Por Suzy Monteiro e Aluysio Abreu Barbosa
No último dia 4, milhões de brasileiros estavam com os olhos grudados nas televisões ou redes sociais. Mas, o que mobilizava a população não era um jogo de futebol, como tradicionalmente acontece no país, mas o julgamento do Habeas corpus (HC) do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no Supremo Tribunal Federal (STF). O petista tentava evitar a prisão, após ser condenado em segunda instância por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do triplex do Guarujá. O clima de torcida prevaleceu entre aqueles favoráveis à concessão do benefício e os contrários. E o debate continuou muito além da “etapa complementar” — no caso, as 11 horas que demorou a sessão da Suprema Corte, que, por 6 a 5, rejeitou o HC de Lula, levando-o à prisão.
À parte os milhões de “técnicos” que comumente surgem em momentos como estes, a Folha da Manhã ouviu aqueles que lidam, direta e diariamente com a lei: juízes, promotores e advogados que analisaram o julgamento e, ainda, o voto considerado decisivo contra Lula: o da ministra Rosa Weber, que, abriu mão de seu entendimento pessoal e seguiu a jurisprudência atualmente reinante naquela Corte, no sentido de ser possível a execução provisória da pena após o julgamento de segundo grau.
Para o juiz Eron Simas, por exemplo, a decisão da Suprema Corte foi correta. Mas ele ainda destaca a importância do STF manter o entendimento da maioria: “De nada adianta, a Corte passar longas horas debruçada sobre um tema espinhoso como esse e, individualmente, ministros contrariarem o que foi decidido pela maioria”.
Pensamentos semelhantes têm os também magistrados Ralph Manhães: “Com a sentença condenatória e o recurso em segundo grau, inibe essa presunção de inocência, que não vai existir mais em razão das provas” e Glaucenir Oliveira: “Nas palavras do ministro Celso de Mello, decano do STF, a Constituição Federal não pode submeter-se ao império das circunstâncias, o que ficou garantido diante da decisão majoritária dos ilustres ministros daquela Corte”.
Promotor de Justiça, Victor Queiroz destaca que o STF acenou, ainda que por um instante, com a noção de que todos devem ser tratados de modo igual, pouco ou nada importando o “glamour de que eventualmente revestidos os réus”.
Presidente da OAB em Campos, o advogado Humberto Nobre disse que os argumentos expostos nas fundamentações dos ministros que votaram pela negativa da presunção de inocência a partir do julgamento em segunda instância não parecem suficientemente fortes para justificar a diminuição do sentido literal e expresso na Constituição Federal.
Mas o “time” pela concessão do HC, embora menor, faz defesa contundente. A advogada e socióloga Sana Gimenez ressalta: “Os que acreditam que a execução antecipada da pena como regra evita a impunidade devem se lembrar de que continuam existindo modalidades de prisão provisória que poderão ser aplicadas quando devidas e que o Brasil já tem uma excessiva população de presos preventivos.
O também advogado Antônio Carlos Filho questiona: “Sistema penal rápido é o que leva o réu à praça pública e o submete à forca, mas, ao extremo, é este o processo que queremos?”
Depoimentos
“A (im)possibilidade de execução da pena privativa de liberdade antes do trânsito em julgado é controvertida, com argumentos respeitabilíssimos de parte a parte. A Corte já tem novo encontro com esse tema, no julgamento das ADC 43 e 44. Todavia, mais importante do que o STF definir posição sobre a matéria, é os ministros que compõem a minoria vencida observarem esse posicionamento. A decisão está aí. E, até o momento, o desrespeito ao povo e às instituições estatais — já demonstrado nos atos de corrupção praticados — permanece e se mostra fortalecido no coro dos que acreditam que o ex- presidente está acima da lei”.
Eron Simas, juiz de Direito
“A prisão de um ex-presidente da República, infelizmente, representa o grau de degradação em que a sociedade brasileira se encontra. É triste para um país que um ex-presidente, sobretudo, uma liderança popular como o ex-presidente Lula, seja condenado por corrupção. De todo modo, acredito que seja necessário respeitar a decisão do STF, sobre a possibilidade de prisão após o julgamento da ação penal em segunda instância. Na minha visão, é interpretação cabível no que diz a Constituição Federal. Cabe ao STF, contudo, firmar seu posicionamento sobre isso, sob pena de se considerar que suas decisões são tomadas de forma casuística”.
José Paes Neto – advogado e procurador de Campos
“O princípio da presunção da inocência, de cunho constitucional, é sem dúvida, de extrema valia para as liberdades individuais, porém nunca teve, e nem deve ter, caráter absoluto. Não obstante ser uma cláusula constitucional em benefício do cidadão, encontra o outro lado da moeda, que vem a ser delimitação do exercício da atividade de persecução penal contra os infratores da norma penal. Em boa hora, a maioria dos ministros do STF, imbuídos do necessário sentimento de Justiça e afetos a boa técnica jurídica, decidiram pela manutenção do decisium proferido em 2016, preservando a credibilidade no sistema de Justiça Criminal brasileiro”.
Glaucenir de Oliveira, juiz de Direito
“O julgamento do HC do ex- presidente Lula causou impressões, com curioso diálogo dos ministros do STF com a coerência do discurso e a colegialidade que deveriam permear as decisões da Corte. O ministro Gilmar Mendes deixou assentado que, doravante, não seria possível a execução provisória da pena após julgamento de segundo grau, diversamente da posição por ele mesmo adotada há cerca de dois anos. De outro lado, a ministra Rosa Weber, apesar de, em processo objetivo, já haver se manifestado noutra vertente, respeitou a jurisprudência reinante naquela Corte. E o STF sinalizou, ainda, de que o sistema de justiça não pode ser seletivo”.
