Alertando, desde já, que todas as afirmações do texto são oriundas de questionamentos de quem se inicia ao estudo do Direito, portanto as dúvidas são maiores que as certezas, deixo aqui minhas reflexões:
Tendo em vista que a única mudança possível é a de dentro para fora, a sanção se torna uma criação ilusória da sociedade. É simples perceber com exemplos cotidianos, se pedisse para que os senhores parassem de ler esse texto nesse exato instante, a ordem poderia ser acatada, mas o indivíduo não “regenerou” da vontade de ler e assim que possível continuará lendo, portanto, toda ação sob coação é destituída de juízo de valor preponderante, bem como a sua ordem. Digo juízo de valor preponderante todo aquele que advém de forças internas, da consciência e comportamento natural do indivíduo. Todo aquele oriundo de produtos externos, por mais profundos que sejam, são falsos. Podemos perceber tal circunstância na obra A Pele que Habito, de Pedro Almodóvar, quando um rapaz chamado Vicente é sequestrado por um cirurgião plástico que troca toda a sua pele e o transforma em uma mulher, Sofia. Na cena em que o personagem olha para o espelho e se vê como Sofia, percebemos o espelho a aliená-lo ao reflexo externo, pois o interno ainda reflete o ser, assim, ao encontrar sua ex-namorada ele, no corpo de Sofia, diz: – Eu sou o Vicente. Sofia nunca poderia se tornar Vicente, pois tal como a matéria bruta é um produto de forças externas que não se amalgamam às forças internas. Assim é a sanção.Para ser mais visual, o pensamento é análogo à espécie de fagocitose social, processo adaptado da biologia cujos meandros ligam-se diretamente à imunologia.
No esteio desse desenvolvimento, nota-se que privar o indivíduo do objeto de desejo se torna um paradoxo para a regeneração, tal como privar os senhores do texto não eliminaria a vontade de ler, pelo contrário. Tendo em vista um cidadão que vá a julgamento por estar desajustado, alheio ou alienado socialmente, privar-lhe da liberdade (ou da sociedade) seria reforçar o comportamento. Dessa forma, quanto maior a pena, menor a regeneração.
Seguindo a Teoria Tridimensional do Direito, de Miguel Reale, que se alicerça por um aspecto normativo, de Direito como ordenamento; um aspecto axiológico, de Direito como valor de justiça e por um aspecto fático, a cuidar de sua eficácia. Pelo descrito acima, há de se pensar que esta última não possa ser dogmática, sob pena de ser eliminada. Com o desenvolvimento da psicologia chegou o tempo de perceber que o Direito ao longo da história caminhou em linha reta mancando de uma perna, vestindo conceitos antigos com nova roupagem e criando um Direito atual para um mundo que não existe mais, para um mundo tão fragmentado que deixa de ser a cada dia, como explica Edgar Morin em A Cabeça Bem Feita.
Expandindo a crítica para além do olhar desse indivíduo, quando este é o baluarte do problema que se enraíza acima da mente, o mal praticado por ele é um sintoma de desajuste social, pois a finalidade que lhe deu causa não é o mal outrora aferido, mas a busca pelo ajuste social que lhe foi privado. Assim, um homem que assalta e comete um assassinato, o homicídio não foi o fim, o objeto de desejo que lhe daria o ajuste almejado, sim. Sabemos não ser a pobreza a causadora da violência, mas a desigualdade a caminhar ao lado da injustiça, assim, há uma estrutura segregadora tal como manipuladora a nos proporcionar uma ilusão de livre-arbítrio sobre nós mesmos. Para perceber tal condição pergunto aos senhores se gostaram do primeiro gole de cerveja que tomaram? Então porque bebemos até gostar? Se de fato tivéssemos livre-arbítrio a cerveja não faria parte do cardápio da grande maioria pelo gosto peculiar, acontece que não somos inteiramente donos de nós mesmos quando vivemos em sociedade, e esta não pode se ausentar da culpa em um julgamento.
Numa experiência sobre cultura utilizando cinco macacos em uma jaula e um cacho de banana no alto de uma escada, quando um macaco subia para pegar as bananas os outros eram alvejados com jato d’água. Em pouco tempo eles perceberam a ligação entre a banana e o jato d’água e sempre que um tentava subir a escada os outros o surravam. Assim, os cientistas trocaram um dos macacos da jaula, e logo ele tentou subir a escada foi espancado e não mais tentou. Trocaram outro macaco, que tentou subir a escada de imediato e foi espancado pelos outros, bem como pelo novato que participou com entusiasmo mesmo sem saber porque apanhou e porque estava batendo. Assim sucessivamente até trocar todos os cinco, o comportamento se arraigou e nenhum deles subia para pegar a banana, sem mesmo nunca terem visto o jato d’água. Se pudéssemos perguntar para um deles o porquê de tal comportamento talvez a resposta fosse parecida com a nossa e a cerveja: “Não sei, mas as coisas sempre foram assim por aqui.” Portanto, há uma estrutura ideológica arraigada pelos meandros sociais a compor subjetividade, parte oriunda de uma sociedade do espetáculo – expressão homônima à obra de Guy Debord, onde a verdade é um momento do falso. Em vista disso, há de se condenar a estrutura, sobretudo, condenar um indivíduo à privação da liberdade é, antes, condenar a todos nós.
Na alçada histórica, o que pude acompanhar até aqui, há uma relação tímida entre o Direito e a moral, como a teoria do mínimo ético, quando este deveria ser um casamento. Há de se observar que o pensado até o momento e tomado como influência a nossa constituição ao olhar da napoleônica – como explica o professor Dr. Dalmo de Abreu Dallari no curso de formação de magistrados no Rio de Janeiro – de se colocar à frente a razão e mitigar a emoção é passível de questionamento, pois criando uma instituição inteira de razão, cria-se uma instituição para uma espécie que não a humana, mas de máquinas; e criando uma instituição inteira de emoção, o mesmo procede, mas de animais irracionais. O que nos torna humanos está na interseção entre a razão e emoção, por esse ponto de vista, há uma relação de simbiose onde uma se alimenta da outra. Portanto, a ideia do Direito como interseção, análogo ao dualismo platônico, um corpo e uma psique, vai de encontro ao pensamento de Hans Kelsen em Teoria Pura do Direito onde se serve como base normativa, pois enquanto heterônomo se imiscui a qualidade subjetiva que nos torna humanos e possíveis de conviver em sociedade. Ou seja, a subjetividade toma parte em algo que não lhe diz respeito, outrora não compreendida quando sê-la fora devida. É indiscutível que a filosofia na qual constitui a sociedade é ineficaz, vivemos a desarmonia no nosso cotidiano, é comum o receio de ser assassinado ou roubado ao caminhar à noite pela rua e analiso essa ineficiência, dentre tantos vieses, tambémpelo viés consequente do desmantelamento da emoção e da tentativa de padronização do ser humano por costume social. Costume que se derrama por todas as partes, mesmo na faculdade onde 50 alunos passarão 5 anos respondendo às mesmas perguntas, com as mesmas respostas em provas como se todos fossem iguais e carregassem os mesmos recursos naturais.
Com a convicção de que toda afirmação exposta aqui teve causa apenas à estética textual, e a certeza de me encontrar no horizonte longínquo do longo caminho para sorver uma gota desse oceano do Direito. Sob a sabedoria dos senhores leitores que como o sol a nascer sobre o oceano ilumina todas as águas, caso o tema seja pertinente à vossa preferência, que tal discutirmos a respeito nos comentários?
Abraços,
Fabio Bottrel