Folha 40 anos — Você, leitor, a única razão

 

Você, Leitor

 

Você, leitor, que pulsa

de vida e orgulho e amor,

assim como eu:

para você, por isso,

os cantos que aqui seguem!

 

(Poema de Walt Whitman, impressor de jornal e enfermeiro voluntário da Guerra de Secessão dos EUA)

 

 

(Arte de Marco Antônio Rodrigues)

 

 

Arte: Guto Leite

Você, leitor, a única razão

Por Aluysio Abreu Barbosa(*)

 

O filme “Amistad” (1997), de Steven Spielberg, conta a história real de um navio negreiro no séc. 19. Após a revolta dos negros sequestrados da África para serem vendidos como escravos, o navio acaba dando na costa dos EUA. E lá ocorre um julgamento que levaria a questão à Suprema Corte daquele país ainda escravagista, antes da Guerra de Secessão (1861/65): os africanos eram uma “mercadoria” que deveria ser devolvida aos seus “donos”, ou homens livres capturados à força em sua terra, com direito a ser libertos e repatriados?

Foi por querer voltar à própria terra, marcada no passado pelo mesmo flagelo da escravidão, que um jornalista sonhou em fazer o caminho inverso ao da maioria dos profissionais saídos da província, após vencer num grande centro. Em 1973, ele voltou do Rio de Janeiro a Campos, na condição de correspondente especial do Jornal do Brasil (JB) — maior do país, à época. Mas Aluysio Cardoso Barbosa (1936/2012) sonhava mais: queria dotar sua cidade e sua região de um jornal capaz de elevá-las da condição de província.

Na função ancestral de contar as histórias da sua tribo, o jornalista sonhava fazê-lo como ninguém antes nesta terra de planície cortada e parida pelo Paraíba do Sul. No auge da Ditadura Militar no Brasil (1964/85), num tempo em que computador pessoal, internet e celular só existiam na ficção científica, ele ambicionava montar um jornal com impressão offset. Por se tratar de avanço gráfico inexistente no interior do Estado do Rio, não era pouco.

Não bastasse, tencionava a reboque profissionalizar a função de jornalista. Tirar este do comodismo passivo das redações para erguê-lo atento ao movimento dinâmico das ruas, das pessoas e dos fatos. Além, Aluysio queria introduzir em Campos conceitos da profissão que havia aprendido em sua passagem exitosa na redação do maior jornal brasileiro.

Criado na tal Guerra de Secessão dos EUA, que acabaria com a escravidão naquele país, para agilizar o envio das notícias pelo telégrafo, o lead só chegaria ao Brasil nos anos 1950, através do intercâmbio com as agências internacionais de notícia. Resumo introdutório à narrativa aristotélica de início, meio e fim, o lead deveria ser o primeiro parágrafo de qualquer matéria jornalística. Era composto das respostas às seis perguntas: Quem? O quê? Quando? Como? Onde? Por quê?

Para qualquer jornalista hoje com menos de 70 anos, pode parecer piada. Mas esse conceito que facilita de cara o acesso das informações ao leitor, não existiu desde sempre, ou universalmente. Na Campos dos anos 1970, foi introduzido por Aluysio, que o trouxe do JB. Como, por maior que possa ser a surpresa a qualquer repórter com menos de 40, ninguém sentia falta de computadores quando só havia o barulho das máquinas de datilografar.

Desde esses tempos “imemoriais”, Aluysio tinha como princípio: “jornalismo é trabalho coletivo, ou nada”. Para realizar seu sonho, disseminou o contágio entre outros: sua esposa, Diva Abreu Barbosa, uma professora de história marcada pela determinação; um publicitário visionário, Pereira Junior; um radialista apaixonado, Andral Tavares; além dos colegas de profissão que escalou para montar uma redação dos sonhos na esfera goitacá.

Enquanto ainda planejava se arriscar como dono de jornal, Aluysio teve tempo para evidenciar o que era como jornalista. Repórter diferenciado no faro pela notícia, como na obsessão de levá-la antes ao leitor, arrumou emprestado um avião para sobrevoar o oceano e romper as barreiras até físicas da Ditadura Militar. O resultado? Noticiou sozinho o primeiro carregamento comercial de petróleo na Bacia de Campos, protegido como segredo de segurança nacional.

O furo jornalístico, contado em detalhes (aqui) nas duas páginas seguintes desta edição, se deu em agosto de 1977, menos de cinco meses antes do seu autor fundar o jornal que batizou: Folha da Manhã. E com a descoberta do jornalista, fruto do mesmo sonho que imprimiu no Brasil e no mundo, a face de Campos e da região nunca mais seria a mesma.

De 8 de janeiro de 1978 até hoje, o que não mudou foi a liderança da Folha, conquistada com apenas dois meses de circulação, na mídia do interior do Estado do Rio. Posição depois ampliada com a Rádio Continental, a Rádio Jornal de Macaé, a Plena TV, a InterTV Planície — cuja sede se chama Aluysio Cardoso Barbosa — e a Folha 1, site mais acessado do interior fluminense.

O nome do grupo de comunicação, contudo, permaneceria o mesmo dado pelo jornalista: Folha da Manhã.

Quem pediu que personagens importantes destas quatro décadas dessem sobre elas seus testemunhos, faltaria com a verdade se não revelasse um momento místico — indesejado ao reportar objetivo dos fatos. Passadas a tarde e a noite da última quarta (03) na edição da saga relembrada (e celebrada) nesta edição especial, quem subiu a escada invisível entre passado e presente tomou um susto. A redação da Folha não era mais a mesma dos testemunhos, revisitados também pela retina da criança, do adolescente e do jovem que os viveu.

Em dado momento do filme “Amistad”, o ex-presidente John Quincy Adams (1767/1848), interpretado por Anthony Hopkins, usa a ajuda de um tradutor para conhecer os motivos dos africanos cuja liberdade vai defender como advogado. E ouve do líder dos amotinados:

— Eu chamarei meus antepassados. Farei um chamamento ao passado. Pedirei que venham me ajudar. Eu os chamarei para estarem aqui, agora, comigo. E eles terão que me atender. Porque, neste momento, eu sou a única razão para eles terem existido.

Há 40 anos, leitor, a única razão é você.

 

 

 

 

(*) Jornalista, poeta e diretor de redação da Folha da Manhã

 

Publicado hoje (07) na Folha da Manhã

 

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Este post tem 3 comentários

  1. Savio

    Com muito orgulho guardo comigo o número 1 da Folha da Manhã! No dia do lançamento comprei dois exemplares, o outro eu enviei para um amigo italiano.
    Também guardo na memória ( e no reconhecimento ) o fato de ter sido aluno de Jornalismo, tanto do Aluysio, quanto de Diva Abreu Barbosa. Sou amigo de vários jornalistas daquela ocasião em que o jornal Folha da Manhã se lançou ao mundo, por exemplo, Celso Cordeiro, Winston Churchill Rangel, Saulo Pessanha, José Cunha Filho, Gianino Sossai, a maioria formada pela dupla Aluysio & Diva, além de outros ícones da História do Jornalismo Campista, como Hervé Salgado Rodrigues, Diva Goulart, Mário Ferraz Sampaio, etc.

    __Vida longa ao hoje Grupo Folha da Manhã!

  2. Savio

    Esqueci de citar da mesma época e da mesma turma de Jornalismo que me formei, o Péris Ribeiro e a Sylvia Salgado Rodrigues. Esta turma é a de 1978, o mesmo ano do nascimento da Folha da Manhã.

  3. cesar peixoto

    Recordar é viver, você teve a sorte de ter um super-Pai

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