Victor Queiroz, promotor de Justiça
“Dois me parecem eram méritos do julgamento do HC de Lula. A maioria de nós, cidadãos brasileiros, parecia “torcer” pela prisão ou liberdade do cidadão e ex-presidente. Confesso que, na qualidade de cidadão, fiquei satisfeito com a demonstração de coerência do STF em não ficar alterando sua própria jurisprudência em razão da qualidade do réu. Contudo, fiquei ainda mais preocupado em como a decisão nos afeta enquanto sociedade. A Justiça Criminal só agora parece alcançar os mais abastados e poderosos, sua clientela habitual, da qual nossos presídios são abarrotados, são provenientes da classe menos favorecida de tudo”.
Humberto Nobre, advogado e presidente da OAB Campos
“A única certeza quanto ao resultado da votação do HC de Lula era a de que a democracia sairia perdendo mais uma vez. Se, por um lado, a garantia constitucional da presunção de inocência nunca deveria ter sido fraturada, por outro a politização e personificação da questão em torno da figura do ex-presidente em nada contribuíram para um debate técnico-jurídico. O que se viu foi o perigosíssimo império da opinião pública sobre um Tribunal Constitucional. A ministra Rosa Weber talvez tenha sido a que melhor ilustrou o voluntarismo jurídico travestido de rigor formal, típico desses tempos de ‘exceção esclarecida’”.
Sana Gimenez, advogada e socióloga
“Entendo que a decisão foi correta porque ela vai de encontro aos anseios de uma sociedade, não que ela seja popular, mas aos anseios da sociedade que quer um sistema penal efetivo. Não há, ao meu ver também, ofensa ao princípio da presunção de inocência, porque a presunção é na primeira etapa, até que se prove o contrário. E a prova, com a sentença condenatória e o recurso em segundo grau, inibe essa presunção de inocência. Você deixar para o trânsito em julgado apenas para cumprir a efetividade da prisão, é muito ruim para o sistema penal. Impulsiona e estimula o cometimento de crimes”.
Ralph Manhães, juiz de Direito
“Na minha opinião, a execução provisória da pena privativa de liberdade encontra óbice não na presunção de inocência, mas no próprio Código de Processo Penal, que, a partir da denominada ‘Reforma Ada’, acabou com a prisão como efeito da condenação e impôs que qualquer prisão antes da sentença transitada em julgado fosse decorrente única e exclusivamente de provimento cautelar. De qualquer modo, tenho aversão a casuísmos, o que no fundo se pretendia no caso do HC do ex-presidente Lula. O casuísmo apequena qualquer Corte, inclusive o STF. Coube à ministra Rosa Weber salvar a reputação da Corte”.
Marcelo Lessa, promotor de Justiça
“É evidente que a corrupção precisa ser combatida e também é evidente que recursos meramente protelatórios não devem servir para assegurar a impunidade. O ponto cego do Direito, porém, é o evidente, como lembra Cunha Martins em obra com este nome. A meu ver, o STF andou mal na decisão do Habeas Corpus n.º 152.752, principalmente porque o fio condutor da maior parte dos votos vencedores — a preocupação em preservar a estabilidade da jurisprudência e o respeito à “colegialidade” — restou contraditado pela notícia de que o entendimento agora adotado poderá ser superado no julgamento das ADC’s 43 e 44”.
Antônio Carlos Filho, advogado criminalista.
“O julgamento surpreendeu pela posição da ministra Rosa Weber. Derrubou meu prognóstico e de meio mundo. A ministra adotou o que os norte-americanos chamam de “minimalismo judicial” — julgar um caso de cada vez, sem fazer abstrações que decidam além do caso concreto. A ministra se permitiu concluir contra sua convicção pessoal sem, contudo, incorrer em contradição com as próprias premissas do julgado em mãos. Porém, parece ter deixado bem claro que, ao apreciar o mérito das ADCs do ministro Marco Aurélio, vai reiterar posição pela impossibilidade de prisão antes do trânsito em julgado”.
Carlos Alexandre de Azevedo Campos, advogado e ex-assesor do STF
“O Supremo Tribunal Federal demonstrou força institucional e amadurecimento jurídico no julgamento do HC preventivo impetrado pelo ex-presidente Lula. Não me regozijo com a prisão de Lula, mas o Tribunal evitou o casuísmo e prestou deferência à sua própria jurisprudência. Se a posição sobre a execução da pena após condenação em segunda instância mudar, tal mudança deve ser feita no julgamento de ações constitucionais. Por isso, vi coerência na posição da maioria do STF, diante de um dos processos mais sensíveis de toda a sua história”.
Robson Maciel Jr, advogado e procurador da Câmara de Campos
“Na última quarta-feira, ao apreciar o HC 152752, o STF deliberou por manter o seu entendimento acerca da possibilidade de execução provisória da pena a partir da condenação em segunda instância. Penso que, na linha do que foi sustentado pelos ministros Rosa Weber e Luis Roberto Barroso, não há motivo suficiente para a alteração de um entendimento que foi fixado há um ano e meio. A Constituição Federal, a legislação ordinária (especialmente considerando o novo Código de Processo Civil), bem como a jurisprudência dos tribunais superiores têm clamado pelo respeito à jurisprudência”.
Rafael Crespo Maciel Machado, advogado
Publicado hoje (08) na Folha da Manhã