretensão de falar sério, foi interrompido por André, há algum tempo a fim de chutar o pau da barraca daquele maniqueísmo recorrente:

— Olha, em primeiro lugar, você não é educador, mas professor. Educador são mãe e pai. Em segundo lugar, se for para querer entender a realidade brasileira do séc. XXI por uma visão europeia do séc. XIX, como a de Marx, então por que não poderíamos estar vivendo hoje um conflito de espécies, como disse Darwin; ou entre raças, como disse Gumplovicz; ou para fazer do homem o super-homem, como disse Nietzsche; ou simplesmente movido pela punção sexual, como disse Freud?

Sovado no pedantismo do próprio jogo, Fernando não se deu por vencido. Mais com fome de claque do que de pizza, buscou apoio no único público disponível:

— E o que vocês acham? — perguntou a Maria Luiza e Velasco.

Diante da expectativa de Fernando, Poliana e André, que só então notaram não ter conhecimento prévio do posicionamento político do casal convidado, composto por dois jovens amantes de poesia e Chico Buarque, estes fizeram uma pausa e se olharam, antes de responderem à questão lulopetista:

— Bem, nós votamos em Bolsonaro para deputado federal na última eleição! — revelou Velasco.

— E não nos arrependemos do voto! — completou, convicta, Maria Luiza.

No silêncio surpreso dos demais integrantes da mesa, o garçom começou a servir as fatias da pizza mexicana pedida.

 

Publicado hoje (05) na Folha da Manhã

 

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Este post tem 3 comentários

  1. Jurema

    O CAMINHO DA SERVIDÃO

    Em um contexto mais amplo, Bolsonaro acompanha a onda de um movimento comum a muitos países do mundo, que vêm preferindo políticos considerados antiestablishment, “politicamente incorretos” ou mesmo conservadores, no sentido de se apresentarem como oposição ao movimento mainstream progressista.

    Uma das explicações para esta mudança é centrada na estagnação econômica que atinge as principais economias do mundo.

    Nos períodos que se seguem a tempos de crise ou de estagnação econômica, as eleições costumam ser mais polarizadas e os eleitores são especialmente atraídos por propostas políticas de direita, além de frequentemente culparem minorias e estrangeiros pelos efeitos da crise.

    Bolsonaro agrada a muitos eleitores por ser visto como um político outsider, que está fora dos esquemas da política tradicional. Aquele que não mede as palavras para se expressar e não se furtam em usar palavrões ou ofender alguém – e assim passam a sensação de estarem falando a verdade.

    Outro ponto que contribui para sua popularidade é que sua figura está muito ligada à questão da segurança pública, um tema que ganha importância no país. É um fenômeno que remete ao conceito da Pirâmide de Maslow, que diz que primeiramente às pessoas se preocupam com as necessidades básicas, como a alimentação e a segurança, antes de pensar em problemas culturais e imateriais.

    E como a segurança é um problema muito concreto no Brasil e que tem sido pouco explorado no debate político, o foco de Bolsonaro no tema se reverbera.

    Para analisar esse assunto, seria pertinente a leitura de Friedrich Hayek.

    Em seu livro mais famoso, O Caminho da Servidão, de 1944, o vencedor do Nobel de Economia já descrevia o processo que poderiam culminar no surgimento de figuras políticas com o perfil de “mão forte”.

    Segundo Hayek, quando as democracias liberais deixaram de ser uma posição de controle ao poder monárquico e passaram a ser a expressão do poder do povo, começou a haver um gradual aumento dos poderes dos governantes, os quais, como representavam o povo, em tese não precisariam ser limitados, pois eram a própria expressão da vontade popular.

    Esse aumento gradual do poder implicou um aumento das expectativas do papel dos governantes, cada vez mais identificados como responsáveis pela melhoria da situação de todos. Mas o aumento das expectativas ultrapassou a possibilidades reais de serem atendidas.

    Só que em vez de atentar para a impossibilidade do cumprimento dessas promessas, as pessoas passaram a culpar a incompetência individual dos governantes e a buscar, cada vez mais, governantes mais fortes, de “pulso firme”, capazes de realizar o que os anteriores não conseguiram.

    Essa é, para Hayek, a origem do totalitarismo, tida como uma perversão do ideal democrático.

    http://www.mises.org.br/files/literature/O%20CAMINHO%20DA%20SERVID%C3%83O%20-%20WEB.pdf

  2. Silvana Faria

    Não sei se a história é real ou ficção. Mas o que o André disse na cara do Fernando lavou minha alma. No Brasil de hoje quem é que já não foi obrigado a topar com um pedante igual?

  3. Sidney

    Os caras que admiram estes vermes da extrema direia são frustados social, economicamente e querem achar um mito uma tábua de salvação e um culpado por suas frustações, foi assim na Alemanha nazista, na ltália de Mussiline e mesmo agora nos USA com Trump. O populismo d direita é alimentado pela direita tradicional quando não consegue ganhar pelas vias democraticas a esquerda e centro esquarda.

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