Fabio Bottrel — O Silêncio dos Tempos

 

Sugestão para escutar enquanto lê: Shigeru Umebayashi – Yumeji (tema de À Flor da Pele)

 

https://www.youtube.com/watch?v=23oBMOvt85o

 

 

 

 

 

— Não te escutas, velho Pompeu, a dura gente que implora as lágrimas de Deus para molhar como um beijo suave o capim malgrado que agoniza no seco pasto?

— Lázaro, essa buzina pública, longa e injusta, mãe de todas as delongas, ofusca em meus ouvidos os ruídos daqueles pobres meninos a surrupiarem pelas estradas uma esmola de futuro. Longe de não querer escutar, em meus olhos já se veem mergulhados suas mazelas eternas, mas há de concordar, do jeito que está, o que há de mudar?

— Pompeu, quanto desânimo destila ao futuro, verdade seja dita, também não compartilho de ânimos pretéritos. Mas tenho fé nessa caneta e pedaço de papel, aqui mesmo, sentado nesse banco da Praça do Liceu, que se transforme em ferramenta para as gerações futuras não cometerem as atrocidades do passado.

— Que a minha descrença seja perdoada, Lázaro, mas poluído com o vento sem filtro dessa planície, é capaz dessa geração não enxergar a tinta que sai da sua caneta, quiçá entenderá o timbre compositor deste diálogo. Os ouvidos não foram educados, os olhos desconhecem a beleza imperecível da vida, o coração padece sem nunca ter batido. Gostaria de ter me feito poeta, com alma perdida num sorriso enquanto retira das fragrâncias frasais o verdadeiro sentido: que não se ama alguém só pela beleza, é certo que faz desta, uma geração incapaz de amar.

— É com pesar, Pompeu, que não te contesto, outrora havia envelhecido, desde então, me cansa esse sentimento pobre a rondar essa superfície tão grossa, que não se permite enxergar a fundo. Talvez esse seja o envelhecer da natureza, na flacidez das horas, orquestra o silêncio dos tempos.

 

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Este post tem um comentário

  1. Fernando Leite

    Magistral! Não vou adiante para não contaminar, com adjetivos pobres, meu encantamento com este texto, meu caro Bottrel!
    Abraços.

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