Gustavo Alejandro Oviedo — Que Brasil o Supremo quer para o futuro?

 

 

 

Dependendo do momento em que você leia esta nota, pode ser que o STF já tenha decidido sobre o Habeas Corpus de Lula, assim como tenha apreciado qual o momento em que um condenado deve começar a cumprir a pena. Também pode ser que decidam que nada será decidido hoje. De qualquer forma, as considerações que farei independem do resultado.

O que hoje se discute no Supremo não é a inocência do Lula, mas se ele deve começar a cumprir a condena que lhe impôs o juiz Moro e que foi confirmada e aumentada pelo TRF4. Portanto, o HC está atrelado de forma inevitável à discussão acerca da antecipação provisória da prisão após o julgamento na segunda instância.

Há um ano e meio atrás o STF tinha decidido que sim, que o condenado podia começar a cumprir a pena, pois isso não feria o principio da presunção de inocência. Hoje, diante de uma aparente maioria de ministros que discordam, esse entendimento poderá ser modificado.

Tenho duas coisas a dizer sobre o assunto. A primeira é que ninguém que não tenha um mínimo de bom senso pode defender a ideia de que deve se esperar o julgamento até ele finalizar em todas as instâncias, isto é, até “transitar em julgado”.  Sabemos bem que o trânsito em julgado pode demorar décadas; que a quantidade de recursos beira o ridículo; que a 3ª e a 4ª instancias (STJ e STF, respectivamente) apreciam apenas questões processuais; que na maioria dos países civilizados o condenado vá preso depois de respeitado o duplo grau de jurisdição, e que somente chegam ao STF os recursos daqueles que tem dinheiro para pagar advogados caríssimos. Portanto, quem hoje defende que o condenado aguarde em liberdade a passagem nas 4 instâncias tem um interesse pontual nisso. Falando mal e pronto, tem um bandido de estimação prestes a ir em cana.

A segunda coisa que queria dizer é que a própria Constituição, prolixa e voluntarista como é, nos colocou neste problema.  De fato, ela diz expressamente que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória” (art. 5º, LVII).  Isto significa que sempre teremos aqueles que façam uma interpretação literal do inciso, e digam que não cabe posição diversa. Há de se reconhecer, a princípio, que parece um argumento sólido. Acontece que a literalidade é apenas um dos elementos da hermenêutica, não o único. Se confrontarmos aquele inciso com o princípio constitucional da igualdade (isonomia) e com o direito fundamental à segurança, teremos que a presunção não culpabilidade deve ser mitigada depois que o condenado foi julgado duas vezes.

Digressão:  não seria a primeira vez que a interpretação literal de um artigo da Constituição é deixada de lado, por impraticável. Lembram-se do artigo 192, § 3º, da redação original? “As taxas de juros reais… não podem ser superiores a 12% ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura”.

Será muito interessante de ouvir hoje o ministro Gilmar Mendes à hora de proferir seu voto, dado que 18 meses atrás ele defendia vigorosamente a prisão após a segunda instância, relativizando a rigidez do art. 5º, LVII da CF. Naquela época, é claro, ainda não tinha sido divulgada a gravação de Joesley Batista, e o presidente Temer ainda não tinha sido denunciado pelo Procurador Geral. Veremos hoje, portanto, como o ministro se utilizará de todo o seu notório saber jurídico para sustentar exatamente o contrário daquilo que pensava há um ano e meio.

Sobre o posicionamento dos petistas, e da esquerda em geral, em relação ao tema não há muito que possa ser dito, pois eles não se importam com o art. 5º, LVII, da Constituição, nem com a presunção de inocência ou com a possibilidade de confirmar a impunidade para os poderosos. Como bons dogmáticos, acreditam somente na infalibilidade do Lula, na falibilidade da justiça, que Sergio Moro é agente da CIA e que a Globo é o demônio. O raciocínio básico para eles é que Lula é inocente porque foi bom com os mais necessitados. Se no lugar do ex-presidente estivesse sendo julgado um HC de Temer, ou dos assassinos de Marielle Franco, seriam os primeiros a clamar pela prisão imediata. Jorge Luis Borges dizia que os peronistas não eram nem bons nem maus, apenas que eram incorrigíveis. Uma boa definição para aplicar aqui no Brasil.

Para terminar, a declaração do comandante do exército Vilas Bôas proferida ontem a noite causa um pouco de estremecimento, quando fala que a força se mantém atenta ‘às suas missões institucionais’. Num momento onde alguns delirantes, dentre eles militares reformados, alentam uma intervenção militar, a manifestação dá lugar a interpretações ambíguas, e perigosas.  Se de fato o exército respeita a Constituição e a Democracia, como Vilas Bôas escreveu,  o melhor que o comandante poderia fazer é ficar calado e aceitar a decisão do STF, seja qual for.

Ainda que o Lula não vá preso, e ainda que o STF decida em favor da condenação após o trânsito em julgado, não há como negar que a decisão será total e absolutamente legítima, emanada por uma corte com plenos poderes para proferi-la – da mesma forma que o impeachment de Dilma seguiu todos os passos que a Constituição determina.  Por minha parte, acho que as consequências serão nefastas, não apenas pela ratificação da impunidade, mas também pela possibilidade concreta de que o descrédito à política e à justiça faça aumentar a popularidade de candidatos com ideias extremistas. Mas isso somente se muda aprimorando o voto, e não apelando às botas.

 

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